• Nenhum resultado encontrado

Ao que tudo indica, os conselhos ou informações dos cronistas sobre o que veio a se tornar Sergipe del Rey foram seguidas à risca, uma vez que após o processo de povoamento da capitania, em 1590, a economia estabelecida foi a pecuária, atividade planejada e estruturada para atender às demandas do comércio colonial. No final do século XVI, na colônia, já existiam dois núcleos importantes: Pernambuco, que estava em processo de expansão da cultura da cana de açúcar, e Bahia, o centro administrativo da América portuguesa, que se destacava pela produção açucareira. Desse modo, já se pode perceber o lugar e o sentido atribuído pela metrópole à capitania sergipana dentro da economia do sistema colonial com os derivados da atividade pecuarista para atender às necessidades de alimentos da população das regiões limítrofes, dinamizando as relações comerciais intracolonial, principalmente as áreas produtoras de açúcar por estarem empenhadas em atender o mercado internacional. Com esse conjunto de atividades produtivas, dinamizavam-se as relações econômicas e comerciais entre Portugal e sua colônia na América.

Em pouco tempo, a atividade pecuarista favoreceu o processo de colonização da região, pois a economia do gado rapidamente prosperou em Sergipe del Rey. O sargento mor Diogo de Campos Moreno, foi outro informante de época que cita a prosperidade na criação de gado da capitania, apresentando outros dados acerca do tamanho das propriedades e da população, dizendo que havia “mais de duzentos moradores brancos separados huns dos outros” e que

pella abundancia de gados, que produz e dos muitos povoadores que este Respeito aly se juntão: foy sua Magestade servido de a nomear capitania a parte; confirmando Juízes e Vereadores, Vigario e

40 coadjutor, que aly introduzio dom Francisco de Souza sendo governador, e ao Capitão se lhe derão cem mil reis de ordenado.49

A pecuária foi vista pelo cronista como de suma importância para o território. O fato de as capitanias limítrofes, Bahia e Pernambuco, estarem voltadas principalmente para a produção de exportação, a atividade criatória de Sergipe del Rey direcionou-se para atender a esses dois mercados. Em 1612, o sargento mor atestou essa realidade, informando que a capitania era muito proveitosa aos engenhos e fazendas de Pernambuco, e da Bahia “para os quaes todos os anos vay muito gado, assy para comer, como para serviço, criam-se nestes pastos muitos boes, eguas, e bons cavalos, que dos do Brasil são os milhores.”50

Na primeira década dos seiscentos, a capitania estava em processo inicial da colonização com uma situação financeira ainda tímida. Em 1612, segundo dados apresentados por Moreno, a receita de Sergipe del Rey foi orçada em mil e quatrocentos e cinquenta cruzados. Esse montante foi proveniente do comércio do gado e “muinças.”51

No que se refere às despesas, o cronista separou entre religiosas e seculares, como se pode ver no quadro abaixo.

Quando 01

Despesas da capitania de Sergipe del Rey em 1611

Igreja Oficiais do rei

Ao vigário de seu ordenado... 100$ Ao capitão por sua Mag...100$ Ao coadjutor...25$ Um provedor sem ordenado... 000$ As ordinárias...23$920 Um almoxarife...50$

Um escrivão da Fazenda...20$ Total de tudo...323$920

Fonte: Razão do Estado do Brasil. Op. cit. p. 69v-70.

49

MORENO. Diogo de Campos. Rezão do Estado do Brasil no governo do norte somête asi como o teve

dõ Diogo de Meneses até o anno de 1612. Iluminado por João Teixeira Albernaz I. Biblioteca Pública

Municipal do Porto: Porto, 1612. p. 69.

50

MORENO. Diogo de Campos. Rezão do Estado do Brasil. Op. Cit. p. 69.

51

41

O período em que Diogo de Campos Moreno apresentou Sergipe del Rey em sua obra, a capitania só tinha menos de trintas anos de ocupação europeia. O número de moradores era muito pequeno, “chegando a pouco mais de duzentos brancos, separados uns dos outros”. Havia também uma pequena estrutura religiosa, motivada pela presença de padres da Companhia de Jesus, que, além de criadores de gado, realizavam trabalhos religiosos, como a catequese indígena e de colonos52. O aparelho burocrático da capital, São Cristóvão, contava com a presença de juízes, vereadores, almoxarife e milicianos, organizados em regime de ordenanças.

No contexto da invasão neerlandesa no nordeste açucareiro, a quantidade de gado de Sergipe del Rei serviu para alimentar as tropas beligerantes, tanto do lado português como do inimigo, cuja capitania foi utilizada como local para espoliação dos soldados. Quando da invasão ao território sergipano, em 1637,53 a economia local florescia na atividade criatória, na produção de açúcar e na de gêneros de subsistências. Cientes dessa importância, as tropas luso-espanholas e os soldados holandeses saquearam, incendiaram e devastaram o que havia de atividade econômica e de organização urbana, como se pode ver nos relatos do cronista holandês.

Schkoppe, desalojando a Bagnuolo de suas primeiras posições, arrasou a própria cidadezinha do Sergipe, os engenhos dos adversários e os pomares. Feita esta devastação, reconduziu a soldadesca, com incrível velocidade, para as margens do São Francisco. O facto seguinte mostra a abundância de gado que tem essa região: demorando-lhe ali Bagnuolo, abateram-se 5.000 mil reses e tangeram-se 8.000 para o consumo futuro da soldadesca; por nós foram mortos 3.000, além das que se transportaram para a margem do rio. 54

A guerra holandesa deixou danos irreparáveis para Sergipe, pois, como dito, os soldados destruíram o que havia de produção agrícola, de atividade criatória, inclusive incendiando a capital e destruindo alguns prédios públicos. A estratégia utilizada pelos invasores consistia em atingir o inimigo baiano, arruinando o território que servia como espaço de abastecimento das capitanias produtoras de açúcar, desarticulando, assim, as relações comerciais entre elas. O resultado emperrou o desenvolvimento econômico

52

Diogo de Campos Morenos. Rezão do Estado do Brasil. Op. cit. p. 69.

53

A primeira invasão ocorreu na Bahia, em 1624. No ano seguinte houve outra invasão.

54

BARLEU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras

partes sob o governo do ilustríssimo João Maurício o conde de Nassau. Rio de Janeiro: Ministério da

42

local, ocasionando fuga dos moradores para capitanias vizinhas, como evidenciou Gaspar Barleus no restante da narrativa.55

Com a situação de penúria em que ficou Sergipe del Rey, houve cogitações, por parte dos holandeses, para se reestruturar a capitania do ponto de vista econômico e social. No entanto, o plano esboçado foi descartado por exigir muita despesa da Companhia das Índias Ocidentais, como informou Barleus, ao justificar que “Não há esperanças de se restituir a esta região a sua antiga prosperidade, senão mandando-se lhe colonos, e nunca se conseguiriam estes, a não ser com conceder-se-lhes habitação segura e com o doarem-se-lhes terras e granjas”56. Ainda na visão deste cronista, mesmo que esse plano fosse colocado em prática, seria deixado logo de lado por causa do alto custo que demandaria, pois o projeto orçado em cento e cinquenta mil florins para recuperação do território sergipano não daria o retorno esperado, uma vez que seria investido na atividade criatória. Outro motivo que gerou desinteresse foram os minérios encontrados pelo explorador Belchior Dias Moreia no subsolo da capitania57, que não apresentaram nenhum valor.58 Desse modo, o projeto da reestruturação da capitania sergipana não foi levado à frente pelos holandeses porque, como explanou Barleus, não atendia aos interesses mercantilistas da Companhia das Índias Ocidentais. De toda forma, Sergipe del Rey continuou na mesma situação de abandono econômico e social até o momento em que o rei da dinastia de Bragança assumiu o controle político sobre o território.

Documentos relacionados