• Nenhum resultado encontrado

5 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

5.2 Josias Gomes: um colégio de periferia para a classe média baixa

A entrada no Colégio Josias Gomes foi bem mais difícil do que na escola Bento II devido aos entraves burocráticos e às restrições impostas pela direção. A instituição aceitou participar da pesquisa contanto que o pesquisador deixasse expressamente claros os objetivos, a natureza do trabalho e, sobretudo, que seria resguardada a identidade dos participantes, como professores, alunos e direção, além da própria instituição. O colégio ainda ressaltou que não permitiria a realização de fotos dos alunos ou quaisquer outros mecanismos que pudessem identificá-los, como citação de nomes. Observamos, nesse sentido, grande preocupação no que diz respeito ao sigilo e certo receio por causa da temática estudada.

O Colégio Josias Gomes atende a população que reside em Barcelona, local onde se situa, ou em bairros próximos. O público estudantil é constituído predominantemente por famílias de classe média baixa, com pais atuando no pequeno comércio ou no setor de serviços, como empregados ou autônomos, e trabalhadores assalariados, como professores, comerciários, empregados em lojas, salões de beleza etc. Com efeito, trata-se de um colégio particular tipicamente de periferia, pouco concorrido e com mensalidade inferior aos dos grandes colégios de bairros centrais. No entanto, o colégio possui boa infraestrutura, pois nele funcionam a Educação Infantil, o Ensino Fundamental I, o Ensino Fundamental II do 6º ao 9º ano, o Ensino Médio, a Educação Técnica de Nível Médio e a Educação Profissional Técnica. Em outras palavras, praticamente todos os níveis de ensino da pré-escola ao ensino médio são oferecidos. Além desses cursos, a instituição firmou parceria com algumas universidades a fim de que alguns espaços ou salas fossem alocados para servir ao ensino superior.

Para chegar ao Colégio Josias Gomes utilizando o transporte público, é necessário, para quem vem de outros bairros, tomar um coletivo e descer na esquina do colégio, em uma das principais e movimentadas avenidas do bairro. Caso o visitante, funcionário ou aluno, resida em Vitória ou em outro bairro mais distante, há a necessidade de tomar um ônibus até o terminal, fazer baldeação, percorrendo aproximadamente mais cinco quilômetros até a instituição.

A entrada no colégio é feita pelo estacionamento, que dá acesso à secretaria, mas, para adentrar a instituição, é necessário identificar-se e justificar o motivo da visita. Dada a permissão, uma das funcionárias abre o portão automático e acompanha o visitante até o setor de interesse. Percebe-se que as medidas de segurança adotadas pela instituição são similares às de outras instituições do mesmo porte, embora o acesso ao estacionamento e à secretaria seja relativamente livre, uma vez que não constatamos a presença de uma guarita ou de um

guarda uniformizado. Entretanto, sem identificar-se na secretaria, o acesso ao interior do prédio é dificultado pela presença de uma funcionária encarregada da entrada e da saída de pessoas. O prédio é constituído de três pavimentos com salas de aula de várias dimensões, laboratórios, sala de jogos e sala de vídeo, tudo muito limpo e aparentemente organizado. O atendimento por parte dos funcionários do colégio foi cordial e atencioso, pois alguns já sabiam ou estavam informados de que minha presença tinha por finalidade a realização de uma pesquisa sobre indisciplina e violência.

5.3 Bento II: uma escola de periferia para o segmento popular

Diferentemente do Colégio Josias Gomes, a escola pública Bento II, localizada na periferia da Serra, no bairro Jardim Carapina, apresenta aspectos visivelmente determinados pela carência. Segundo o relato dos funcionários - corpo docente, direção e coordenação -, o local teria sido fruto de “invasão”, ou, como alguns denominam, “ocupação destinada ao uso para moradia”. Com uma área de 92 hectares, o local ainda sofre um processo de urbanização, de forma desordenada e desassistida, sobretudo por parte dos órgãos governamentais.

Diferentemente de Barcelona, Jardim Carapina possui inúmeros barracos que foram construídos em área de mangue, fato que, segundo os entrevistados, contribuiu para a deterioração do meio ambiente. De acordo com as informações colhidas no Projeto Político Pedagógico (PPP) e nas entrevistas com os gestores, apesar de instalados em uma área “invadida” e em fase de urbanização, os comerciantes de Jardim Carapina, na Serra, apostam no crescimento do bairro e garantem que a concorrência vem favorecendo esse desenvolvimento. A proximidade tanto de Vitória quanto de Carapina, na Serra, e as próprias alterações pelas quais o bairro tem passado, são apontadas como fatores fundamentais para o seu desenvolvimento. A base da economia é o comércio constituído sobretudo por lojas de material de construção, que se multiplicam, e por mercearias localizadas às margens da avenida Porto Seguro, a principal do local. Um pequeno comércio (serviços gerais, borracharia, pequenas lojas, padaria etc.) se concentra em alguns pontos do bairro, mas neste predominam as casas residenciais, a maioria com aspecto inacabado.

Embora a chegada ao bairro seja de fácil acesso, em particular para quem se desloca de Vitória ou mesmo de outros bairros da região, o local é visivelmente marcado pela ausência de infraestrutura: poucas ruas asfaltadas, à exceção da avenida principal, e saneamento básico deficiente, aspecto que diz respeito ao abastecimento de água, ao manejo

de água pluvial, à limpeza urbana. Além disso, a comunidade também carece de praças, locais para o lazer, a cultura e demais benefícios, incluindo a assistência à saúde.

A escola pública Bento II fica no centro desse bairro de construções inacabadas, casas simples de tijolo à vista e ruas estreitas. A chegada à escola assusta mais pelas histórias narradas do que propriamente em função do local onde se situa, uma vez que ouvimos inúmeros relatos de chacinas que periodicamente ocorrem no bairro ou mesmo no entorno da própria escola. Na semana em que estávamos realizando a pesquisa, inclusive, um jovem havia sido assassinado com vários tiros, fato ocorrido nas imediações da escola e que, segundo relato de professores e da direção, era algo um tanto corriqueiro na vida dos moradores daquele lugar. De acordo com os depoimentos da direção e da coordenação, várias ações dessa natureza são cometidas por ex-alunos, muitos evadidos da escola.

A entrada na instituição segue mais ou menos o mesmo padrão do colégio Josias Gomes. No caso da escola pública, existem duas entradas: uma para professores, no estacionamento, e outra para alunos e público em geral. Também é preciso identificar-se para ter acesso ao interior do prédio. Este é constituído por dois pavimentos: no inferior ficam a secretaria, a diretoria, a sala de coordenação e dos professores, o pátio de recreio, uma quadra de esporte coberta para a realização das aulas de educação física, a cozinha e o refeitório. No pavimento superior funcionam as salas de aulas. Quanto ao aspecto físico, ligado à conservação e à estrutura do prédio, a escola tende a acompanhar o padrão das demais escolas públicas brasileiras, com espaços deteriorados e algumas pichações nas paredes.

Portanto, o que se destacou de forma visivel aos olhos do observador, além das diferenças já apontadas entre as duas instituições, foi, justamente, a diferença entre os dois cenários. No colégio Josias Gomes, quer no decorrer das entrevistas, quer nas conversas informais com professores, ficou evidente que a violência não atinge de forma direta a vida dos estudantes. Nos depoimentos dos professores, da direção e da coordenação, não foram relatados casos ou episódios de violência externa ao colégio que representassem quaisquer impactos na vida dos alunos. A violência que, eventualmente, atinge os alunos do colégio Josias Gomes é a mesma que qualquer cidadão enfrenta atualmente nos centros urbanos.

Por outro lado, na escola pública, a violência no bairro e nas imediações da escola foi constantemente tematizada pelos professores, pela coordenação e pela direção. Embora essa violência não atinja de modo direto e frequente o espaço escolar, seu impacto e ação pode, segundo os funcionários, sentir-se de forma dramática e indireta, em particular pelo número considerável de alunos e de ex-alunos que deixam a instituição ou mudam de bairro por

sofrerem ameaças, ou mesmo que já foram assassinados por causa do envolvimento no tráfico de drogas.

É nesses dois cenários que procuramos compreender o modo como se manifestam as ações de indisciplina e de bullying, caracterizando-nas quanto à frequência, à ocorrência, à maneira como os alunos sofrem suas consequências e à forma como agem, pensam e enfrentam o problema da agressão entre pares. Da mesma forma, procuramos compreender o modo como professores, direção e coordenação compreendem e sofrem essa problemática, intervindo nela.

5.4 Colégio Josias Gomes: a comunidade escolar

Os estudantes que frequentam este colégio se situam na faixa etária de 3 a 17 anos e são alunos que não apresentam distorção idade/série. Conforme registro no Projeto Político Pedagógico (PPP), muitos alunos do Ensino Médio já trabalham e alguns atuam como estagiários; entretanto, a maior parte dedica-se aos estudos. Como já vimos, as famílias dos alunos possuem renda razoável, pois muitos pais são funcionários públicos, trabalhadores do comércio, pequenos empresários, empregados em empreiteiras e na construção civil. Segundo consta no PPP, muitos pais lutam, com dificuldade, para manterem seus filhos no colégio, uma vez que acreditam no bom desempenho deles.

O quadro do pessoal técnico, pedagógico e administrativo é composto por uma diretora pedagógica, uma pedagoga, uma secretária e auxiliares de secretaria. A quantidade de profissionais docentes oscila a cada ano, conforme o número de turmas. Todos os profissionais são devidamente habilitados para o desempenho de suas respectivas funções, e o cotidiano escolar dificilmente é desestruturado por questões técnicas ou administrativas, como faltas de profissionais, ausência de professores, ou por quaisquer outros motivos relacionados com o problema da violência. O único problema relatado pelos gestores, como veremos nas entrevistas, é a elevada rotatividade de docentes.

O colégio dispõe de ampla infraestrutura para o seu pleno funcionamento. Além dos recursos técnicos didáticos e pedagógicos essenciais, ele possui quadra poliesportiva ampla e bem estruturada para a realização de diversas modalidades esportivas, além de piscina adulta e infantil para a prática de natação. Há também uma sala de informática com computadores individuais e um professor capacitado para auxiliar os alunos, uma biblioteca com amplo acervo de livros, enciclopédias e coleções, um laboratório de Ciências bem equipado, com diversos recursos didáticos. O colégio dispõe, ainda, de um parquinho ao ar livre, de

brinquedoteca e de uma área verde reservada ao descanso e a atividades ao ar livre, denominada bosque.