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3 VIOLÊNCIA ESCOLAR, INDISCIPLINA E BULLYING

3.6 Bullying: tipos e relação com a indisciplina

No decorrer deste capítulo, vimos que o bullying pode se manifestar de várias formas, assumir múltiplas características quanto ao tipo ou modalidade: tapas, chutes, pontapés, empurrões, isolamentos, xingamentos, calúnias e difamações. Tendo em vista essa multiplicidade de formas ou tipos, a literatura que estuda o fenômeno considera basicamente três formas nas quais a agressão se manifesta: a forma direta, a indireta e o cyberbullying.

O bullying direto pode ser tanto verbal quanto físico e ocorre quando o alvo é atacado ou agredido diretamente. Fazem parte deste tipo os apelidos cruéis que magoam, causam dor, angústia e sofrimento; as agressões físicas em geral, como tapas, pontapés, empurrões e socos; as diferentes formas de assédio moral, os roubos ou danos aos pertences, as ofensas ou as agressões verbais que causam constrangimento naqueles que sofrem e as ameaças por motivos banais. Ainda de acordo com a literatura, esses atos são cometidos com maior

frequência por estudantes do sexo masculino (Blaya, 2006; Fante, 2015; Olweus, 2006; Prudente, 2015), em uma proporção quatro vezes maior em relação às do sexo feminino.

O bullying indireto compreende as atitudes ou comportamentos que denotam indiferença ou descaso com relação ao alvo e que invadem e mancham a sua reputação, “espalhando boatos negativos e maliciosos a seu respeito. É o tipo mais difícil de identificar, pois dificilmente se pode provar quem iniciou os boatos” (Carpenter & Ferguson, 2011, p. 42). Ademais, há também as atitudes de desprezo, calúnias, difamações e atos que se caracterizam pela exclusão do outro como parte do grupo. Nesse caso, é comum os alvos serem rejeitados em grupos de trabalhos escolares e nunca receberem convites para participar de festas ou eventos dentro ou fora do ambiente escolar.

Além dos tipos citados, temos ainda o cyberbullying. Conforme mencionado anteriormente, este diz respeito ao bullying virtual, praticado com o auxílio da internet ou das mídias digitais, especialmente os celulares. Dada a sua ubiquidade, o seu caráter anônimo e o seu efeito instantâneo, o cyberbullying pode conduzir a vítima a um estado de perturbação permanente (Fante, 2005, 2015; Prudente, 2015), uma vez que esta prática tende a garantir a acessibilidade ao público em geral e o anonimato de quem a executa, o autor, além da impunidade devido ao medo sentido pela vítima de eventuais represálias por parte do agressor. As modalidades mais comuns deste tipo de agressão são os “e-mails, os chats de sala de bate-papo, postagem em websites, mensagem de/ou para um telefone celular (mobile

bullying)” (Prudente, 2015, p. 141).

Essa breve exposição acerca dos tipos ou formas de manifestação do bullying já indica alguns elementos que nos permitem refletir sobre as possíveis relações que estes assumem com a indisciplina. A compreensão dos contextos em que ocorrem as ações de bullying favorece uma intervenção efetiva da instituição escolar nos diferentes casos em que se manifestam, pois um tapa, um xingamento, um apelido dito de forma espontânea e recíproca ou uma brincadeira entre os adolescentes podem significar muitas coisas, entre as quais o

bullying. Por isso, a compreensão do contexto e, sobretudo, das reações que envolvem os

protagonistas, é fundamental para a análise do fenômeno.

É sabido que, para muitos docentes, existe uma certa dificuldade na identificação dos comportamentos que diferenciam, conforme destacamos no capítulo 1, a incivilidade, a indisciplina e a violência. Podemos acrescentar ainda as dificuldades em distinguir as brincadeiras dos atos de constrangimento ou de agressão, característicos do bullying. Nesse sentido, cabe perguntar: quais as principais implicações que as indistinções em torno desses

fenômenos podem trazer para a instituição de ensino e quais as consequências, podem ter na vida dos estudantes?

Se a indisciplina diz respeito às transgressões das normas definidas pela escola, em particular aquelas que permitem a efetivação do trabalho pedagógico (Amado & Freire, 2002; Blaya, 2006; Estrela, 1986, 1992, 2005; Parrat-Dayan, 2011), a violência ou a delinquência se referem a um conjunto de comportamentos que extrapolam o âmbito escolar, uma vez que “transgride a ordem jurídica de uma sociedade” (Estrela, 2005, p. 12).

Dessa forma, com base em outros estudos (Abramovay & Rua, 2002; Blaya, 2006; Charlot, 2002; Debarbieux, 2006), podemos considerar que, entre os atos de indisciplina e os de violência propriamente dita, existe uma variedade de comportamentos que, de um modo geral, transgridem as normas da convivência, sendo assim denominados por alguns autores como “microviolências” (Debarbieux, 2006) ou simplesmente “incivilidades” (Charlot, 2002). Por sua vez, o bullying estaria inteiramente situado no polo da violência, guardadas as suas especificidades e características.

Feitas as considerações acima, podemos concluir que as indistinções entre as questões, tais como as que foram levantadas, podem conduzir a sérios equívocos. Se as agressões verbais ou físicas, atitudes características do bullying, são tomadas e tratadas como indisciplina, dispensando às ocorrências apenas um corretivo contra quem as praticam, como fica a situação de quem sofre as agressões? Como estariam protegidos dos ataques? Enfim, como intervir, por um lado, de forma segura e eficaz na resolução de um problema relacionado às agressões quando este é confundido com brincadeiras ou com atos indisciplinados? Podemos indagar, por outro lado, o mesmo aspecto no que diz respeito às ações de indisciplina. Se tais ações são confundidas ou tratadas como ocorrências de bullying ou de quaisquer outras formas de agressão, de que modo a escola poderia intervir de maneira igualmente eficaz na resolução, na prevenção e na correção dos problemas disciplinares?

Procurando aprofundar e ampliar a análise em torno destas e de outras questões acerca do bullying, voltamos a refletir sobre a formação do indivíduo à luz da teoria crítica. Finalizaremos o capítulo retomando as análises feitas por Horkheimer e Adorno (1973) acerca da autoridade e de sua importância no processo de constituição da personalidade.

No combate ao bullying, assim como no enfrentamento da indisciplina, não existem receitas prontas, mas ingredientes a combinar. O que torna extremamente limitada a possibilidade de erradicar a barbárie, no sentido que Adorno deu à palavra, bem como a indisciplina no meio escolar, são as condições objetivas, sociais, políticas e econômicas contra as quais não há receita infalível ou cem por cento eficaz, uma vez que a formação social

dominante é essencialmente violenta. O que a escola pode e deve fazer é resistir, é refletir sobre suas causas, propondo ações e intervenções preventivas e desenvolvendo mecanismos para evitar que a violência se naturalize como prática comum entre os alunos. É necessário um trabalho contínuo de reflexão voltado para a sensibilização e para a tolerância, tendo em vista uma educação contrária à sociedade unidimensional, nos termos colocados por Marcuse (2015); uma educação a contrapelo, na perspectiva benjaminiana (Benjamin, 1994), ou mesmo uma educação para resistência e voltada à ampliação da experiência e à sensibilidade, conforme sugerem Adorno, (1995a) e Horkheimer (1963).

Adorno (1995a) entende como prioridade, na tarefa educacional, refletir sobre as condições que geram a barbárie e, ao mesmo tempo, a sua aceitação entre os homens ditos civilizados. O autor entende por barbárie:

algo muito simples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo particularmente disforme em relação a sua própria civilização. (p. 155)

Ao meditar sobre o lugar e o sentido que os termos civilização e barbárie assumem no pensamento de Adorno, Cohn (2004) analisa um dos pequenos fragmentos e máximas do livro

Minima Moralia, no qual Adorno apresenta uma reflexão sobre “a dialética do tato”. Para

Cohn, o termo tato pode ser traduzido por civilidade:

Pois é disso que se trata: para além do refinamento, ou do gosto, a civilidade manifesta-se, no texto de Adorno (sobretudo quando lido junto com os demais), como antes de mais nada, respeito ao outro, exercício espontâneo e autônomo da dignidade humana sem imperativo categórico, com bases históricas materiais. (pp. 82-83)

Na mesma chave interpretativa, Cohn (2004) resgata a afirmação de Horkheimer de que “os homens só se tornarão humanos quando deixarem de atormentar os animais . . . isso envolve a questão fundamental da articulação dos direitos universais com as responsabilidades locais” (p. 84). Com relação à responsabilidade, o autor considera que esta, “como instância da civilização representa, sobretudo, a oposição à indiferença. E, com isto, chegamos à questão da barbárie. Pois o que se defende aqui é que a indiferença é a forma contemporânea da barbárie” (p. 84).

Pensar essas questões no horizonte das manifestações de violência em meio escolar implica uma série de questionamentos, dúvidas e interrogações. Nesse sentido, muito se fala, com base em estudos sobre a violência – em particular os que são inspirados em Charlot (2002) e D’Aurea-Tardele & Paula (2009) –, de violência na escola, da escola e à escola.

Acreditamos que essas dimensões da violência têm seus pesos e merecem ser discutidas e compreendidas; entretanto, não devemos esquecer a dimensão social do problema. Ao explicá-lo unicamente por meio de causas internas à instituição, corremos o risco de realizar uma análise parcial ou mesmo abstrata do fenômeno, uma vez que “essa distinção pode atribuir à ‘violência da escola’ uma ausência de relação com a sociedade que não é real, pois o que a escola valoriza ou não, seus objetivos e métodos não são plenamente determinados por ela” (Crochík, 2012, p. 214).

Dessa forma, julgamos que o processo de dominação e exploração que caracteriza o sistema econômico vigente impacta as relações sociais, as formas de sociabilidade, a cultura e, consequentemente, as instituições, incluindo a escola. Horkheimer (1994), criticando o regime capitalista em seu apogeu, apresenta o seguinte diagnóstico:

O sistema capitalista na sua fase atual é a exploração organizada em escala universal. Sua manutenção é condição de sofrimentos infinitos. Na realidade, esta sociedade possui meios humanos e técnicos para suprimir a miséria em sua forma material mais grosseira. Nós não conhecemos nenhuma época onde esta possibilidade tenha existido como atualmente, em tais proporções.33 (p. 32, tradução nossa)

Fica clara, nas colocações do autor, a crítica contundente ao sistema capitalista em sua fase atual e ao seu aspecto contraditório. Horkheimer (1994) acrescenta que a maior dificuldade para a realização de uma sociedade justa e igualitária “é o sistema de propriedade”34 (p. 32), ou seja, o simples fato de uma imensa maioria trabalhar

incansavelmente em benefício “de uma pequena camada de exploradores”35 (p. 32). Esta é

uma das razões que pode explicar ou ajudar a compreender o clima de violência e barbárie que reina nas sociedades contemporâneas, uma vez que: “Toda a economia política oficial, as ciências humanas e a filosofia, a escola, a igreja, a arte e a imprensa consideram como tarefa essencial dissimular, minimizar, deformar ou negar esse monstruoso estado de coisas”36 (p.

32, tradução nossa).

É justamente contrapondo-se aos aspectos apontados por Horkheimer que a escola pode atuar, apesar desses “tempos sombrios” – com a lei da mordaça, a escola sem partido, as perseguições à liberdade de cátedra, a destituição do notório saber, a patrulha anticomunista.

33 “Le système capitaliste dans sa phase actuelle, c’est l’exploitation organisée à l’échelle universelle. Son

maintien détermine des suffrances incommensurables. Cette société possède en réalité les moyens humains et techniques de supprimer la misère dans sa forme matérielle la plus grossière. Nous ne connaissons aucune époque où cette possibilite ait existé comme aujourd’hui, dans de telles proportions.” (p. 32).

34 “C’est le système de la propriété” (p. 32). 35 “D’une petite couche d’exploiteurs” (p. 32).

36 “Toute l’économié politique officielle, les sciences humaines et la philosophie, l’école, l’Eglise, l’art et la

presse considèrent comme tâche essentielle de dissimuler, de minimiser, de deformer ou de nier ce monstrueux état de fait.” (p. 32).

Adotando a resistência como uma das formas de luta, a instituição escolar estaria efetivamente desvelando as formas dissimuladas de compreensão social e promovendo condições para consolidar o pensamento crítico e reflexivo. Educar na ética, promover a reflexão e a autorreflexão, bem como adotar mecanismos que permitam aos alunos resistirem às formas contemporâneas de barbárie, são ações que cabem à escola promover.

O trabalho de conscientização e de intervenção escolar no combate ao bullying é essencial. A intervenção exige, muitas vezes, esforço por parte da instituição no sentido de interpretar os sinais deixados pelos protagonistas deste tipo de violência. Se, do lado das vítimas, o silêncio pode ser praticado em razão do medo e das ameaças que sofrem, do lado do agressor, tratar-se-ia do silêncio desdenhoso e cúmplice da violência, embora, em alguns casos, atos ou atitudes de violência possam assumir diferentes configurações, sendo uma delas a própria dinâmica da formação de grupos.

Não esqueçamos os mecanismos de identificação tão bem descritos por Adorno (1995a) para compreender, entre outras questões, não apenas a formação do eu, mas também os fenômenos de massa, a formação de grupo e o papel do líder como objeto de imitação. Trata-se, portanto, de um processo de desindividualização ou de enfraquecimento do sujeito, que abdica de seu pensamento para aderir aos imperativos do grupo, personificados no líder. Nomeado de “identificação mimética”, este fenômeno destaca-se, por um lado, como “fundamental nas modernas democracias de massa. Por meio da indústria cultural, os indivíduos se identificam mimeticamente com os atores e atrizes populares, e através deles com o sistema social como um todo” (Rouanet, 2010b, p. 14). Por outro lado, é bom ressaltar, como nos lembra Crochík (2005) ao refletir sobre o ensaio “Educação após Auschwitz”, que “se no nazismo houvesse identificação entre algoz e vítima, não haveria nem um, nem outro” (p. 25).

É objetivo da educação escolar, portanto, colocar como um dos propósitos de sua ação, por um lado, a crítica ao existente e, por outro, a denúncia aos mecanismos de desumanização que atingem os indivíduos. Com relação ao primeiro elemento, Adorno (1993) constata que “o traço característico desta época é que nenhum ser humano, sem exceção, é capaz de determinar sua vida num sentido até certo ponto transparente, tal como se dava antigamente na avaliação das relações de mercado” (p. 31). Com relação ao processo de desumanização que gera o individualismo, cuja base é a frieza, o autor observa que “a atomização não está em progresso apenas entre os seres humanos, mas também no interior de cada indivíduo, entre as esferas de sua vida” (p. 114).

Dado o processo de dessubjetivação, desumanização e indiferença, a relação do indivíduo com o outro e consigo mesmo entra em curto-circuito e produz, frequentemente, indesejáveis efeitos colaterais. Um desses efeitos são as atitudes preconceituosas e racistas que se manifestam, no caso do bullying, por meio dos xingamentos, das ofensas morais, dos apelidos e de outras atitudes denominadas agressões verbais. O mais grave nessas atitudes é que estas tendem a ser tomadas como um mal menor, até mesmo como “brincadeiras”, como se verifica frequentemente no bullying. Nesse caso, indagamos se não seria um equívoco perigoso preterir as agressões verbais em comparação às agressões físicas, pois não se trata de compará-las, uma vez que cada ato contra o semelhante é único e intransferível, e ninguém será capaz de se colocar no lugar do outro para, efetivamente, descrever a intensidade e a dimensão de sua dor.

Não seria exagero afirmar que, em uma sociedade altamente competitiva, que valoriza o desempenho, a performance e a força como critérios de seleção, a eleição do mais fraco como alvo ou objeto de dominação é a regra. Sem dúvida, a agressão ao mais fraco é algo que acompanha a nossa história, em particular sob a lógica do modo de produção capitalista, inscrevendo na consciência dos homens o mesmo zelo com que o “darwinismo social” fez do individualismo o sentido da vida. Nesse sentido, Rouanet (2010a) escreve:

O darwinismo gerou o chamado darwinismo social, que enfatizava o individualismo e a competição extremada e advogava o laissez-faire, opondo-se à intervenção do Estado. Os capitalistas mais competentes tinham um “diferencial” com relação aos outros, e essa vantagem relativa fazia com que fossem favorecidos pela seleção natural, agindo através do mercado. (p. 382)

Fica claro na citação acima que um dos aspectos essenciais da sociedade capitalista é, de fato, a competição. Se o princípio que rege a competição é a guerra de todos contra todos, uma sociedade ancorada nele só conhece o individualismo. Dessa forma, Horkheimer (2000), em seu ensaio “Atualidade de Schopenhauer” mostra, com o episódio da fuga de jovens do Leste Europeu para o mundo ocidental, como a felicidade foi substituída pela tristeza, uma vez que, conforme ele conclui, no liberalismo econômico a solidariedade não tem lugar:

A estrutura implacável da eternidade poderia gerar a comunhão dos desamparados, do mesmo modo que a injustiça e o terror na sociedade geram como consequência a solidariedade dos que opõem resistência. Os jovens foragidos do Leste, que nos primeiros meses são felizes, porque reina a liberdade, finalmente se tornam tristes, porque não existe amizade, têm experiência do que digo. Com o terror, pelo qual se uniram para opor resistência, desaparece também a felicidade37. (p. 56, tradução nossa)

37 “La estructura inmisericorde de la eternidad podría generar la comunión de los desamparados, del mismo

modo que la injusticia y el terror em la sociedad generan como consecuencia la solidariedade de los que oponen resistência. Los jovens huidos del Este, que en los primeros meses son felices porque reina la liberdad, pero finalmente se vuelven tristes porque no hay amistad, tienen experiência de lo que digo. Con el terror, por el que se unieron para oponerle resistência, desaparece también la felicidad.” (p. 57).

Com isso, depreendemos que um modelo de sociedade que prioriza a competição é pouco propício às formas de convivência, tais como as que se baseiam na amizade, no respeito e na solidariedade. Esse modelo torna-se refratário às formas de solidariedade, cooperação e responsabilidade com relação ao outro. Conforme já destacamos, a questão da responsabilidade dirigida à alteridade torna-se, no contexto da sociedade de massas – com o advento das mídias digitais, ou das redes sociais, com que a maior parte de adolescentes se comunica –, um aspecto que merece ser melhor explorado. São múltiplas e frequentes as manifestações de preconceito, violência, descaso, agressão ou mesmo de bullying praticadas no mundo virtual, onde a presença do outro é deletável e está sujeita a um mero clique.

Em todo caso, quem acaba sofrendo o efeito indesejável destas e de outras ações violentas são, geralmente, os adolescentes mais frágeis, menos capazes de se defender. Como sabemos, o atributo fraqueza consta nas definições ou caracterizações do bullying, indicando tratar-se de uma relação na qual o mais forte tende a submeter e dominar o mais fraco. Mais uma vez, o que se destaca nessas formas de comportamento é a apologia à força, isto é, a primazia do mais forte em relação ao mais fraco justifica a destruição deste por aquele.

Adorno (1993), no aforismo 123 de Minima Moralia, reconhece em certas atitudes, tais como a que presenciou em sua infância, quando um de seus colegas de classe teria sido atacado por outros, traços que caracterizam justamente aqueles que empregam a força, valendo-se da violência contra os mais frágeis ou indefesos. O autor escreve:

A irrupção do terceiro Reich surpreendeu, decerto, meu juízo político, mas não minha predisposição inconsciente ao medo, todos os temas da catástrofe permanente tinham-me roçado tão de perto, os sinais de advertência do despertar da Alemanha tinham-me marcado de uma forma tão indelével, que fui capaz de identificar cada um deles nos traços da ditadura de Hitler: e, no meu horror tolo, com frequência eu tinha a impressão de que o Estado total havia sido inventado especialmente contra mim, para fazer-me sofrer aquilo de que na minha infância – a pré-história dele – eu havia sido dispensado até segunda ordem. Os cinco patriotas que se precipitaram sobre o único colega, espancando-o, e que o difamaram como traidor da classe quando ele se queixou ao professor – não são eles os mesmos que torturaram prisioneiros para desmentir os que, no exterior, diziam que se torturaram prisioneiros? (p. 169)

Comentando a citação acima, Crochík et al. (2014) sublinham que, se por acaso fosse coerente denominarmos de bullying situações como “a descrita por Adorno, então, esse fenômeno não deveria nos preocupar somente pela violência mediata ou imediatamente gerada sobre a vítima ou sobre a possível ‘vingança’” (p. 116). Além disso, os autores consideram inócua a atitude de responsabilizar apenas a escola ou a família pela ocorrência do

bullying, e salientam que “a preocupação deveria também se voltar para a sociedade que

De acordo com essas considerações, é possível indicar como tendência a eleição do fraco como o principal alvo de agressões, especialmente do bullying. Conforme já analisamos,