• Nenhum resultado encontrado

O interesse econômico da Coroa portuguesa por Sergipe del Rey pode ser evidenciado através das intenções pelas buscas de metais preciosos. Acreditando na possibilidade de encontrar minas de prata e salvar a economia metropolitana, o rei português estabeleceu estratégias para melhor explorar o solo sergipano e controlou as informações acerca das rotas e localizações, pois a possível existência de metais fora notada pelos cronistas desde o século anterior, especificamente muito antes do momento da conquista do território.

No entanto, é importante observar que essas informações não foram alarmadas pelos portugueses, pois a Coroa, ciente da possível existência de riquezas minerais de alto valor em suas colônias e adotando uma política de sigilo de Estado, outorgou o Alvará de 11 de novembro de 1623, proibindo a impressão e venda de livros fora do reino de Portugal sem a autorização da Mesa de Desembargo do Paço, e os que ao contrario fizerem, “perderão os ditos livros, e incorrerão em penas de cem cruzados, a metade para os captivos, e a outra para o acusador, e dous annos de degredo para Africa”.65

Nesse sentido, obras que continham informações acerca de riquezas minerais em seus domínios tinham circulação vetada. Desse modo, o que se sabia acerca das possibilidades mineralógicas foi divulgado por aventureiros e viajantes de outras nações europeias.

Um exemplo forte do controle de informação exercido pela metrópole para a capitania e a colônia, de um modo geral, foi a obra Cultura e Opulência do Brasil por

suas drogas e minas, escrito entre o período de 1693 a 1709, de autoria do pseudônimo

Antonil, cuja verdadeira identidade era do jesuíta italiano João Antônio Andreoni. Este religioso foi por duas vezes reitor do Colégio da Bahia e membro do grupo pessoal do arcebispo primaz do Brasil, Dom Sebastião Monteiro da Vide e confessor dos governadores gerais. Seu livro foi censurado pelo Conselho Ultramarino e apreendido

65

ALVARÁ de 16 de novembro de

1623.http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=96&id_obra=63&pagina=572. Acessado em 30/05/2014.

46

por expor os caminhos das minas de ouro descobertas e outras para se descobrir, pois, de acordo com o cronista, “sempre foi fama constante que no Brasil havia minas de ferro, ouro e prata”.66

Informações alardeadas como essas, sobre as potencialidades do Brasil, suscitariam a ganância das nações estrangeiras da época e colocaria em risco a colônia, da qual dependia a conservação do reino e toda monarquia de Portugal.67 Ao elencar os lugares ricos em minério, Antonil não poupou detalhes informando que, nas

serradas Colunas, quarenta léguas além da vila de Itu, que é uma das de São Paulo ao leste direito, há certamente muita prata, e fina. Na serra de Sarabuçu também a há. Da serra se Guarumé, defronte do Ceará, tiraram os holandeses quantidade dela, no tempo em que estavam de posse de Pernambuco. E, na serra de Itabaiana, há tradição que achou prata o avô do capitão Belchior da Fonseca Dória.68

Na citação acima, pode-se perceber o quanto o autor exalta a fama de existência de metais preciosos no Brasil, informando as localizações de minas, como fez se referindo à serra de Itabaiana, distrito da capitania de Sergipe del Rey. Essa atitude de explanação de riquezas em subsolo poderia chamar a atenção e agir como atrativo para outros povos europeus, colocando em risco os domínios metropolitanos sobre suas respectivas colônias e suscitar possíveis invasões motivadas por interesses econômicos. Desse modo, era fundamental manter em segredo informações sobre minérios e rotas, tratando-as como assunto de Estado.69

O controle sobre informações acerca de metais preciosos determinado pela Coroa portuguesa para a capitania era reflexo dos objetivos mercantilistas da época em acumular metal precioso e esconder as informações às nações rivais, uma vez que Sergipe del Rey fora alvo de busca de metais preciosos nas décadas iniciais do seiscentos, tendo como maior expoente nessa aventura Belchior Dias Moreia, como informou Barleus. Segundo este mesmo autor, há indicação de localização de minas de prata no mapa elaborado pelos soldados holandeses. Nos relatos do cronista batavo Joannes de Laet, que esteve presente na guerra holandesa no nordeste açucareiro, pode-

66

SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América Portuguesa do século XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 84.

67

Idem. p. 84-85.

68

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. 3 ed. Belo horizonte, São Paulo: Ed. Itatiaia/ Ed. Universidade de São Paulo, 1982. p. 163. Destaques nossos.

69

Laura de Melllo e Sousa afirma que na Espanha o rei Felipe II, através do Conselho das Índias, tinha o controle sobre informações referentes a questões de metais precisos. O sol e a sombra. Op. Cit. p. 85.

47

se asseverar a preocupação com metal quando diz que “muitas vacas e há quem escreva que se encontraram no interior das terras veios de prata.”70

A ação da metrópole portuguesa em encontrar o metal argentífero na capitania sergipana foi intensificada do ponto de vista legal a partir do Alvará de 1670, através do qual o rei concedeu a Dom Rodrigo de Castelo Branco a propriedade dos ofícios de administrador e provedor geral das minas de prata da Itabaiana, cuja função residia em fazer trabalhos de prospecção e administrar as minas.71 Para essa tarefa, o próprio monarca fez a nomeação, pois configurava um importante negócio de Estado. Quando o provedor das minas veio para a capitania, o rei já tinha conhecimento dos exemplares de minérios extraídos na localidade. Além de ser provido pelo Alvará, consta que o beneficiado veio para Sergipe com um regimento com a finalidade de “entabolar estas minas pelos grandes lucros que prometem”; por ser “estrangeiro, tanto de meu serviço, e que para se por naquela forma que convem ser conveniente haver pessoa pratica, e de inteligencia destas minas.”72 Essa situação animava a Coroa. A crença da presença de metal em solo sergipano passou a ser vista como uma das tábuas de salvação para as finanças da metrópole.

O Regimento de dom Rodrigo de Castelo Branco foi doado em 1673. Tal documento dava amplos poderes para que se realizassem os trabalhos de “entabolamento” ou escavações no distrito de Itabaiana. De acordo com as informações da fonte, consta que o provedor das minas saiu de Lisboa, aportou na Bahia, de onde recebeu mais orientações, e depois se estabeleceu em Sergipe del Rey.73

Para executar as escavações das minas, Dom Rodrigo de Castelo Branco recebeu dos cofres da Fazenda Real um adiantamento de mil cruzados, que serviu para custear as despesas iniciais como a compra de material e pagamento dos serviços dos trabalhadores nas atividades mineradoras. Depois foram autorizados até três mil

70

LAET, Joannes de. Novo Orbis seu Descriptionnis indiae Occidentalis XVIII-( Livro XV). Tradução de Abner chiquieri, Nelson Papavero e Dante Martins Teixeira. Rio de Janeiro: Edur/UFRRJ, 2011. p. 175. Destaques nossos.

71

REGISTRO de um Alvará por que sua majestade faz mercê a Dom Rodrigo de Castel Branco da Propriedade dos officios de administrador, e Provedor Geral das Minas de prata da Itabayana. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Vol. XXV. 28/06/1673. pp. 258-263. Daqui pra frente documentos deste acervo serão abreviados para DHBN.

72

REGISTRO de um Alvará por que sua Alteza faz mercê a dom Rodrigo de Castel Branco da Propriedade dos officios de administrador, e Provedor Geral das Minas de prata da Itabayana em 24/12/1673. DHBN. Vol. XXV. p. 258.

73

REGIMENTO de Sua Alteza que trouxe dom Rodrigo de Castelo Branco para o entabolamento das minas de Tabaiana deste Estado do Brasil. DHBN. Vol. LXXIX. 28/06/1673. p. 151.

48

cruzados, cuja origem seria proveniente do imposto arrecadado com a pesca da baleia na Bahia, e mais quinhentos arrateis de azougue.74

Ainda segundo o Regimento dado a Castelo Branco, o rei determinava que os trabalhos de averiguações nas minas de prata do distrito de Itabaiana tinham que se “valer dos indios e mais gentios domesticos do de meus vassalos e das aldeias de minha administração.”75

Caso precisasse de mais mão de obra, deveria recorrer aos “indios não domesticados”, ou seja, aqueles considerados bravos, que seriam convencidos a trabalharem nas minas. As atividades seriam pagas, não se consentindo maus tratos ou “vexações alguma, antes que pontualmente se lhes assista com seus pagamentos.”76

O recurso da mão de obra indígena nos trabalhos das minas não seria mera coincidência, pois esses povos tinham conhecimento do território e das rotas por onde, provavelmente, os aventureiros trilharam em busca do metal. Ao que tudo indica, o recurso supria uma necessidade de trabalhadores, uma vez que o africano era escasso na capitania sergipana nesse momento. A remuneração pelos trabalhos também atendia a uma legislação que determinava a utilização da mão de obra dos povos indígenas na América portuguesa.

As minas de Itabaiana teriam proteção especial, pois seriam guarnecidas por uma infantaria do exército regular português, paga pela folha da Fazenda Real, da capitania da Bahia.77 Essa proteção consistia em guarnecer os sítios de possíveis ataques indígenas, invasores europeus e de forasteiros.78 Na verdade, esse corpo militar era um sistema que garantia exclusividade da exploração por parte da Coroa portuguesa, proibindo, assim, que algo colocasse em perigo o projeto de extração de minério na capitania.

De acordo com a Instrução que Dom Rodrigo de Castelo Branco recebeu, a equipe de exploradores era composta por tesoureiro, um contador e um escrivão. O

74

Idem. p. 151-152. Segundo o dicionário de Bluteu, arrateis é um peso com dezesseis onças. O azougue era um semimetal fluido branco como prata derretida que se junta sempre em globozinho: mesmo que mercúrio. Na verdade era instrumento com líquido para separar a prata de outros elementos. BLUTEAU, Rafael. Diccionário da Lingua Portugueza composto pelo padre Rafael Bluteau reformado e

accrescentado por Antônio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro. Tomo I, A-J. Lisboa: Oficcina de

Simão Thaddeo Ferreira, 1789. p. 116; 155.

75

Regimento de sua alteza que trouxe dom Rodrigo de Castelo Branco. Doc. Cit. p. 152.

76

Idem. p. 153.

77

Nessa época, a legislação determinava que o pagamentos e sustento das tropas pagas seria de responsabilidade das câmaras locais da América Portuguesa. Esse assunto será tratado no capítulo sobre a militarização da capitania.

78

49

mesmo documento estabelecia funções diferenciadas para cada um desses oficiais.79 Os salários eram diferenciados e pagos de acordo com o grau de importância.

Quadro 02

Demonstrativo de salários dos exploradores da prata em Sergipe del Rey na década de 1680

Nome Salário

Dom Rodrigo de Castelo Branco Trinta mil reis Capitão Jorge Soares de Macedo Dezesseis mil reis

João Vieira de Moraes Oito mil reis, enquanto não entrar na capitania

Bento Surrel Oito mil reis

Sebastião Lopes Grandio Seis mil reis

Manuel Gomes Cardozo Cinco mil reis

Fonte: OUTRA Provisão por que sua Alteza ha por bem que Dom Rodrigo da Costa digo Dom Rodrigo de Castel Branco sirva de Administrador e Provedor das Minas e Prata da Itabayana deste Estado do Brasil em 12/11/1685. DHBN. Vol. XXV. pp. 260-261.

A equipe coordenada por Dom Rodrigo de Castelo Branco extraiu minérios do solo da capitania sergipana, pois, de acordo com a consulta realizada pelo Conselho Ultramarino para preenchimento de cargo de inquiridor, distribuidor e partidor de Sergipe del Rey, em 1675, Manoel Gomes Cardoso e Sebastião Lopes Grandio, enviaram ao rei amostras de pedras.80 De acordo com a documentação, quem havia realizado as escavações fora João Álvares Coutinho, que era “pessoa pratica na materia de minas e com exercicio de mais de vinte anos delas no Reino do Peru”, segundo informava o conde de Val de Reis em carta ao governador geral Roque da Costa Barreto.81 Essa missiva fornece muita informação a respeito dos trabalhos realizados no território. A partir das informações deste documento, a Coroa portuguesa tomou conhecimento dos resultados encontrados nas escavações.

O tempo de permanência de Dom Rodrigo Castelo Branco em Sergipe del Rey lhe causaram danos. Este explorador foi acometido por doenças, o que o obrigava a se

79

INSTRUÇÂO de sua alteza que trouxe dom Rodrigo de Castelo Branco que vem por administrador e provedor- geral das minas da prata da Tabaiana deste Estado. DHBN. Vol. LXXIX. 04/09/1673. pp. 157- 165.

80

Esses cargos estavam ligados a alçada da justiça e tinham como função guardar a documentação judicial e interrogar as testemunhas em processos judiciais. SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e Meirinhos: a administração do Brasil colonial. Rio de Janeiro: nova Fronteira, 1985. p. 140-141.

81

CARTA de sua alteza sobre João Alvares Coutinho passar com dom Rodrigo ao descobrimento das minas em 07/12/1677. DHBN. Vol. LXVII. p. 247.

50

deslocar periodicamente para Salvador afim de realizar tratamento.82 Em uma das correspondências, o rei cogitou que, no caso de morte de Castelo Branco, este deveria ser substituído pelo tenente João Soares de Macedo.83 Após o restabelecimento da saúde do administrador das minas sergipanas, sua estadia foi breve. Em abril de 1678, o governador geral, Roque da Costa Barreto o transferia para as Capitanias da repartição do Sul, cujo objetivo também consistia na busca de metais preciosos, porque esse negócio “é tanta consideração, e ha de ir necessariamente a esta jornada.”84

A exploração no solo da capitania de Sergipe del Rey foi realizada em três serras, apresentando resultados negativos e resultando na transferência do explorador e sua equipe para a capitania de São Paulo, pois, de acordo com uma provisão real, nessa mesma década, Dom Rodrigo de Castelo Branco foi administrar as minas de Pernaguá e serra de Sabarabussu, nas capitanias do sul, em caráter de urgência.85

É importante salientar que os resultados negativos da exploração argentífera em Sergipe del Rey não desanimaram as expectativas da Coroa portuguesa, pois, ainda em 1696, o vice rei João de Lencastro autorizou a criação de um regimento para novamente se tentar explorar prata em Sergipe. O agraciado fora Belchior da Fonseca de Sarayva Dias Moreia, bisneto do primeiro explorador de minas da capitania, Belchior Dias Moreia. De acordo com o documento de nomeação, o rei reconhecia as qualidades para enquadrá-lo no cargo, uma vez que a experiência familiar no ramo das buscas de minas contribuiria para o achamento de minério no território.86

As evidências sobre a atividade mineradora em Sergipe del Rey no século XVII esclarecem as ações determinadas pela Coroa para o território. Não se sabe, nem pela historiografia local nem por outras fontes da época, as consequências das atividades de prospecção das minas depois do período seiscentista. O que os estudiosos da história sergipana afirmam com unanimidade é que a insistência por parte da Coroa

82

CARTA para o administrador das minas d. Rodrigo de Castello Branco em 25/05/1674. DHBN. Vol. VIII da Série E VI. p. 396-397.

83

CARTA para o administrador das minas d. Rodrigo de Castello Branco em 25/05/1674. Doc. Cit. p. 247.

84

CARTA para o capitão da capitania de Sergipe del Rei João Munhós ou a quem seu cargo servir sobre ir João Álvares acompanhar a D. Rodrigo de Castello Branco em 02/04/1678. DHBN. Vol. IX da Série E VII. p. 63.

85

REGISTRO de uma Provisão do Senhor Governador Roque da Costa Barreto porque manda a Dom Rodrigo de Castel Branco para as minas de Pernaguá e Sabarabussu das capitanias do sul na forma das ordens de sua Alteza em 28/10/1673. DHBN. Vol. XXVII. p.7-8.

86

ORDEM Régia nº 04. APEBA. Fundo governo Geral/Governo da Capitania. Série Ordem Régia: 1696- 1697. Seção Arquivo Colonial e Provincial. 22/11/1696.

51

na busca da prata na capitania sergipana foi encerrada nesse século.87 No entanto, a fama da possível existência de minérios de alto valor econômico se estendeu até a segunda metade do século seguinte, influenciando indivíduos a se aventurarem nessas empreitadas a suas próprias custas e sem o aval Coroa portuguesa, como se comprova pela carta de 1743, enviada ao Conde de Galvea pelo capitão mor, Francisco da Costa. Na missiva, o capitão relatou ao governador geral a ousadia de um sujeito perscrutando o subsolo da vila de Itabaiana à procura de ouro.88 De qualquer forma, o sonho de encontrar riqueza mineral fez abrir caminhos e permitiu povoamento no interior da capitania, resultando em numerosas estradas que ligavam Pernambuco a Bahia por via terrestre. Essas rotas eram reabertas sempre seguindo as indicações que Belchior Dias Moreia deixara.89

Documentos relacionados