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1.3 Justificativas para adoção das PPPs – rationale

1.3.2 PPP e ganhos de eficiência

1.3.2.2 Bundling e incentivos: união das fases de design, construção e

Conforme mencionado anteriormente, faz parte da definição de PPP, a decisão do setor público em adquirir serviços e não somente ativos, o que leva à

“união” das fases de construção e operação dos ativos sob uma mesma empresa. A essa união deu-se nome de bundling22.

Existe uma importante ligação entre as etapas de construção e operação de um projeto de infra-estrutura. Sobre esse aspecto, Dewatripont e Legros (2005, p. 124) ilustram: uma infra-estrutura produzida com alta qualidade pode levar a dois resultados diferentes, fazer com que sua manutenção seja tecnicamente complexa e cara, requerendo trabalhadores especializados, ou pode reduzir os custos de manutenção, por diminuir a probabilidade de ocorrência de falhas. Por outro lado, ressaltam, uma ponte construída com materiais de baixa qualidade, teria o risco de entrar em colapso aumentado durante uma tempestade. Ou seja, a fase de construção determina a qualidade da infra-estrutura que, por sua vez, influencia positiva ou negativamente os custos de manutenção e operação dos serviços.

Os autores argumentam que, a menos que o agente responsável pela construção dos ativos seja induzido a internalizar possíveis externalidades referentes à fase de operação dos serviços, surgirão ineficiências. Nesse contexto, as ineficiências surgem devido a duas falhas de mercado, quais sejam: contratos incompletos e risco moral.

No primeiro caso, trata-se do fato de os contratos, na vida real, serem incompletos, isto é, não conseguem prever todas as circunstâncias inerentes ao sucesso ou fracasso do projeto23. Segundo Välilä (2005, p. 102), as PPP são especialmente propensas a falhas de contrato, pois são criadas para a provisão de serviços, os quais, por sua vez, costumam ser difíceis de medir e monitorar, além de serem contratos de longo prazo, o que os fazem significativamente suscetíveis à incerteza.

O risco moral, também conhecido como ação oculta, trata-se de uma falha de mercado relacionada à assimetria de informação. Ocorre quando um agente não consegue observar, sem incorrer em grandes custos, todas as ações de outro agente, que afetem sua curva de utilidade24. Contratualmente, o risco moral é fruto

22 A tradução para o termo bundling poderia ser “empacotamento”, mas por falta de uma tradução melhor, que sintetize seu significado, usaremos o termo original, em inglês, para descrever a junção das diversas etapas do projeto (design, financiamento, construção e operação) sob uma mesma entidade.

23 Hart (2002, p. 5) explica que um contrato é incompleto no sentido de que o agente pode mudar a natureza de um ativo ou dos serviços prestados por ele em diversas formas, sem, contudo, violar as cláusulas do contrato. 24 Segundo definição de Salanié (1997), citado em Kee e Forrer (2000, p. 15), o risco moral ocorre quando o agente toma uma decisão ou ação que afeta a sua curva de utilidade ou bem-estar e a do Principal, sendo que o

de comportamentos oportunistas posteriores à elaboração do contrato, podendo decorrer também de um comportamento imprevisto ao longo da execução do contrato. Nesse caso, a assimetria de informação não está relacionada a características desconhecidas dos agentes, mas a um comportamento oportunista, escondido e não conhecido da outra parte do contrato, no momento de sua elaboração (PINTO JUNIOR; PIRES, 2000, p. 6).

Assim, através da aquisição pública tradicional, caracterizada pela separação das fases de construção e operação, o construtor pode agir em seu próprio benefício, alterando a natureza do ativo, sem, contudo, violar o contrato. Por exemplo, construindo o ativo de forma mais barata possível, mesmo que isso gere custos de manutenção mais elevados na fase de operação. Observe que os efeitos negativos gerados pelas decisões dos construtores podem não ser diretamente observáveis. Para exemplificar, pode-se apontar que um construtor tem conhecimento sobre uma tecnologia que, se utilizada na fase de construção, poderá diminuir os custos de manutenção e operação. Considere também que devido à assimetria de informações, ou seja, o construtor conhece muito mais sobre construção do que o agente público que o contratou, não foi possível incluir no contrato o uso dessa tecnologia para construção do ativo. Assim, o construtor deverá ser provido de incentivos para agir de forma a melhorar as condições de manutenção e operação do ativo.

A literatura25 tem sido unânime em afirmar que o bundling é capaz de gerar esses incentivos, pois cria um interesse de longo prazo sobre o projeto. Ou seja, a fase de construção é pensada com base no retorno esperado durante a vida útil do ativo, representado, em grande parte, pela fase de operação, promovendo uma busca por ganhos de eficiência produtiva já na fase de construção do projeto (internalização de custos).

Por outro lado, conforme discutido no item anterior, a busca por ganhos de eficiência pode comprometer a qualidade dos serviços prestados. Segundo modelo utilizado por Hart (2002, p. 10), o construtor poderá fazer dois investimentos não previstos em contratos (non-contractible) que resultem na mesma redução de custo Principal apenas consegue observar o resultado dessa ação (não a ação em si), além disso as ações escolhidas pelo agente não são eficientes (pelo menos do ponto de vista do Principal).

de operação: o investimento (e), capaz de gerar não somente redução de custo como também de melhorar a qualidade dos serviços, e o investimento (i), que, por sua vez, proporciona redução de custos, mas compromete a qualidade dos serviços prestados26. Posto isso, é fácil inferir que dentre as duas opções de investimentos, o construtor escolherá aquela que tenha o menor custo de implementação, o que poderá ocasionar em perdas na qualidade dos serviços prestados, de forma não prevista em contrato (se e > i).

O exercício realizado por Hart (2002, p. 10) chegou a uma importante conclusão. Segundo o autor, a provisão pública tradicional (“unbundling”) é mais apropriada quando a qualidade dos ativos pode ser bem especificada no contrato inicial, enquanto que a qualidade dos serviços não. Sob essas circunstâncias, um subinvestimento em e não é muito relevante, para um bom desempenho do ativo. Em contraste, as PPPs (“bundling”) são mais apropriadas quando a qualidade dos

serviços pode ser bem especificada (ou, ainda, se existirem meios de medir a

performance do provedor, de modo a recompensá-lo ou penalizá-lo pelos resultados atingidos), enquanto que a qualidade da construção não. Sob essas condições, um superinvestimento em i não é muito preocupante, já que a qualidade dos serviços está definida da forma mais completa possível.

Enfim, o bundling é uma importante fonte de VFM das PPPs. No entanto, assim como na questão da propriedade privada, a busca por ganhos de eficiência pode se dar por meio da redução da qualidade na prestação dos serviços, o que torna a capacidade do parceiro público em especificar a qualidade dos serviços e impor metas ao contratado essencial para que o bundling atue de forma a, de fato, proporcionar VFM ao projeto.

26 Segundo exemplo de Dewatripont e Legros (2005, p. 126):

For instance, in the bridge example, (e) can be the use of a new technologie that reduces the stress on the beams, which is socially valuable since it lowers the frequencey of repairs and, thus, of traffic interruptions; (i) can be the use of a design with fewer traffic lanes, which lowers the cost of cleaning, paiting, and maintaining the bridge but increases traffic congestion.