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3 VIOLÊNCIA ESCOLAR, INDISCIPLINA E BULLYING

3.3 Bullying escolar: caracterização geral do fenômeno

Recentemente, diversos meios de comunicação têm noticiado, com demasiada frequência, tal como um programa exibido pelo Fantástico, da TV Globo (g1, 29/11/2015), episódios relacionados à ocorrência de bullying, principalmente os que se manifestam no interior das escolas. Além disso, os fatos relacionados com as tragédias provocadas por determinados adolescentes ou jovens que entram armados nas escolas - e, em alguns casos, acabam chacinando alunos e professores, para, em seguida, suicidarem - têm suscitado o interesse da mídia, uma vez que, salvo exceções, esta pode exibir o espetáculo cotidiano do

17 “Desdramatización de los fenómenos de indisciplina.”.

qual se alimenta. Columbine High School massacre, Erfurt School massacre, Virginia Tech

shooting e, no Brasil, o mais triste episódio desta natureza, o “Massacre de Realengo” são

alguns exemplos, entre outros, de episódios que estariam associados ao bullying, divulgados pela mídia nacional e internacional.

Podemos deduzir que a divulgação cada vez mais constante de episódios de violência entre pares contribuiu para popularizar o termo bullying. Entretanto, sabemos, por um lado, que a agressividade envolvendo estudantes não é um fenômeno recente, sua ocorrência é antiga e sempre esteve relacionada a múltiplas causas. Por outro lado, o esforço para compreender as motivações, os significados, as causas e as consequências das formas de agressividade de caráter intimidatório datam de um momento histórico recente. Nesse aspecto, Olweus (2006) afirma que:

Durante uma série de anos, estes intentos estiveram circunscritos à Escandinávia. Entretanto, nos fins da década de 1980 e início da seguinte, o fenômeno da intimidação entre escolares também atraiu certa atenção pública e da investigação em outros países, como Japão, Inglaterra, Países Baixos, Canadá, Estados Unidos e Austrália19. (p. 17, tradução nossa)

Preocupado em compreender a intrincada trama que envolve o complexo campo das agressões entre pares e o contexto em que se configuram as condições de vítimas e de agressores, Olweus (1993) sustenta que apenas no final dos anos de 1960 e no começo dos anos de 1970 surgiu, na Suécia, um forte interesse por problemas relacionados com a intimidação entre agressores e vítimas, o que logo se expandiria para outros países da Escandinávia. Na Noruega, por exemplo, o autor observa que:

problemas de intimidação e vitimação se converteram durante vários anos em um tema de preocupação geral nos meios de comunicação e entre professores e pais, mas as autoridades educativas não se comprometeram com o fenômeno de forma oficial. Há alguns anos se produziu uma mudança importante. Nos últimos meses de 1982, um jornal fornecia a informação de que três garotos do norte da Noruega com idades compreendidas entre os 10 e os 14 anos haviam se suicidado, com toda probabilidade, como consequência do grave assédio a que os submetiam os seus companheiros20. (pp. 1-

2, tradução nossa)

19 “Durante una serie de años, estos intentos estuvieron circunscritos a Escandinavia. Sin embargo, a finales de la

década de los ochenta y princípios de la seguiente, el fenômeno del acoso entre escolares también atrajo cierta atención pública y de la investigación en otros países, como Japón, Inglaterra, Paises Bajos, Canadá, Estados Unidos y Australia.” (p. 17)

20 “In Norway, bully/victim problems were an issue of general concern in the mass media and among teachers

and parents for a number of years, but the school authorities did not involve themselves officialy with the phenomenon. Some years ago, a marked change to place. In late 1982, a newspaper reported that three 10 to 14-years-olg boys from the northern part of Norway had committed suicide, in all probability as a consequence of severe bullying by peers.” (Olweus, 1993, pp. 1-2)

O autor sustenta que os fatos descritos produziram um grande impacto, quer nos meios de comunicação, quer no público em geral, causando múltiplas reações e, consequentemente, deflagrando “uma campanha em escala nacional contra os problemas de intimidação nas escolas de educação primária e secundária”21 (p. 2). Apesar do aspecto frequentemente

sensacionalista com que vários episódios de maus tratos entre escolares têm sido abordados, em especial pela grande mídia, não se deve ignorar a necessidade, sobretudo por parte dos educadores, de abordar o assunto de forma responsável. As inúmeras histórias de alunos, personagens reais, que aparecem nos relatos de entrevistas ou em outras falas, demonstram o aspecto destrutivo que esse tipo de violência pode produzir, inclusive já nos primeiros anos de escolarização de muitos estudantes. De acordo com Fante (2015), os estudos mundiais acerca deste fenômeno:

indicam que o bullying envolve de 6% a 40% dos estudantes, podendo ser identificado nos primeiros anos escolares, porém, o agravamento dos casos aumenta conforme o grau de escolaridade, atingindo o ápice na adolescência – entre 11 e 15 anos -, e podendo persistir em outros ambientes, como no universitário e laboral. Ressalta-se que, na relação entre pares adultos, geralmente emprega-se o termo assédio moral. (p. 93)

Além da grande incidência do fenômeno em meio escolar, o fato de ter sido, muitas vezes, considerado como uma “brincadeira” tornou a prática e os efeitos do bullying ainda mais devastadores. Não por acaso, este tipo de agressão faz parte do que se denomina “a face escondida da violência” (Blaya, 2006; Olweus, 2006), que, segundo os autores, pode fragilizar o adolescente vítima da agressão, causando-lhe vários danos, incluindo a depressão crônica e, em casos extremos, a prática do suicídio como meio de pôr fim ao sofrimento. Cabe lembrar que foram justamente os episódios relacionados com a tentativa ou a prática do suicídio que deflagraram os estudos sobre esta forma de violência, como revelam os estudos desenvolvidos por Olweus (1993, 2006).

Socos, pontapés, empurrões, tapas, intimidações, desprezo, xingamentos, difamações e piadas maldosas são algumas das ações que revelam o aspecto violento inerente a essas práticas. Independentemente do contexto ou de sua reincidência, ninguém questionaria o fato de que tais ações devem ser combatidas e rigorosamente tratadas com repúdio, tendo em vista um clima escolar saudável e contrário às formas de violência e barbárie, conforme destaca Adorno (1995a) em seu escrito Educação e emancipação.

21 “A nationwide campaign against bully/victim problems in Norwegian primary and secondary Junior high

A violência expressa por meio das ações descritas acima é constante no relacionamento humano em geral, sobretudo quando alguém se sente ofendido e responde à ofensa com outra tão ou mais agressiva do que a recebida. Entre os adolescentes, particularmente no contexto escolar, isso pode acontecer por meio de pequenas rivalidades, confrontos e discussões em que um ofende o outro com um desaforo e o que foi objeto da ofensa devolve na mesma moeda. Em muitos casos, tais rivalidades são resolvidas no próprio contexto em que ocorrem, tornando-se circunstanciais; em outros casos, porém, podem assumir uma dimensão mais séria, convertendo-se em uma disputa acirrada e, dessa forma, trazendo consequências mais graves para os envolvidos.

Dessa maneira, os adolescentes que se envolvem em agressões mútuas a fim de resolver suas divergências tendem ou a desenvolver uma rivalidade mútua, afastando-se das relações de amizade e rompendo com estas, ou a esquecer as ofensas e as agressões praticadas, reatando o laço afetivo. Nos dois casos, não haveria dano para nenhum dos lados, uma vez que os conflitos seriam resolvidos a curto prazo e os envolvidos não permaneceriam expostos a agressões em decorrência das ações passadas. Nesse sentido, temos um cenário no qual as formas de agressividade se inscrevem em contextos particulares e momentâneos, sem maiores consequências para os protagonistas envolvidos. E no caso do bullying? Como essa prática vem sendo conceituada, e como diferenciá-la de outras formas de violência? Tendo em vista essas e outras questões, no item a seguir retomaremos o conceito de bullying com a perspectiva de diferenciá-lo da violência propriamente dita, destacando os papéis que cada protagonista assume.