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AS CÁTEDRAS UNIVERSITÁRIAS E A FORMAÇÃO DE DOCENTES DE GEOGRAFIA Apesar da oposição de outros cientistas, as cátedras se mantiveram, e o

crescimento do número de geógrafos de Letras, e a chegada a cargos docentes de pessoas ligadas a Vidal de La Blache (como Auerbach, Gallois e Camena d'Almeida) consolida esta comunidade científica e a identifica cada vez mais com a faculdade de Letras.356

Em 1895 se podia afirmar que "a geografia se professa nas faculdades de Letras".357 Existiam classes desta disciplina nas faculdades de letras das universidades de Bourdaux, Lille, Lyon e Nancy; um curso em Caen; um curso complementar em Aix- en-Provence e Grenoble; um mestre de conferências em Montpellier e Toulouse;uma cátedra de história e de geografia dos tempos modernos em Besançon, e uma de história e geografia da antiguidade e da Idade Média em Clermont Ferrand; um curso de geografia da África em Argel e cursos nas escolas preparatórias de Nantes e de Rouen. Quanto à Universidade de Paris, possuía uma cátedra de geografia, fundada em 1809, e uma cátedra de geografia comercial, fundada em 1892. Dela dependia um seminário ou laboratório fundado em 1890 e reservado aos estudantes da faculdade que iriam se dedicar à geografia, e um centro de estudos coloniais dependentes da cátedra correspondente e criado em 1895.

355 DUBOIS, 1894, pág. 129.

356 Mais adiante os geógrafos chocariam com a escola de sociologia de Durkheim, não só por razões científicas como também profissionais: como assinalou CLARK (1973), Durkheim procurava situar a sociologia como elemento central na formação de professores do ensino secundário, apresentando-a como um método aplicável a um grande número de disciplinas, o que daria a seus discípulos a possibilidade de obter cátedras não sociológicas (WEISZ, 1977, pág. 155). Naturalmente a geografia humana era das mais afetadas, o que explica a violência da polêmica entre lablachianos e durkheimianos. Sobre desta polêmica pode-se ver BERDOULAY, 1978.

357 TORRES CAMPOS, 1896, pág. 240. Desta fonte – que por sua vez acompanha uma comunicação de Levasseur – procede a informação que se dá em seguida sobre as cátedras existentes na tal data. Sobre 1890 veja- se BROC, 1974 (c), pág. 568.

Por seu lado, nas faculdades de ciências existiam cursos de geografia física nas universidades de Paris, Lyon e Nancy, ministrados pelo professor de geologia da faculdade. Na faculdade livre de Paris o geólogo A. Lapparent ministrava também um curso de geografia física.

Também existia ensino da geografia no Colégio da França, onde se contavam desde 1865 duas cátedras dedicadas parcialmente a esta ciência: a de geografia, história e estatística econômica, ocupada por Levasseur, e que se ocupou em 1894-95 com desenvolvimento econômico dos Estados Unidos, e a de geografia histórica da França, ocupada por Longon, o qual havia ministrado no mesmo ano um curso sobre a descrição das duas Aquitânias e da Novempopulania na decadência do Império romano; os alunos eram ouvintes que participavam livremente e não deviam prestar nenhum exame. Na Escola Prática de Altos Estudos, o próprio Longon ensinava também geografia histórica da França, e no Museu de geologia, muitos cursos, "sem estar dedicados à geografia, tratam de matérias que são conexas com esta ciência, e as aulas entram algumas vezes com grande proveito no terreno da geografia".358 Por último, ensinava-se geografia também na Escola Normal Superior.

Nos últimos anos do século XIX, e em particular depois da transferência de Vidal de La Blache para Paris, configura-se o principal grupo intelectual da geografia francesa em torno da figura deste geógrafo. Vidal conseguiu organizar uma ampla rede de patronato e influência através de seu poder sobre as carreiras profissionais de seus discípulos. Depois do grupo estruturado em meados do século XX ao redor de Victor Cousin, e ao lado dos que se constituíram no século XX em torno de Durkheim ou de Henri Berr, o de Vidal foi certamente um dos grupos ("clusters") mais representativos da ciência social universitária francesa.359

A preparação do bacharelado era a tarefa mais importante dos geógrafos das faculdades de letras, dada a saída praticamente exclusiva que o ensino representava para os discípulos. Para isso foram criados cursos especiais, destinados àqueles alunos que mostravam sua vocação geográfica. Assim, por exemplo, na Universidade de Paris, os estudantes que se preparavam para o bacharelado de geografia deviam, "se não pelos regulamentos, pela tradição que os mestres estabeleceram, quatro anos pelo menos de cursos e de conferências a seguir: dois para a licenciatura histórico-geográfica e dois para a agregação".360 Por sua vez, em Nancy, Auerbach havia estabelecido a norma de que os que se preparavam para a agregação frequentava, além das aulas especiais que ele ministrava, quatro cursos de geografia física na faculdade de Ciências.361

Outros fatores que poderiam haver contribuído para à institucionalização da geografia nos centros superiores, têm uma importância secundária frente à já citada

358 TORRES CAMPOS, 1896, pág. 241.

359 O conceito de "cluster" foi firmado por CLARK, 1973. Veja-se também WEISZ, 1976 e 1977. 360 TORRES CAMPOS, 1896, pág. 240.

361 TORRES CAMPOS, 1896, pág. 241.

necessidade de formar professores para o ensino primário e secundário. A prova disso é o projeto de uma Escola Nacional de Geografia, proposto por Drapeyron em 1876 e formulado mais amplamente por J. B. Paquier em 1884. Tal escola deveria conduzir à criação de um certo número de cátedras e de um diploma especializado. As seções que se previam eram: uma de ensino para formar professores de ensino secundário e superior; outra de ciências políticas para o pessoal diplomático, cônsules e agentes franceses no estrangeiro; uma terceira seção econômica e de colonização, para formar exploradores, negociantes e funcionários coloniais; e uma última seção técnica e científica para geodesistas, cartógrafos, topógrafos, gravadores, geólogos e oceanógrafos.362 Tratava-se, como se vê, de se integrar em um só centro os ensinos científicos, teóricos e práticos, que em épocas passadas haviam feito parte da ciência geográfica, mas que desde o século XVIII foram se constituindo em corporações científico-profissionais diferenciadas. Como era de se esperar, a oposição a este projeto foi forte, e isso o tornou inviável, ainda que, talvez tenha contribuído para afirmar a existência da disciplina, fortalecendo, como compensação a tendência à criação de cátedras universitárias nas faculdades de Letras.