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UMA AVENTURA METODOLÓGICA: O CAMINHAR FAZ A TRILHA

2.3. Buscando pistas, indícios, sinais, pormenores reveladores

No texto “O camelo extraviado”, Mark Twain153 narra uma fábula oriental, sobremaneira significativa, que é transcrita a seguir:

Um condutor de camelos perdeu o seu camelo e, encontrando um homem, perguntou-lhe: — Acaso, o senhor não encontrou um camelo extraviado?

O homem respondeu:

— Não é um camelo cego do olho esquerdo? — Sim.

— Que perdeu o dente de cima? — Sim.

— Que mancava da pata esquerda traseira? — Sim!

— Que carregava milho de um lado e mel de outro?

— Sim! O senhor não precisa apresentar mais detalhes. É esse exatamente o camelo que procuro. Estou com pressa. Onde o senhor o viu?

— Eu não vi camelo nenhum, respondeu o homem.

— O senhor não o viu? E como pôde descrevê-lo tão detalhadamente?

— Porque sei me servir dos olhos para observar as coisas. A maioria das pessoas tem olhos que não lhes servem de nada.

Eu sabia que um camelo havia passado, porque vi os seus rastos. Sabia que mancava da pata esquerda traseira pelas marcas diferentes deixadas no chão do lado esquerdo. Sabia que era cego de um olho porque só pastou a erva do lado direito do caminho. Sabia que perdeu um dente de cima porque deixou falhas nas raízes que mordeu. Notei que aves comiam os grãos de milho que foram caindo do lado esquerdo. Sei que o mel escorreu do lado direito porque observei muitas moscas juntas desse lado.

Sei tudo sobre o seu camelo, mas não o vi.

Após esse contato inicial com o texto de Twain, ao ler Ginzburg (1989:151), lembrei-me da história do camelo extraviado, porque este autor fala também de uma fábula oriental sobre um homem que perdeu um camelo. Ele diz que essa fábula oriental era “difundida entre os

153 Como professora, em um determinado momento inicial da minha carreira, tomei conhecimento de um texto de

Mark Twain que era utilizado para mostrar aos alunos que é preciso não só estar atento aos acontecimentos, mas também é preciso interpretar o mundo. Não basta ter olhos; tem que se fazer uso deles.

quirquizes, tártaros, hebreus, turcos...” Conta que os três154 irmãos que encontraram o camelo são depositários de um saber do tipo venatório155 porque foram capazes, através de indícios mínimos, de reconstruírem um animal que nunca haviam visto. Esse saber venatório é caracterizado pela capacidade de remontar uma “realidade complexa não experimentável diretamente”, a partir de dados imperceptíveis/negligenciáveis aos olhos mais desatentos.156 No seu relato, o “caçador teria sido o primeiro a ‘narrar uma história’ porque era o único capaz de ler, nas pistas mudas (se não imperceptíveis) deixadas pela presa, uma série coerente de eventos.” Ginzburg explica esta hipótese dizendo que o homem foi caçador por milênios e usava a sua experiência nos termos seguintes:

Durante inúmeras perseguições, ele aprendeu a reconstruir as formas e movimentos das presas invisíveis pelas pegadas na lama, ramos quebrados, bolotas de esterco, tufos de pêlos, plumas emaranhadas, odores estagnados. Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba. Aprendeu a fazer operações mentais complexas com rapidez fulminante, no interior de um denso bosque ou numa clareira cheia de ciladas.

Assim, de geração em geração, esse patrimônio cognoscitivo foi transmitido através das narrativas de fábulas porque, ao lado das pinturas rupestres e dos artefatos, faltava uma documentação verbal. Ginzburg diz que foi assim que o saber dos remotos caçadores foi-nos transmitido, na forma de eco, às vezes, tardio e deformado. Entretanto, é preciso estarmos atentos para ler estas pistas, esses indícios, esses sinais. Assim como os nossos ancestrais caçadores.

Em outro momento, conheci Raymond Williams, através do romance espetacular “O

povo das Montanhas Negras” em que o tempo se conta em séculos e milênios, quando a

personagem Glyn sai em busca do avô (Elis) perdido nas Montanhas Negras e, na caminhada, começa a ouvir vozes do passado. Essas vozes evocam a saga dos antigos habitantes daquelas montanhas porque os seus vestígios ainda estavam por aquelas trilhas: cacos de cerâmica, pontas de flechas, e pedras empilhadas. Raymond Williams recria a história desses caçadores, pastores e guerreiros com vida e emoção e, as narrativas vão se acumulando como camadas de

154 Mark Twain fala em um homem apenas.

155 Segundo Ginzburg, um tipo de saber próprio dos caçadores. 156 Ibidem:152.

um sítio arqueológico tomando a forma dos mitos e das lendas.157 Ao tecer a saga do povo galês, tece também mutatis mutandis a saga de toda a humanidade. No final, não se sabe se ele encontra o avô porque a narrativa termina assim:

Glin parou, tentando escutar alguma coisa, em meio ao silêncio que reinava no alto das montanhas. Tinha chegado a Tal y Cefn. À sua frente estava a represa, brilhando ao luar, e do outro lado erguia-se a crista escura de Gofenion. Ainda à frente, pensou, em meio àquelas visões do passado, depois da batalha de Claerion, ficava a longa ocupação romana e sua retirada gradual, o domínio celta e as invasões saxãs. Sua procura por Elis pelo alto das montanhas era parte de uma procura de si mesmo, de uma história e de uma paisagem que tinham dado forma à sua existência. Sua procura precisava continuar, e ele sabia que aquela longa história também continuaria a se desdobrar – a tradição dos “Ovos da Águia”, transmitida pelas vozes há muito desaparecidas do povo das Montanhas Negras.

“Olhe para esta pedra de arenito em camadas em meio à relva curta das montanhas. Coloque a mão direita sobre ela, com a palma para baixo. Olhe para onde o sol nasce no verão e para onde ele se ergue ao meio-dia. Aponte o dedo indicador para um ponto a meio caminho. Afaste os dedos, mas não muito. Agora, este lugar está em suas mãos...”

(Raymond Williams, 1991:407)

Ao me deliciar com as vozes do passado e acompanhar os ciclos essenciais da evolução do homem nas “Montanhas Negras”, pude ver que Raymond Williams, um dos intelectuais mais importantes da nova esquerda inglesa, era um romancista sensível e que lançava mão dos vestígios, dos detalhes negligenciáveis, das pistas, dos indícios, dos sinais... para traçar o grandioso panorama dos ciclos essenciais da evolução do homem. E nesse sentido, evocava tanto a obra de Ginzburg158 quanto a de Certeau (2001) porque, em cada uma das histórias, podia perceber a sabedoria e a astúcia do povo ordinário de cada momento histórico narrado por Raymond Williams.

157 Assim, em meio às suas reflexões (Glyn a Elis 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, e 8), Glyn ouve as seguintes histórias:

“Morad, Gan e a caça aos cavalos”; “Varan à beira dos grandes gelos”; “O lago de verão e o sangue novo”; “Cara filha de cara”; “O fogo de Incar e a porca de Aron”; “Gord e Namila encontram gente nova”; “A viagem de Idrisil e Dubanak”; “O encontro entre caçadores e pastores”; “Tarac e Lirisa”; “A Casa Comprida no solstício de verão”; “A viagem para o encontro no rio-mar”; “A vinda do Calculador”; “Seril e a gente nova”; “O Estrangeiro Negro e o Carneiro Dourado”; “Tami em Telim e no vale dos Cereais”; “Tami e os demônios”; “Telim e o senhor Epodorix”; “Os senhores de Banavint”; “O sábio e o escravo”; “O espelho e a canção”; “Os reis pescadores”; e, finalmente, “A batalha de Claerion”.

158 Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Este livro reúne ensaios escritos por Ginzburg entre 1961 e

Carlo Ginzburg,159 na obra “Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história”, a partir de Freud, de Sherlock Holmes e do crítico de arte Morelli, constrói o paradigma de um “saber

indiciário” – um método de conhecimento no qual a ênfase está na observação do pormenor

revelador, nos detalhes negligenciáveis aos olhos desatentos.160 Ginzburg atua como um detetive à procura desses pormenores reveladores e os resultados confirmam que o conhecimento está nas entrelinhas, nos detalhes negligenciáveis aos olhos distraídos, nas pistas, nos indícios, nos sinais... Assim, o conhecimento pode estar nas pontas dos dedos, isto é, nas impressões digitais (identificação pessoal), na forma de desenhar os lóbulos das orelhas e as unhas (identificação de uma obra de arte); etc.; mais do que na dedução pura e simplesmente.

A respeito das formas convencionais de construção do conhecimento, Triviños (1987:116-132) diz que a “dimensão apriorística da pesquisa quantitativa em educação partiu de paradigmas dedutivos, ao invés de indutivos, próprios da pesquisa etnográfica, isto permitiu não só elaborar categorias antes de começar o estudo, como também delimitar os resultados dos esquemas culturais do investigador.” Tal enfoque facilitava a análise do resultado alcançado, mas, ao

mesmo tempo, reduzia a capacidade criativa do pesquisador, além da utilidade do estudo para a realidade educacional.

Morin (1999:49) aborda essa questão ao dizer que foi “Pierce quem usou a palavra abdução para caracterizar a invenção das hipóteses explicativas” porque, para ele, somente a indução e a dedução não eram suficientes para compreender o desenvolvimento do pensamento. Segundo Morin, um dos problemas desses recursos organizadores da mente do paradigma moderno é que “o inventor é imprevisível e relativamente autônomo em relação ao próprio meio científico.” Diz que no dia em que isso não puder acontecer, quer dizer, que a

invenção for programada, não haverá mais invenção. Para explicar isso, o referido autor lança mão da forma como Newton teria descoberto a Teoria da Gravidade e também da forma como Darwin formulou a Teoria da Evolução. Com relação a Newton, só para ilustrar, Morin conta

159 Carlo Ginzburg é natural de Turim na Itália. É hoje um dos maiores historiadores da Europa. Autor também

de: “O queijo e os vermes” e “Os andarilhos do bem” que foram lançados no Brasil pela Companhia das Letras.

160 No livro, esse método é aplicado a sete ensaios aparentemente díspares que o compõem: “Feitiçaria e Piedade

Popular – Notas sobre um processo modenense de 1519”; “De A. Warburg a E. H. Gombrich – Notas sobre um problema de método”; “O alto e o baixo – O tema do conhecimento proibido nos séculos XVI e XVII”; “Ticiano, Ovídio e os códigos da figuração erótica no século XVI”; “Sinais – Raízes de um paradigma Indiciário”; “Mitologia germânica e nazismo – Sobre um velho livro de Georges Dumézil”; e, “Freud, o homem dos lobos e os lobisomens”.

que tal descoberta aconteceu num período em que a Universidade de Cambridge ficou fechada devido à peste que castigou a região por dois anos aproximadamente. Nesse período, Newton “ficou sozinho, devaneando, olhando para as macieiras e, de alguma forma, podemos dizer que se a universidade tivesse permanecido aberta e ele tivesse continuado a assistir as aulas, talvez não descobrisse a gravidade” (Morin, 1999:49).

De outra forma, Morin (1996b:284) complementa essa idéia ao afirmar:

(...) as conseqüências últimas de uma ação não são previsíveis. (...) Não se pode fazer

programas para o futuro, posto que os programas são projeções abstratas e mecanicistas que os acontecimentos desbaratam. Sem dúvida é necessário projetar valores, idéias- força, idéias motoras. E a ação é sempre uma estratégia. (...) Um programa é uma seqüência de atos decididos a priori e que devem começar a funcionar um após o outro, sem variar. Certamente, um programa funciona muito bem quando as condições circundantes não se modificam e, sobretudo, quando não são perturbadas. A estratégia é um cenário de ação que se pode modificar em função das informações, dos acontecimentos, dos imprevistos que sobrevenham no curso da ação. Dito de outro modo, a estratégia é a arte de trabalhar com a incerteza.

Ginzburg (1989), no capítulo intitulado “Sinais – Raízes de um paradigma indiciário”, começa o texto usando uma frase de A. Warburg: “Deus está no particular”161 e outras de Johns que expressa uma interrogação, assim: “Um objeto que fala da perda, da destruição, do desaparecimento de objetos. Não fala de si. Fala de outros. Incluirá também a eles?

Diante desta indagação, comecei a pensar qual era a minha escolha metodológica. Em função das reflexões anteriores, tendi a um entendimento não convencional de fazer ciência. Contudo, nesse âmbito, somente às vezes,162 vejo-me fraquejar e cair nas armadilhas, quando vejo um pedaço de pau, mas entendo que são as forças da caverna163 que me atraem. Tal metáfora164 usada por Dertouzos (1997:371-372) tem o propósito de expressar o seguinte:

161 Página 143.

162 Este “somente às vezes” foi inspirado em Bertolt Brecht que verseja: “Há sete anos, eu não dava nenhum

passo. Quando a um bom médico fui consultar, ele indagou: - Para que essas muletas? E eu disse: - Não posso andar. A rir feito um desalmado, minhas belas muletas apanhou; quebrou-as nas minhas costas e, rindo, ao fogo as lançou. Ele disse: ─ com esses trambolhos a atrapalhá-lo, não é de se estranhar. Pois ande, caia, rasteje, engatinhe, tenha a bondade de experimentar! Fiquei bom: hoje eu ando. Curou-me aquela risada sonora... Só mesmo às vezes, quando vejo um pedaço de pau, passo um pouco pior algumas horas.” (Grifos meus)

163 Referência a Dertouzos (1997:371). 164 “Forças da caverna”.

(...) carregamos traços e maneirismos de nossos ancestrais, assim como reflexos e padrões

comuns, adquiridos durante o processo evolutivo. O medo, amor, raiva, cobiça e tristeza que sentimos hoje baseiam-se nos sentimentos adquiridos nas cavernas onde morávamos há milhares de anos. Foi nesse ambiente ancestral que o impulso de predador e o medo do ataque inimigo definiu o medo primal. Foi lá, também, que outros de nossos sentimentos primitivos receberam reforço – proteger os filhos, desfrutar do prazer do contato físico com o parceiro, confiar nos membros da tribo e assim por diante.

Como a tradição de fazer ciência com base no positivismo está impregnada na humanidade, às vezes, nos deixamos abalar. Porém, a prática de ler e decifrar as pistas, os indícios, os sinais, os vestígios... remonta aos nossos ancestrais caçadores. Nesse caso, esta é mais primal e prevalece em mim. Sobre esse paradigma indiciário Ginzburg (1989:143) escreve:

(...) tentarei mostrar como por volta do final do século XIX, emergiu silenciosamente no

âmbito das ciências humanas um modelo epistemológico (caso se prefira, um paradigma) ao qual até agora não se prestou suficiente atenção. A análise desse paradigma, amplamente operante de fato, ainda que não teorizado explicitamente, talvez possa ajudar a sair dos incômodos da contraposição entre “racionalismo” e “irracionalismo”.

Continuamos mergulhados nos “incômodos da contraposição entre ‘racionalismo’ e ‘irracionalismo’”. Mas, voltando ao surgimento do paradigma indiciário, vale considerar o que Ginzburg (1989:143) diz:

Entre 1874 e 1876, apareceu na Zeitschrift für bildende Kunst uma série de artigos sobre a pintura italiana. Eles vinham assinados por um desconhecido estudioso russo, Ivan Lermolieff, e fora um igualmente desconhecido Johannes Schwarze que os traduzira para o alemão. Os artigos propunham um novo método para a atribuição dos quadros antigos, que suscitou entre os historiadores da arte reações contrastantes e vivas discussões. Somente alguns anos depois, o autor tirou a dupla máscara na qual se escondera. De fato, tratava-se do italiano Giovanni Morelli (sobrenome do qual Schwarze é uma cópia e Lermolieff o anagrama, ou quase). E do “método morelliano” os historiadores da arte falam correntemente ainda hoje.

O método de Morrelli surgiu porque havia muitos quadros atribuídos incorretamente e devolvê-los aos verdadeiros autores seria muito difícil porque havia obras não-assinadas, outras com suspeitas de serem repintadas, e, ainda, até em mau estado de conservação. A proposta de Morelli, então, era não se basear nas características mais vistosas, mas sim nos

dos pés. Assim, os livros dele são repletos de ilustrações de dedos e orelhas. E os museus de arte que ele estudava ganhavam o aspecto de museu criminal. Dessa forma, Morelli catalogou a forma de orelha de Botticelli, de Cosmè Tura, dentre outros e verificava traços presentes nos originais e não nas cópias. Ginzburg diz que o método de Morelli conseguiu atribuições sensacionais e, dessa forma, fez muito sucesso. Entretanto, foi muito criticado e, posteriormente, considerado mecânico e positivista, até cair no descrédito pelos seus críticos que, às escondidas, deveriam continuar a usá-lo (Ginzburg, 1989:144-145).

Ginzburg diz ainda que foi de Wind o mérito pelo interesse atual sobre o trabalho de Morelli que conseguiu ver neste uma atitude inovadora em relação à obra de arte. Ainda nesta perspectiva, este autor analisa uma analogia entre os métodos de Morelli, Sherlock Holmes e Freud. E indaga, “como se explica essa tripla analogia?” Na busca de respostas, ele diz que Freud era médico, Morelli fez medicina, e Conan Doyle também havia sido médico antes de enveredar pela literatura. Ao explicar melhor, Ginzburg (1989:151) deixa claro o seguinte:

Nos três casos, antevê-se o modelo da semiótica médica: a disciplina que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à observação direta na base de sintomas superficiais, às vezes irrelevantes aos olhos do leigo – o doutor Watson, por exemplo. (De passagem, pode-se notar que a dupla Holmes – Watson, o detetive agudíssimo e o médico obtuso, representa o desdobramento de uma figura real: um dos professores do jovem Conan Doyle, famoso pelas suas extraordinárias capacidades diagnósticas.) Mas não se trata simplesmente de coincidências biográficas. No final do século XIX – mais precisamente, na década 1870-80 –, começou a se firmar nas ciências humanas um paradigma indiciário baseado justamente na semiótica. Mas as suas raízes eram muito antigas.

O meu interesse pelo paradigma indiciário descrito por Ginzburg deve-se ao fato de nas ciências sociais e humanas haver certas situações que não se repetem. São momentos únicos, dotados de singularidade. Não são passíveis de repetição mecânica. A cada vez que se tenta repetir uma situação, algo novo aparece e aparecerá sempre e, com certeza, enriquece/enriquecerá aquele momento primeiro, irrepetível. Precisamos saber fazer uso dos nossos olhos, da sensibilidade e prestar atenção, também, nos detalhes menos vistosos.

Então, nesse tipo de ciência não é apenas a quantidade de dados, mas sim a qualidade desses dados e sua relação que são relevantes. Os dados quantitativos são importantes, inclusive, quando ajudam na interpretação do processo.

Porém, mesmo assim, como ressalta Chalmers (1993:23), ainda hoje – no alvorecer do terceiro milênio – algumas pessoas continuam admitindo que:

Conhecimento científico é conhecimento provado. As teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento. A ciência é baseada no que podemos ver, ouvir, tocar etc. Opiniões ou preferências pessoais e suposições especulativas não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva. O conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente.

Para Chalmers, já referido, essa é “uma concepção de senso comum da ciência amplamente aceita”. Nessa perspectiva de ciência, o que importa são apenas os resultados obtidos. Assim, o professor e o pesquisador que têm essa concepção de ciência, desenvolvem o seu ensino e sua pesquisa com esse tipo de embasamento tradicional, rígido. Dessa forma, surge a dicotomia teoria-prática e também a figura do especialista, como sendo aquela figura importante que “sabe fazer ciência”. Nessa perspectiva, a ciência não pode ser produzida nem desempenhada por “qualquer um”, somente pelo cientista ou pelo pesquisador qualificado. Mas a pesquisa não pode ficar só nas mãos de especialistas porque assim não avançamos na nossa prática. Entendo que, principalmente na área da educação, o educador precisa se tornar um investigador da sua própria prática. Já encontramos, no presente, muitos teóricos defendendo a pesquisa no/do cotidiano das escolas porque vêem ali um locus privilegiado de conhecimento. E o que é mais importante: o educador se sente autor de sua prática e não um mero executor de idéias alheias. Se reconhecemos tal importância, então, por que não incentivar o uso do “paradigma indiciário” entre os professores para que eles possam fazer uso das pistas, dos indícios e dos sinais e levarem os seus alunos a construírem uma aprendizagem significativa? Na visão da ciência mais tradicional, isso não é possível, porque restritivamente “pesquisar é para iniciados”. Então, há necessidade de iniciar os educadores. Assim, vale lembrar do poeta Antônio Machado: Caminhante não há caminho... Se faz caminho ao andar...

É preciso romper com essa idéia tradicional de fazer ciência para conseguirmos avançar no âmbito das ciências sociais e humanas. Teóricos das mudanças científicas afirmam que não há observação neutra dos fenômenos. O pesquisador acredita no que acredita de acordo com suas concepções, suas crenças. O que precisa é atenção para evitar práticas ingênuas.

A estrutura de grande parte dos argumentos desse livro foi de desenvolver relatos do tipo de coisa que é a física e testá-los no confronto da física real. Diante dessa consideração