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Horacio Capel. História do pensamento geográfico. Vol. I.

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Academic year: 2021

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Capa

Rogerio Bernardino da Silva

Editoração e Diagramação

Rogerio Bernardino da Silva

Revisão Gráfica

Cristiano Niero Edson Barreiro

Organização

Dr. Jorge Guerra Villalobos

Revisão Ortográfica e de Estilo

Dra. Myrna T. Rossi Rego UNESP

Editores Responsáveis

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Ms. Kiyomi Hirose Drº. Geovanio Rossato

Drº Elias Brandão Me. Fabio Angeoletto

Colaboradores

Matheus Aparecido Godoy Ribeiro Lucas César Frediani Sant´Ana

O conteúdo da obra, bem como os argumentos expostos, são de responsabilidade exclusiva de seus autores, não representando o ponto de vista da editora, seus representantes e editores.

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Feito no Brasil / Made in Brazil 2008 – 2ª Edição

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Sumário PREFÁCIO ... 9 APRESENTAÇÃO ... 11 CAPÍTULO I... 13 CAPÍTULO II... 37 CAPÍTULO III... 65 CAPÍTULO IV ... 85 BIBLIOGRAFIA... 107

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PREFÁCIO

Este livro é o resultado de um longo processo, iniciado no ano de 2000, quando lecionávamos no programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá. Neste ano, aceitamos com um grupo de alunos amigos discutir parte da obra relacionada com a História da Geografia, que havia sido escrita por Horacio Capel, considerado o mais importante geógrafo historiador, e que em 1981, havia revolucionado a leitura da história desta antiga ciência com a obra "Filosofia y ciencia en la geografia contemporánea: una introducción a la Geografia", Barcelona: Barcanova.

Assim, durante alguns anos fomos trabalhando lentamente numa obra clássica que fora traduzida a inúmeras outras línguas, exceto o português, mesmo quando no Brasil a obra de Capel vinha sendo muito estudada.

Ao definir as características da tradução para o público brasileiro, decidimos junto com o professor Capel, realizar duas inovações: a primeira foi realizar a edição da obra original em mais de um volume, sendo o primeiro editado no presente ano e os outros previstos até finais de 2005. E a segunda inovação, foi a inclusão de um capítulo relacionado com a Geografia italiana, que não consta do original.

Sempre ficou pendente a idéia de traduzir um texto relacionado com a Geografia espanhola. Porém, como em 1999 havíamos publicado com Capel, "O Nascimento da ciência moderna e a América: o papel das comunidades científicas, dos profissionais e dos técnicos no estudo do território. Maringá: EDUEM", que trata em parte da história da Geografia na Espanha e América, decidimos elaborar outra obra específica para um futuro próximo. Proponho no momento a lista dos trabalhos publicados na revista "Geo-Crítica", "Cadernos críticos de Geografia Humana" e em diferentes volumes da série "Geo-Critica, textos de apoio", editados desde 1976 pela Universidade de Barcelona, entre os quais podemos lembrar "Ciencia para la burguesia. Renovación pedagógica y enseñanza de la geografia en la revolución liberal española, 1814 - 1857", "La geografia en el bachillerato español, 1836 - 1970", "El libro de Geografia en España, 1800 - 1939", "La enseñanza de la geografia y el profesorado de las escuelas normales, 1882 - 1915".

Para finalizar, não poderia deixar de comentar, a inestimável colaboração da minha mestre e amiga Dra. Myrna Teresinha Rossi Rego da UNESP/Rio Claro- S.P. que, amante da geografia, dedicou inúmeras horas a dar melodia brasileira ao texto final.

Dr. Jorge Ulises Guerra Villalobos

Universidade Estadual de Maringá - Departamento de Geografia Organizador

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APRESENTAÇÃO

Colocar um trabalho do porte deste do Professor Capel à disposição do público brasileiro é, no mínimo, louvável, tanto pela acessibilidade ao texto, quanto pela qualidade e quantidade de informações e reflexões que contém.

Dentre os geógrafos de expressão internacional, o Professor Capel se destaca pela permanente preocupação com as questões relativas à formação das bases teóricas da ciência geográfica, reiterada nesta obra. O nome: Filosofia e Ciência na Geografia Contemporânea, expressa adequadamente o conteúdo, porém, não se espere dela apenas uma introdução à Geografia, como informa o sub-título.

Muito mais que isso, o autor transita com segurança pela própria historiografia das idéias geográficas e seus componentes filosóficos, epistemológicos e metodológicos e pelo contexto histórico – social – geográfico das suas manifestações.

O começo desta trajetória finca marco em Humboldt – pai da moderna ciência geográfica do qual Capel analisa o projeto de investigar “[...] toda a complexa e rica problemática das relações entre os distintos fenômenos de nosso planeta [...]”, na formulação de uma “Teoria da Terra”. De maneira corajosa, Capel discute o a tese de que “somente uma parte concreta da produção humboldtiana possuía realmente o caráter de geografia” e a demonstra tratando da geografia física e da geografia regional. Finaliza o resgate da memória deste grande cientista, esmiuçando sua obra magna – Cosmos.

Karl Ritter, outro dos presumidos pais da geografia moderna, é tema de Capel, que começa por detalhar sua biografia e influências. A visão de mundo de Ritter de que “o território atua sobre os habitantes e os habitantes atuam sobre o território” e que a geografia e a história deveriam estar, necessariamente, juntas é explorada por Capel que conclui ressaltando a importância da obra de Ritter para a continuidade da geografia, exatamente no momento em que as especialidades científicas e o surgimento de novas disciplinas assumiam parte do que se considerava até então objeto da geografia.

A partir da constatação de inúmeros estudiosos de que as obras de Humboldt e Ritter ficaram, por uma década após a morte de seus autores, praticamente esquecidas, Capel formula duas perguntas que conduzem a discussão seguinte: porque as obras destes autores não tiveram influência na geografia alemã? Porque a geografia demorou tanto a se desenvolver nas universidade alemãs? O resgate do desenvolvimento do ensino escolar alemão e da posição da geografia são a chave das respostas que mostram como a geografia se impôs e se consolidou a ponto de, ao final do século 19, existir ensino universitário de geografia em praticamente todas as universidades alemãs, atraindo jovens de formações diversas (historiadores, filólogos, matemáticos, farmacêuticos, zoólogos, geólogos e até geógrafos), numa “mistura altamente estimulante.”

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A criação da cátedras de geografia e o crescimento do número de estudantes deram como resultado a publicação de manuais e monografias, atlas e mapas e a ênfase no debate do objeto da geografia.

Enquanto isso, na França, a geografia praticamente inexistia nas universidades, porém, assumia papel cada vez mais destacado no ensino elementar, justificando a demanda de professores e estimulando a institucionalização e expansão desta ciência em nível universitário. Repete-se o que ocorria na Alemanha, com a criação de cátedras universitárias de geografia e sua ocupação por “um grande número de indivíduos que chegaram por acaso à geografia”, nas palavras de Claval, com as quais Capel não concorda e justifica em extenso texto.

Ao final do século 19, a geografia ainda não havia se firmado, mantendo o caráter de auxiliar da história, sendo aceita com reticências por naturalistas e cientistas e atacada por sociólogos. Capel fala da resistência da ciência geográfica, da luta pela manutenção de sua unidade como estratégia central nesta resistência e do processo de consolidação da geografia na França.

Pelo que rapidamente se expôs, nesta obra Capel mostra seu profundo conhecimento da ciência geográfica e revela ao leitor facetas e interpretações pouco conhecidas. Impressiona pela erudição, pela bibliografia, pela clareza, justificando sua posição como um dos maiores teóricos da geografia de nosso tempo.

Lucia Helena de Oliveira Gerardi

Programa de Pós-graduação em Geografia – UNESP – Rio Claro

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CAPÍTULO I

Tradução de: Paulo Rodrigues, Jorge Guerra Villalobos, Vanda Ueda

HUMBOLDT E A TEORIA DA TERRA

Quase todos os estudiosos da história da geografia concordam em considerar Alexander von Humboldt como o pai da moderna ciência geográfica. Sua obra, sem dúvida, foi decisiva para a configuração de muitas das idéias geográficas, particularmente no campo da geografia física. Entretanto, sua figura e obra permaneceram, de certa maneira, como um fato isolado1, tendo que se esperar até o último terço do século XIX para encontrar uma disciplina bem desenvolvida e alguns anos mais para se poder falar com toda propriedade de uma geografia humana sistemática.

A GÊNESE DO PROJETO CIENTÍFICO HUMBOLDTIANO

Nascido em 1769 e pertencente a uma família aristocrática prussiana, cujo pai, maçom e racionalista, preocupou-se em dar uma educação esmerada para seus filhos através de preceptores, Alexander Von Humboldt recebeu muito cedo uma boa formação em economia política graças às aulas do fisiocrata Wilhelm Dohm. Sua formação posterior em matemática, ciências naturais, botânica e física, mineralogia — com professores particulares e através de seus estudos na Academia de Minas de Freiberg (1790-1792)2 — e em tecnologia se completou, em seguida, com uma boa educação financeira devido a seus estudos de “Comércio”, disciplina destinada a formar os altos funcionários de finanças. Por outro lado, sua ânsia de liberdade, seu desejo e necessidade vital de desenvolvimento pessoal fora do âmbito de seus preceptores e do ambiente familiar, bem como a influência dos círculos cosmopolitas judaicos, que freqüentou em Berlim, e de George Forster, que havia acompanhado o Capitão Cook em sua segunda viagem ao redor do mundo, contribuíram para a formação de um espírito viageiro que se traduziria em diversas viagens e, sobretudo, na grande expedição à América Espanhola3. Charles Minguet que estudou com atenção particular os anos de educação de Humboldt e as tensões psicológicas que influíram em algumas de suas decisões assinala, com

1 Segundo escreveu P. CLAVAL, 1974, p. 29.

2 A Academia de Minas de Freiberg fundada em 1766 era uma das grandes escolas de geologia e foi considerada “um dos torrentes que conduz à moderna geologia” (HALL, 1976, p. 211). Humboldt estudou ali em 1791-92 e foi discípulo de A. G. Werner.

3 A bibliografia sobre Alexander Von Humboldt é bastante abundante. Duas excelentes biografias são as de H. BECK, 1971 e MINGUET, 1969. Na Espanha ocupou-se de Humboldt, MELON, 1931-1960. Não seria estranho que Georg Forster houvesse influenciado Humboldt, despertando-lhe a idéia de uma viagem a América e facilitando-lhe relações que lhe permitiram realizar a expedição. Através de Fausto de Elhuyar, Forster teve contatos com a Corte espanhola e inclusive havia aceitado em 1787 passar ao serviço de Espanha e tomara nacionalidade espanhola trabalhando como cientista. Veja-se sobre isso GIL NOGALES, 1980.

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referência à vocação científica deste autor: “As forças vitais de Alexander, que pareciam durante sua adolescência relativamente débeis, mas que adquiriram depois uma considerável extensão, se aplicaram unicamente na direção indicada, o estudo da natureza, excluindo de sua vida qualquer outra paixão, e em particular as relações sentimentais com mulheres”4.

Alexander von Humboldt realizou com Georg Forster uma viagem pela Alemanha, Inglaterra e França, durante a qual pode assistir a alguns dos acontecimentos da Revolução Francesa, que deixaram nele uma admiração e uma marca inesquecível. Pouco a pouco, foi-se definindo o projeto de uma expedição científica às terras não européias, com a finalidade de realizar um estudo sistemático da natureza, aproveitando a ampla e variada formação que possuía. Depois de várias tentativas mal sucedidas para viajar à África e Oriente Próximo embarcou finalmente em La Coruña (5 de junho de 1799), rumo à América espanhola. Seu propósito é bem claro, não se trata somente de realizar uma expedição científica clássica com instrumentos astronômicos de primeira ordem: “tudo isso não é, entretanto, o objetivo principal de minha viagem. Meus olhos devem estar sempre fixados sobre a ação combinada das forças, a influência da criação inanimada sobre o mundo animal e vegetal, sobre esta harmonia”5.

Já desde o próprio começo de sua viagem, é toda a complexa e rica problemática das relações entre os distintos fenômenos de nosso planeta o que Humboldt tratava de investigar. Neste sentido, pode-se afirmar que Humboldt não assentou as bases da “Física do Globo” por casualidade, como resultado do encadeamento das observações empíricas realizadas sobre o terreno. Na própria base de suas viagens à América encontra-se a idéia genial que logo seria tão influente na ciência geográfica. O caso de Humboldt mostra – como muitos outros exemplos científicos – que só se encontra o que se busca, o que previamente já se havia intuído, o que havia sido objeto de uma formulação antecipada que permite selecionar e organizar os conhecimentos posteriores em função da primeira idéia6.

A preocupação inicial de Humboldt se manteve como idéia motriz durante toda a viagem e guiou também a redação dos volumes em que dava conta das investigações americanas. Na introdução da Informação histórica da viagem às regiões equinociais do Novo Continente diz: “Havia-me proposto um duplo fim na viagem cuja informação histórica publico agora. Desejava que fossem conhecidos os países que visitei e recolher fatos que lançassem luz sobre uma ciência apenas esboçada e muito vagamente designada com os nomes de Física do mundo, Teoria da Terra ou de Geografia física. De ambos os objetos pareceu-me mais importante o segundo [...] Preferindo sempre o conhecimento dos fatos isolados, ainda que novos, o do encadeamento dos fatos observados a longo prazo, parecia-me muito menos interessante o descobrimento de um gênero desconhecido que uma observação sobre as relações geográficas dos vegetais, sobre a migração das plantas sociais, sobre o limite de altitude a que se elevam seus diferentes grupos rumo ao cume das montanhas.”

4 MINGUET, 1969, p. 38.

5 Carta a von Moll, fechado no mesmo dia de seu embarque para América; cit. por MINGUET, 1969, p. 61.

6 Muito mais tarde, no Cosmos, Humboldt escreveria que “as correrias longínquas, que não serviram durante longo tempo mais que para fornecer a matéria de contos de aventuras, não podem ser instrutivas a não ser no tanto que o viajante conheça o estado da ciência cujo domínio deva estender e em quanto suas idéias guiem suas pesquisas e o iniciem no estudo da natureza (Ed. 1874, vol. I, p. 32).

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Mais adiante considera as vantagens das viagens ao interior dos continentes para realizar este projeto, porque são elas que permitem observar a disposição regular das camadas rochosas e dessa forma determinar a história de nosso planeta, assim como permitem reconhecer os tipos “na disposição das matérias brutas reunidas em rochas e na distribuição das plantas e animais”. E conclui:

“O grande problema da física do mundo é determinar a forma destes tipos, as leis dessas relações, os laços eternos que relacionam os fenômenos da vida e os da natureza inanimada.”7

A gênese desse projeto intelectual humboldtiano deriva certamente da convergência de três correntes de pensamento: duas delas científicas – a botânica e a geognosia – e uma terceira de caráter filosófico e literário – o idealismo e o romantismo alemão.

Desde 1793, pelo menos, Humboldt já havia definido sua preocupação com uma “restauração total das ciências”, em que se acentuava a integração dos diversos conhecimentos, ou – como ele mesmo escrevia – a tentativa de “introduzir unidade em todo o afã humano”. Interessava-se pela influência da natureza física sobre o homem e afirmava a necessidade de “ligar o estudo da natureza física com o da natureza moral e começar na realidade a levar ao universo, tal como o conhecemos, a verdadeira harmonia”8.

É provável que o primeiro estímulo para este projeto procedesse da influência que nele exercia o movimento romântico e a filosofia idealista, com os quais havia entrado em contato através do círculo berlinense de Mendelsohn e, mais tarde, por sua relação com as grandes figuras do romantismo alemão. De qualquer forma, nele existe uma idéia chave, a de “harmonia” da natureza, que se repete constantemente; e é também possível que sua estada em Freiberg e seus estudos de Geognosia lhe encaminharam ao objetivo de demonstrar experimentalmente a “harmonia da natureza” através de provas e experimentos físicos9. Por outro lado, não se pode esquecer que Humboldt teve relação com Schiller e Goethe, visitando este último em 1794, cujo estivera trabalhando em um projeto de novela “Sobre o Universo” no qual desenvolvera sua concepção harmônica da natureza10. O projeto científico de Humboldt se dispunha de demonstrar empiricamente esta concepção idealista da harmonia universal da natureza concebida como um todo de partes intimamente relacionadas, um todo harmonioso movido por forças internas, como ele mesmo diria em algum momento. Este foi o grandioso projeto científico que Humboldt acariciou durante toda sua vida, e que o conduziu em seu empreendimento a fundar a “Física do Globo” e que culminaria mais tarde, nessa obra de maturidade que é o

Cosmos.

Alguns aspectos do método de Humboldt podem ser destacados a partir uma perspectiva geográfica. Em primeiro lugar, Humboldt seguiu um método comparativo, e ao mesmo tempo incorporou sempre em suas investigações a perspectiva histórica. Um autor assinalou que “sua descrição não é puramente estática, mas, sim, recorre ao método histórico e

7 HUMBOLDT, 1818, ed. cast. in Biblioteca Indiana, IV, p. 569 e 570.

8 Carta à Brinkmann en 1793, em na que alude à grande capacidade de seu irmão Guilherme Humboldt “para enlaçar idéias e ver concatenações de coisas”. Cit. por BECK, 1971, p. 58-59. 9 BECK, 1971, p. 71 e subseqüentes.

10 BECK, 1971, p. 79. O mesmo Humboldt logo reconheceu a influência que tiveram em seu pensamento as idéias de Goethe sobre a natureza (BECK, 1971, p. 257). Sobre a concepção de Goethe em relação ao método adequado para o estudo do mundo natural, veja-se SEAMON, 1978.

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ao método comparativo”. E acrescenta: “É nisto, de fato, no que a Geografia é uma ciência nova, ao levar em conta tanto o ‘Sein’ como o ‘Werden’”11. Sem entrar aqui na discussão se realmente a união destas duas perspectivas é o específico da geografia, vale a pena, entretanto, atentar agora para cada uma delas.

Em relação ao método comparativo usado por Humboldt, cabe destacar somente que o usou de forma abundante e que alguns consideram que é precisamente este uso de comparações universais sua contribuição mais importante12. Humboldt comparava, de fato, sistematicamente as paisagens do setor que estudava com outras partes da Terra. Assim, por exemplo, comparava as planícies do Orinoco com os Pampas, os desertos do velho continente e os da América, o altiplano do México e o da Península Ibérica, as montanhas da Europa e as do Novo Mundo, como disse Dickinson13, “o essencial é que não só reconheceu paisagens únicas, mas observar que possuem relações gerais e causas genéticas comuns com áreas similares em outras partes da Terra; esta é a essência do método geográfico”.

A importância desta atitude é considerável. Realmente, como destaca J. Piaget14, a tendência a comparar, que não é tão natural como se pode crer, é um dos fatores que permitem o passo de uma ciência do estado pré-científico ao estado nomotético, permitindo um distanciamento em relação ao ponto de vista próprio, dominante em um primeiro momento. A utilização do método comparativo representa, pois, um passo decisivo na ciência. No caso de Humboldt, é provável que essa atitude procedesse de duas fontes: uma, a influência de Georg Forster, que em seus Quadros do Baixo Reno (1791-1794) havia comparado a paisagem alemã com paisagens inglesas e francesas15; outra, de seus conhecimentos botânicos, geológicos e zoológicos, e mais concretamente de seu conhecimento dos métodos da “anatomia comparada” que ele mesmo aplicou em suas observações.16

Por outro lado, a perspectiva histórica, a mudança, e a evolução foram questões que preocuparam a Humboldt desde antes de sua viagem à América, e que se expressa claramente na carta que escreveu a Schiller em 179417. Nela, critica “a maneira como foi tratada até agora a ciência da natureza, em que só se retinham as diferenças de formas, se estudava a fisionomia das plantas e dos animais, em que se confundia inclusive, o ensino das características, o ensino da identificação com a ciência sagrada”. Frente a este tipo de ciência, Humboldt diz que “é outra coisa mais elevada o que se tem que buscar”, e o que se deve procurar é:

“a harmonia geral na forma, o problema de saber se existe uma forma de planta original, que se apresenta sob milhares de gradações, a repartição destas formas na superfície da Terra, as diversas impressões de alegria e de melancolia que o mundo das plantas produz nos homens sensíveis, o contraste entre a massa rochosa morta, imóvel e inclusive entre os troncos das árvores que parecem inorgânicos, e o tapete vegetal vivo que reveste de certa maneira

11 MINGUET, 1969, p. 76.

12 Jaime Labastida na introdução à El Humboldt Venezolano, HUMBOLDT, 1977. 13 DICKINSON, 1969, p. 26.

14 Em PIAGET, MACKENZIE, LASARFELD et alli, 1973, p. 54. 15 BECK, 1971, p. 41.

16 Nos volumes XXIII-XXIV da “Série Americana”, dedicados a estudos de zoologia e anatomia. 17 Reproduzida por BECK, 1971, p. 76-77, e por MINGUET, 1969, p. 77.

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delicadamente o esqueleto com uma carne mais tenra; a história e a geografia das plantas, quer dizer, a descrição histórica da extensão geral dos vegetais sobre a superfície da Terra, uma parte não estudada da história geral do mundo; a investigação da mais antiga vegetação primitiva em seus momentos fúnebres (petrificação, fossilização, carvões minerais, hulha); a habitabilidade progressiva da superfície do globo; as migrações e os trajetos das plantas, plantas sociais e plantas isoladas, com os mapas correspondentes, quais são as plantas que têm seguido certos povos; uma história geral da agricultura; uma comparação das plantas cultivadas e dos animais domésticos; origem das duas degenerescências; que plantas são mais ou menos estritamente, mais ou menos livremente, submetidas à lei da forma simétrica; a volta ao estado selvagem das plantas domésticas [...] as perturbações gerais que se produziram na geografia das plantas como resultado das colonizações; tais são, me parece, os objetos dignos de atenção e não foram quase em absoluto tratados”.

O parágrafo é interessante porque através dele se comprova que, ao menos desde 1794, Humboldt já considerava como insatisfatório todo o sistema científico do século XVIII, baseado na realização de classificações, o qual havia levado na História Natural às classificações de Linneo, Tournefort e Buffon. Tratava-se de uma concepção que, em definitivo, considerava a Natureza como imóvel, e aceitava a possibilidade de realizar uma classificação estática de seus elementos. Frente a ela, desde pleno século XVIII uma série de figuras (Bonnet, Benoît de Maillet, Diderot) “já pressentem a grande potência criadora da vida, seu inesgotável poder de transformação, sua plasticidade e esta deriva que envolve todos seus produtos, entre eles nós, num tempo do qual ninguém é dono. Muito antes de Darwin e de Lamarck, o grande debate do evolucionismo foi aberto por Telliamed, a Palingénesie e o Rêve de D’Alambert”.18

Humboldt já pertence, por esta visão histórica e dinâmica da natureza, à nova era científica, a qual no século XIX conduzirá a este descobrimento fundamental da ciência contemporânea que é o evolucionismo. Frente à Natureza concebida como algo estático e contínuo como fazia em geral a ciência do século XVIII, Humboldt vê claramente que é preciso considerar a história das plantas, a história da Terra, a evolução do nosso planeta, refletida nas plantas e organismos fossilizados. Por outro lado, frente à concepção espacial dos naturalistas preocupados com as taxonomias, para os quais como disse Foucault19 “o espaço real geográfico e terrestre em que nos encontramos nos mostra os seres misturados uns com os outros, em uma ordem que com relação à grande camada das taxionomias não é mais do que acaso, desordem e perturbação”, Humboldt adota um ponto de vista totalmente diferente e se coloca o problema de compreender as relações que unem em um mesmo espaço a fenômenos e elementos aparentemente desconexos, ou cuja conexão não pode ser deduzida de um sistema taxionômico. Frente à concepção que reflete a frase de Adanson em seu Cours

d’historie naturelle (1772)20, de que a natureza “é uma mistura confusa de seres que o acaso aparentemente aproximou [...]; esta mescla é tão geral e múltipla que parece ser uma das leis da

18 FOUCAULT, 1966, ed. cast. p. 127. 19 FOUCAULT, 1966, p. 148. 20 Cit. Por FOUCAULT, 1966, p. 149.

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natureza”, bastará situar as palavras de Humboldt sobre sua idéia de harmonia da natureza, sobre as relações entre os fenômenos que se dão em nosso planeta, para compreender a imensa distância que separa a concepção humboldtiana da do século XVIII.

Humboldt aceita plenamente a distinção kantiana entre “sistemas da natureza” e “descrições da natureza” e admite que os primeiros “nos põem em evidência um admirável enlace de analogia de estrutura, seja no desenvolvimento completo destes seres, seja nas diferentes fases que percorrem segundo uma evolução em espiral”, de outro lado salienta que “todos estes pretensos sistemas da natureza, engenhosos em suas classificações, não nos mostram os seres distribuídos por grupos no espaço com respeito às diferentes relações de latitude e altura a que estão situados sobre o nível do oceano e segundo as influências climatológicas que experimentam em virtude de causas gerais”21. Este foi o estímulo intelectual que o conduziu ao desenvolvimento de sua geografia física.

Nesta geografia física, que culmina no Cosmos, Humboldt procura elevar-se a uma reflexão científica a partir do que antes era considerado um puro acaso incompreensível. Nele escreve, de fato, que a primeira olhada à vegetação de um continente nos mostra “as formas mais distintas, como as gramíneas e as orquídeas, as árvores coníferas e os carvalhos, próximas umas das outras; e se vê ao contrário as famílias naturais e os gêneros que longe de formar associações locais estão dispersos como o acaso”. Porém “esta dispersão, não obstante, é aparente”; e precisamente:

“a descrição física do globo nos mostra que o conjunto da vegetação apresenta numericamente no desenvolvimento de suas formas e de seus tipos, relações constantes; que sob climas iguais, as espécies que faltam em um país estão substituídas no próximo por espécies de uma mesma família; e que esta lei de substituições que parece consistir nos mistérios do organismo originário, mantém nas regiões limítrofes a relação numérica das espécies de tal ou qual grande família, com a massa total das fanerógamas que compõe as duas floras”.22

Para Humboldt, “a descrição da natureza está intimamente ligada com sua história”, porque as recordações do passado estão presentes por toda parte, tanto no mundo orgânico como no inorgânico. No orgânico, de fato, “não é possível fixar a vista sobre a crosta de nosso planeta, sem encontrar as marcas de um mundo inorgânico destruído”. No inorgânico, as rochas mostram continuamente, com sua forma e sua composição, a história do planeta. História e natureza aparecem intimamente associadas como geografia física e história. Esta concepção dinâmica do universo e sua crítica das taxonomias estáticas e rígidas, que não reconheciam a existência de formas intermediárias e de transição, permitiram a Humboldt chegar até o limiar do evolucionismo, e se não chegou a ser um deles, foi reconhecido como “o elo entre a concepção mecânica e a concepção evolucionista da natureza”, exercendo uma clara, e hoje sabida, influência sobre a obra de Darwin23.

21 HUMBOLDT, Cosmos, Ed. 1874, I, p. 45. 22 HUMBOLDT, Cosmos, volume I, 1845, p. 46.

23 CANNON,1969, EGERTION,1970. Ver LABASTIDA,1977, p. 39-40. A relação entre a crítica das taxionomias e a posição pré-evolucionista se reflete, por exemplo, nestas palavras do Cosmos (Ed. 1874, Vol. I, p. 31): “a transição e o enlace (entre as espécies, os gêneros, os indivíduos) se fundam sucessivamente em uma diminuição ou desenvolvimento excessivo de certas partes, sobre soldaduras de órgãos distintos, sobre a preponderância que resulta de uma falta de equilíbrio no balanço das forças, sobre relações com formas que, longe de serem permanentes, determinam somente certas fases de um desenvolvimento normal”.

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O estudo das inter-relações no espaço supunha, por outro lado, a análise da distribuição espacial dos diferentes fenômenos. De fato, outro aspecto interessante da contribuição de Humboldt é a utilização de certos métodos cartográficos que, em alguns casos seguem, todavia em vigor. É o que ocorre, por exemplo, com a utilização de isolinhas. A partir de uma idéia de Halley sobre o magnetismo, Humboldt foi o primeiro a unir, mediante linhas, os pontos que possuíam a mesma temperatura média anual (isotermas), assim como as temperaturas estivais (isoterais) e invernais (isoquímenas) conferir com um climatologias se as palavras isoteriais e isoquímenas estão corretas no português calculando também, no informe científico de sua viagem à Ásia Central, as amplitudes térmicas. Em seu trabalho sobre As linhas isotermas e a distribuição do calor no globo, propôs o sistema de representação ainda utilizado. Ao mesmo tempo, Humboldt realizou secções de relevo para mostrar as alturas e as correspondências com os fenômenos que observava. A inspiração para realizar perfis de grandes áreas ou “mapas de altura” lhe veio de suas experiências na mineração, e pode representar assim “países inteiros por um método que até hoje não se empregou senão para as minas ou para pequenas porções de terreno por onde devem passar canais”.24

Através da sua variada formação, Humboldt pode oferecer contribuições decisivas a diversos ramos da ciência, sobretudo à geologia, à mineralogia, à meteorologia e climatologia (nome que parece haver criado), à geografia botânica, assim como à oceanografia (estudo da corrente marítima com seu nome), à hidrologia e ao estudo do problema do geomagnetismo.

No desenvolvimento de seu pensamento e de seu método geográfico, a viagem à América foi realmente decisiva, como ele mesmo reconheceu mais tarde25. Particularmente importantes foram suas observações nos Andes equatoriais, onde pode analisar as mudanças de vegetação em relação à altura, assim como as que realizou na Nova Espanha, onde estabeleceu pela primeira vez a divisão, ainda utilizada, entre terras quentes, terras temperadas e terras frias, divisão, totalmente deve-se dizer, inspirada - como ele mesmo ressalta26 - nas denominações que lhes dava popularmente a população. Na viagem à Ásia Central, ao contrário, foram sobretudo as observações geomagnéticas, geológicas e astronômicas que predominaram, já que o objetivo era o estudo dos recursos minerais. O mais destacável dessa notícia de viagem (publicada em 1843) são as teorias sobre montanhas e mesetas, e os cálculos sobre alturas e sua influência na altura média dos continentes; os estudos sobre hidrologia e sobre o Cáspio; e o exame das causas das variações das isotermas em relação a sua disposição teórica segundo os paralelos. O papel das massas continentais e de sua configuração topográfica, assim como a respectiva disposição das massas marinhas e continentais e sua articulação (uma expressão que logo obteria muito êxito) são alguns dos aspectos sobre os quais Humboldt trouxe valiosas contribuições.

24 HUMBOLDT: Ensaio político sobre Nova Espanha, Ed. 1978, p. 22. Humboldt discutiu amplamente os problemas de representação gráfica do território na sua Introdução à Pasigrafia geológica, obra que redigiu no México a pedido de Andrés Manuel del Río e que se incluiu nos Elementos de Orictognosia (1805) do geólogo espanhol. Veja-se HUMBOLDT, 1805. Esta obra afirma que “a princípios de 1795 me pus a figurar países inteiros, como se representa uma mina” (p. 162).

25 Veja-se MINGUET, 1969, p. 563. A publicação dos resultados da viagem à América de fez nos 30 volumes editados em Paris entre 1807 e 1834 com o título geral de Viagem às regiões Equinociais do Novo Continente feita em 1799... e 1804 por A. de Humboldt e A. Bonpland. Uma descrição do conteúdo destes 30 volumes pode ver-se na introdução de Juan A. Ortega y Medina ao Ensaio político sobre Nova Espanha, HUMBOLDT (Ed. 1978, p. CLI-CLIII) e em MELON, 1960a.

26 HUMBOLDT: Ensaio Político sobre a Nova Espanha, Ed. 1978, p. 25.

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Os geógrafos destacaram também que Humboldt é o primeiro que faz alusão às paisagens naturais, como expressão de áreas homogêneas. Assim escreve num de seus ensaios sobre plantas:

“Da mesma forma que reconhecemos em distintos seres orgânicos uma fisionomia determinada, e do mesmo modo que a Botânica descritiva e a Zoologia consistem, em sentido restrito, em uma análise detalhada das formas dos animais e vegetais, da mesma maneira cada região da Terra possui uma fisionomia natural peculiar a cada uma”27.

Quais são as raízes dessa valorização da “fisionomia das regiões” é algo que está por se estudar. Sem dúvida, para um naturalista habituado a aplicar os princípios de caracterização morfológica que estavam na base das taxonomias setecentistas, era fácil a passagem rumo a uma caracterização fisionômica das paisagens naturais. E, além do mais, isso reflete uma sensibilidade ante a paisagem que era comum entre os naturalistas da época. Talvez se devesse prestar atenção à influência que nele pode exercer a obra de naturalistas como Horace Benedict de Saussure, que Humboldt conheceu em Genebra em 1795, e que cita explicitamente como modelo de sua Informação Histórica da Viagem às Regiões Equinociais28, para justificar a inclusão de descrições e quadros de paisagem sobre temas variados, e de quem muito provavelmente procedem os roteiros para a observação e descrição das áreas montanhosas.

Porém, além disso, é necessário colocar esta sensibilidade em relação com o novo sentido da paisagem, próprio do movimento romântico, com essa exaltação da natureza que aparece em tantas obras literárias da época - como, por exemplo, em Paul et Virginie, a novela de Saint-Pierre de que tanto Alexander gostava - e que conduz a uma valorização das descrições e a uma vivência íntima com a paisagem natural.

A indubitável sensibilidade de Humboldt diante da paisagem e suas repetidas alusões ao “prazer” que se obtém de sua contemplação são, sem dúvida, uma dívida a mais desse autor com o espírito romântico da época.

Este sentimento da natureza e da paisagem reflete-se em toda a obra de Humboldt, porém aparece vivo sobretudo em seus Quadros da Natureza, publicados primeiramente em alemão em 1808, obra na qual expõe literariamente, para um público amplo, o resultado de seu trabalho científico na América. A obra está inspirada em outra de Georg Forster, o companheiro de sua viagem européia de 1790, Quadros do Baixo Reno (1791-1794), a qual foi considerada, apesar de sua forma de diário, outro claro precursor do método geográfico regional29. Assim, através de Forster, de Goethe e da literatura pré-romântica, o sentimento da natureza foi elevado por Humboldt a uma clara expressão científica e difundido, por seu grande prestígio, a um público amplo.

Em Humboldt aparece claramente a relação entre grandes estruturas físicas e atividades humanas. Era uma preocupação que ele tinha a muito tempo. Ao menos desde 1793, como vimos, e volta a aparecer em 1797 ao serem publicados seus Ensaios nos quais se

27 Cit. por DICKINSON, 1969, p. 25.

28 HUMBOLDT, Relación histórica, Introducción, Ed. 1962 (Biblioteca Indiana), p. 576. 29 MINGUET, 1969, p. 42.

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preocupa, por exemplo, com a influência da natureza sobre a saúde humana e em que proclama sua esperança de que algum dia conseguiria “trazer à luz estas conexões observadas entre os mundos material e moral”30. Mais tarde no Ensaio Político sobre a Nova Espanha afirma que: “a fisionomia de um país, o modo com que estão agrupadas as montanhas, a extensão das planícies, a elevação que determina sua temperatura, enfim, tudo o que constitui a estrutura do globo, tem as relações mais essenciais com os progressos da população e o bem estar dos habitantes. Essa estrutura influi no estado da agricultura, que varia segundo as diferenças dos climas, na facilidade do comércio interno, nas comunicações mais ou menos favorecidas pela natureza do terreno e, por fim, na defesa militar da qual depende a segurança externa da colônia. Somente sob estes aspectos as grandes indagações geológicas podem interessar ao homem de Estado, quando calcula as forças e a riqueza territorial das nações.”31

Também na Informação Histórica da viagem às regiões equinociais refere-se aos resultados gerais que pensa ter obtido na sua viagem à América e que “abraçam, ao mesmo tempo, o clima e sua influência sobre os seres organizados, o aspecto da paisagem, que muda segundo a natureza do solo e de seu manto vegetal. A direção das serras e dos rios que separam assim as raças de homens como os grupos de vegetais; essas modificações, enfim, que afetam o estado dos povos situados em diferentes latitudes e em circunstâncias mais ou menos favoráveis para o desenvolvimento de suas faculdades.”32

A visão dos sofrimentos dos homens lhe aparecia freqüentemente por detrás das ricas e, aparentemente, alegres paisagens que percorria. Humboldt foi um homem de firmes convicções políticas liberais e que, apesar de suas origens aristocráticas e de sua privilegiada situação econômica e social, defendeu sempre as aspirações dos grupos sociais oprimidos – quer se tratasse dos indígenas ou dos negros americanos, dos escravos estadunidenses ou dos servos do campo russo ou alemão - e manteve o “formoso e ardente desejo de instituições livres”33. É verdade que foi coberto de honrarias pelos reis da Prússia, que foi amigo do autocrata Frederico Guilherme III34, e que poderia ser considerado como um “democrata de Corte”35. Contudo, também é verdade que sempre defendeu um ponto de vista democrático, que sua elevada posição e imenso prestígio lhe permitiu manter sempre.

Sua posição política e sua atitude frente à miséria e à injustiça reflete-se bem nesta frase: “é um dever do viajante que viu os tormentos e degradações da natureza humana levar as denúncias dos desafortunados ao conhecimento daqueles cuja tarefa é procurar seu alívio”36. Esta consciência da miséria ofuscava seu prazer pela natureza em algumas ocasiões. Como quando rememorando os ricos cultivos dos vale do Güines, próximo de Havana, lembra o sofrimento dos escravos africanos que nela trabalhavam e escreve: “a vida do campo perde seu

30 BECK, 1971, p. 122.

31 Humboldt, Ensaio político... Ed. 1978, p. 21. 32 Humboldt, Notícia Histórica, Ed. Biblioteca Indiana, IV, p. 572.

33 Escrito por Humboldt em 1852 em seu Gespräche mit einem jungem Freunde, cit. por Kellner, 1963, p. 217-218.

34 O qual conhecia as opiniões liberais de Alexander von Humboldt, mas que o considerava “como politicamente inofensivo” e tanto ele como seu ministro Gentz “se riam dele” (Beck, 1971, p. 295). As ambiguidades da posição política de Humboldt ficam bem refletidas na obra de Beck.

35 Minguet, 1969, p. 88.

36 Humboldt: Ensaio Político sobre a ilha de Cuba, cit. por Kellner, 1963, p.129.

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atrativo quando é inseparável do aspecto da infelicidade de nossa espécie”37. Foi sem dúvida este sentimento da injustiça e do sofrimento e de sua fama de denunciar as injustiças sociais que lhe fechou as portas das possessões inglesas na Ásia, que ele queria visitar38, e o que impediu de tratar questões humanas na sua viagem à Ásia Central russa, por imposição expressa do ministro Conchrin.39

HUMBOLDT E A GEOGRAFIA FÍSICA

São tantas as alegações feitas sobre o caráter geográfico da obra de Humboldt40 e em particular sobre seu projeto essencial de fundamentar uma física do Globo, que poderia parecer uma atitude atrevida opor-se a este tipo de interpretações. E, contudo, se lermos atentamente a obra de Humboldt, sem preconceitos corporativos e sem a obsessão de justificar a todo custo a ciência geográfica e estudá-la retrospectivamente a partir da definição que em seguida se deu a ela, e se nos esforçarmos, ao contrário, em situar sua obra no panorama da ciência de seu tempo, torna-se evidente, me parece, que somente uma parte concreta da produção científica humboldtiana possuía realmente o caráter de “geografia”. Com sua física do globo Humboldt não estava fundamentando a geografia moderna, e sim esforçando-se em estabelecer uma ciência totalmente nova, que pouco tinha que ver com a geografia da época.

A confusão, neste sentido, procede essencialmente da utilização por Humboldt de duas expressões: a de “geografia física” que em várias ocasiões considera mais ou menos equivalente à sua Física do Globo e Geografia das plantas. Porém, convém advertir que ambas eram expressões habituais usadas pelos naturalistas da época e que talvez não tenhamos que atribuír-lhes o sentido que depois lhes foi dado.

O termo geografia física era utilizado correntemente pelos naturalistas da época e se relacionava com um projeto bastante compartilhado de constituir uma teoria da Terra. Assim o expressava, em 1787, Horace Benedict de Saussure, o naturalista suíço que tanto influiu em Humboldt, ao considerar que havia chegado o momento de desenvolver uma ciência da Terra baseada nas observações e não na especulação e na elaboração de sistemas: “a ciência que reúne os fatos, os únicos que podem servir de base à teoria da Terra ou à Geologia é a geografia física, ou descrição de nosso globo; de suas divisões naturais, da natureza de suas estruturas e da situação de suas diferentes partes; dos corpos que se mostram na superfície e dos que encerra em todas as profundidades em que nossos débeis meios nos permitiram penetrar”41.

Saussure dedicou-se a realizar estas observações e a reunir os “fatos” nos Alpes, já que estava convencido de que “é, sobretudo, o estudo das montanhas que pode acelerar os progressos da teoria deste globo”. Contudo seus trabalhos eram considerados pelos

37 Humboldt: Ensaio político sobre o Reino da Nova Espanha. Ed. 1978, p. 236. 38 Theodoriadis, 1966.

39 Kellner, 1963.

40 Em algum caso até se estabelece o ano de sua conversão. Assim para Pau Villa, Humboldt é o iniciador da geografia moderna, porém “Venezuela lhe fez geógrafo”, Vila-Carpio, 1960, p. 160. 41 Saussure, H-B.: Voyage dans les Alpes, 1787, I, p. VI.

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contemporâneos, e podem ser, ainda hoje, como próprios de um naturalista e não como os de um geógrafo. De fato, sua “paixão pela geografia física” estava permitindo que contribuísse com o desenvolvimento da geologia e é na história desta ciência que com mais propriedade podem ser incluídas suas Viagens pelos Alpes. Leve-se em consideração que na França, na Suiça francófona, na Espanha e outros países, o termo “geologia” somente se generalizou depois de 1778, e até essa data usava se habitualmente a expressão “Geografia física”.42

No século XVIII alguns naturalistas alemães reconheciam a existência de uma história e uma física dos três reinos da natureza. O botânico Ludwig havia defendido em 1742 que o método histórico observaria o externo e conduziria à classificação, enquanto que o método físico penetraria corpos naturais e permitiria mostrar o nascimento e as transformações de suas partes. Esta dimensão histórica era para os filósofos como Wolf a das verdades de fato, frente às verdades da razão43. Nestas distinções a geografia aparecia certamente como mais vinculada à história, à medida que oferecia dados e verdades de fato, enquanto que através da física era um tipo diferente de problemas que se colocavam.

As idéias de Humboldt sobre a geografia física dependiam muito da “Geognosia” de Werner, de quem foi discípulo durante os estudos da Academia de Minas de Freiberg, em 1791. A identificação entre “Geognósia”, “ciência da Terra” e “geografia física” aparece aceita pelo próprio Humboldt na sua Flora Fribergensis Specimen (1793), na qual define a tarefa desta ciência como o estudo do que coexiste no espaço, considerando ao mesmo tempo os fenômenos inorgânicos e orgânicos.44

Humboldt manteve por toda sua vida esta identificação entre ciência da terra e geografia física, a qual aparece explicitamente sustentada em 1828, por ocasião de suas conferências na Universidade de Berlim45 e em seguida na obra que delas deriva, o Cosmos. Nesta última obra Humboldt faz alusão à descrição física do mundo como “ciência independente” e escreve que “se desde longo tempo os nomes das ciências não tivessem se distanciado de seu verdadeiro significado lingüístico, a obra que publicou deveria levar o título de Cosmografia e dividir-se em Uranografia e Geografia”, que eram, efetivamente, as partes em que aquela se dividia tradicionalmente. Porém, estas expressões e outras como fisiologia, física ou história natural, ofereciam a grande desvantagem de ter um sentido diferente nas línguas da antigüidade clássica das quais foram tomadas, porque “nasceram e começaram a ser usadas habitualmente muito antes de que se houvesse idéias claras sobre a diversidade dos objetos que estas ciências deveriam abraçar, ou seja, antes de sua recíproca limitação”46. De uma maneira mais concreta,

42 Broc, 1975, p. 200, nota 49. A respeito de Espanha basta citar o testemunho de Guillermo Bowles em sua Introducción a la Historia natural y a la geografía física de España (Madrid, 1775): “a geografia física é o conhecimento das terras de nosso globo desde a superfície até o mais profundo que os homens penetraram”. A obra de Bowles é essencialmente um estudo de mineralogia e geologia. Poderia citar-se numerosos exemplos para demonstrar que as questões relacionadas com a constituição da Terra, sua estrutura interior e as formas de sua superfície eram objeto da física durante o século XVIII. Entre eles pode servir a obra de Carra, 1781. É sem dúvida dessa linha da qual surgiu a idéia de uma “física do globo”. Como prova suplementar pode assinalar-se que durante todo o século XVIII as observações com o barômetro e termômetro,a determinação de alturas, as observações sobre vulcões e terremotos e as características do solo eram consideradas dentro da Física. Assim se fazia, por exemplo, nos “Anais de História Natural” (logo “Anais de Ciências Naturais”) de Madrid; no Índice geral do vol. I (1800) se agrupam os artigos publicados segundo se refiram ao reino animal, vegetal ou mineral, à química e a física; neste último se incluem uma carta de Humboldt desde América, um artigo de N. S. Franqui sobre um vulcão de Tenerife, outro de J. Varela sobre determinadas alturas em Canárias e outro de G. Thalacker sobre “Pontos de elevação conhecidos na Europa, África e América, e em Valencia”. Uma disposição semelhante nos volumes seguintes.

43 Cassirer: El problema del conocimiento, vol IV, p. 212. Aqui se encontra a raiz da posterior distinção kantiana entre a “descrição da natureza” própria da história e da geografia e os “sistemas da natureza”. 44 Beck, 1971, p.73-74.

45 Beck, 1971, p. 315 e seguintes. e em particular a carta de Berghaus de 20 de dezembro de 1827, p. 319. 46 Humboldt: Cosmos, Ed. 1874, vol. I, p. 41.

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considera que para a parte terrestre da física do mundo “conservaria de bom grado a antiga e expressiva denominação da Geografia Física”.47

Esta geografia física tal como a definiu no Cosmos:

“Trata da distribuição do magnetismo em nosso planeta, segundo as relações de intensidade e de direção; porém não se ocupa das leis que oferecem as atrações ou repulsões dos pólos, nem dos meios de produzir correntes eletromagnéticas permanentes ou passageiras. A Geografia Física elabora em grandes traços a configuração compacta ou articulada dos Continentes, a extensão de seu litoral comparado com sua superfície, a divisão das massas continentais nos dois hemisférios, divisão que exerce uma influência poderosa sobre a diversidade de climas, e as modificações meteorológicas da atmosfera; mostra o caráter das cadeias de montanhas, que soerguidas em diferentes épocas, formam sistemas particulares, seja paralelos entre si, ou divergentes e cruzados; examina a altura média dos Continentes sobre o nível dos mares e a posição do centro de gravidade de seu volume, a relação entre o ponto culminante de uma cadeia de montanhas e a altura média de seu cume ou sua distância de um litoral próximo.

Descreve também as rochas de erupção como princípios de movimento, posto que trabalham sobre as rochas sedimentares que atravessam, soerguem ou inclinam; contempla os vulcões que quer se encontrem isolados ou colocados em séries, simples ou duplas, quer se estendam a diferentes distâncias da esfera de sua atividade, seja pelas rochas que em degraus largos e estreitos produzem, seja removendo o solo por círculos que aumentam ou diminuem de diâmetro no andar dos séculos.

A parte terrestre da física do Cosmos descreve, por fim, a luta do elemento líqüido com a terra firme; expõe quanto têm de comum os grandes rios em seu curso superior ou inferior, e em sua bifurcação, quando seu leito ainda não está inteiramente concluído; apresenta as correntes de água partindo as mais elevadas cadeias de montanhas, ou seguindo durante longo tempo um curso paralelo a elas, seja em sua base, ou a grandes distâncias, quando o soerguimento das camadas de um sistema de montanhas, e a direção da rugosidade são conformes à que seguem os bancos de areias mais ou menos inclinados da planície. Os resultados gerais da Orografia e da Hidrografia comparadas, pertencem unicamente à ciência da qual desejo aqui determinar os limites”.48

É evidente que isto pode constituir um projeto significativo de investigação científica, porém não está clara a relação do mesmo com o que até o século XVIII se entendia por Geografia,49 nem com o sentido, em sua época, de outros contemporâneos e do próprio Humboldt que atribuíam à expressão “geografia”. Tanto mais que Humboldt depois das palavras anteriores mantêm uma distinção entre “Geografia Física” por um lado, e “Geografia propriamente dita” e “Geografia Comparada”, por outro, considerando estas últimas como ciências descritivas e enumerativas, e como auxiliares “para a composição da geografia física”.50

47 Humboldt, A. de: Cosmos, Vol. I, Introducción, Ed. 1874, p. 42.

48 Humboldt, A. de: Cosmos, Vol. I, Introducción, Ed. 1874, p. 42-43. Neste último parágrafo existe um defeito de tradução: quer dizer que só os resultados gerais dessas ciências pertencem à geografia física. 49 Veja-se Capel: Geografía y matemáticas..., 1981.

50 Humboldt, A. de: Cosmos, Vol. I, Introducción, Ed. 1874, p. 43 e 51.

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Quanto à expressão “geografia das plantas” é preciso dizer que era também usada habitualmente pelos botânicos, para referir-se à distribuição espacial das espécies vegetais. Depois do estudo sistemático e das taxonomias, era a distribuição o que interessava, assim como determinar os fatores que nela influíam. É assim que um naturalista como Ramond havia estudado a variação da vegetação nos Pirineus em função da altitude e das mudanças de temperaturas, apresentando sobre isso uma comunicação à Academia de Ciências de Paris (Observations faites dans les Pyrenées, Paris, 1789) e voltando a tratar mais tarde do mesmo tema em uma obra de conjunto, as Voyages au Mont Perdu (Paris, 1801).

A idéia de geografia das plantas não veio a Humboldt da Geografia e sim da Botânica. E chegou a ele através de seu amigo botânico Karl Ludwig Willdenow, cujas concepções se dirigiam rumo ao desenvolvimento de uma fitogeografia ou geografia das plantas e em cuja Botânica (1792) aparece já um capítulo em no qual é analisada a influência do clima sobre a vegetação, as migrações de espécies e muitas outras idéias sobre a geografia das plantas que em seguida apareceram também na obra de Humboldt51. É aqui, e também em sua relação com os botânicos do círculo do naturalista Blumenbach na Universidade de Göttingen52, e na Idéia de uma Geografia das plantas de Giraud Soulavie53, que Humboldt se inspirou para o plano de sua Geografia das Plantas54.

De fato, em sua Flora Fribergensis specimen, publicada em 1793, com seus 24 anos, Humboldt já esboça um programa de pesquisa em geografia vegetal como parte da botânica. Tudo parece indicar que uma parte essencial de seu projeto científico esboçado nos anos 1793-1794, e que aparece refletido na carta de Schiller que anteriormente foi citada, procede em boa parte da influência do botânico Willdenow e foi em seguida enriquecida pelas contribuições que também fizeram à geografia das plantas outros botânicos e naturalistas como Leopoldo von Buch e Carl Smidt, que o próprio Humboldt aproveitou em seus estudos nas Ilhas Canárias.

Para Humboldt o termo “geografia das plantas” estava unido à Botânica e não à Geografia. Assim se nota por suas próprias palavras nas quais distingue claramente “Geografia” de “geografia das plantas”55, e assim deve-se interpretar também sua afirmação de que “a

classificação das espécies, que deve ser vista como a parte fundamental da botânica [...] é para a geografia dos vegetais o que a mineralogia descritiva é para a indicação das rochas que constituem a crosta exterior do globo"56. Após essas palavras, Humboldt considera que para conhecer as leis que seguem a disposição das rochas e determinar sua idade em regiões distantes, é preciso conhecer antes os fósseis simples que existem nas montanhas, cuja descrição e nomenclatura é ensinada pela orictognósia; e adiciona: “o mesmo sucede com essa parte da física do mundo que trata das relações que têm as plantas, ora entre si, ora com o solo que habitam, ora com o ar que respiram e modificam. Os progressos da geografia dos vegetais

51 Beck, 1974, p. 29-30 e 200. 52 Beck, 1971, p. 33. 53 Beck, 1971, p. 37.

54 Beck, 1971, p. 30. Chamar isto de “um primeiro objetivo de pesquisa geográfica” como faz Beck me parece inapropriado.

55 Como a carta a Rennenkampff de 7 de janeiro de 1812, en Beck, 1971, p. 271. De todas maneiras, veja-se uma opinião distinta em Hartshorne, 1939, p. 79. 56 Humboldt: Relación histórica del viaje a las regiones equinociales, Introducción, Ed. Biblioteca Indiana, vol. IV, p. 569.

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dependem, em grande parte, dos da botânica e seria prejudicial ao avanço das ciências querer elevar-se a idéias gerais descuidando do conhecimento dos fatos particulares”.57

Humboldt não se considerava a si próprio um geógrafo, e sim um físico, um naturalista, um químico, um botânico. Ele mesmo definiu o projeto científico que o conduziu à América como uma “empresa idealizada com o objetivo de contribuir para o progresso das ciências físicas”58, e considera que a publicação de seu trabalho pode oferecer interesse “para a história dos povos e o conhecimento da Natureza”. Constantemente ao longo de sua obra - e não somente no Cosmos - Humboldt distingue entre aquela parte de suas observações que pertence à mineralogia, à botânica e à geografia, do que é uma nova visão integrada de todos os fenômenos e que constituiria parte dessa “Física do Globo” que se propõe fundamentar.

Em geral, em suas palavras fica claro que a “geografia” é para ele os mapas e os trabalhos prévios indispensáveis para construi-los (observações astronômicas de latitude e longitude, nivelamentos com o barômetro, sobretudo) e talvez também a disposição das grandes linhas do relevo e “a enumeração fatigante das produções do país”59. Tudo mais - quer dizer, os estudos sobre plantas, rochas, sobre as estruturas das cordilheiras, as observações atmosféricas e sobre a intensidade das forças magnéticas - pertence seja à botânica, seja à geologia e mineralogia, ou à física.60

Humboldt distingue em algum momento entre “a história natural descritiva, a geografia e a economia política”61. Também quando escreve em Cuba refere-se aos distintos trabalhos que empreendeu no curso de suas viagens à América e propõe às pessoas que iriam publicar seus diferentes manuscritos de caráter astronômico, geognóstico, físico, químico, zoológico e botânico62, distinguir cuidadosamente as distintas ciências em que se integravam seus trabalhos, e sem mencionar neste caso, de forma nenhuma a geografia, que sem dúvida ia unida em seu pensamento à astronomia, já que as observações astronômicas eram o principal fundamento para os mapas.

A geografia era, para ele, essencialmente viagens e posições no mapa. São estes aspectos que ele tratou essencialmente na sua História da Geografia, e que naqueles momentos se identificaram acima de tudo com essa ciência. Essa era a idéia que seguramente adquiriu da geografia em sua passagem pela Universidade de Göttingen, que possuía uma longa tradição de estudos geográficos e uma biblioteca bem provida de coleções de viagens63. Também seria a idéia que ficaria de sua estada em Gotha junto a Franz von Zach, o astrônomo editor de umas Efemérides Geográficas Gerais que procuravam de determinar astronomicamente a posição dos lugares na Terra64.

57 Humboldt: Relación histórica..., p. 569. Os botânicos consideram a Humboldt o criador de uma geografia botânica que posteriormente desenvolveriam no século XIX botânicos como Pyrame de Candolle, Robert Brown ou Frédéric Schoun. La Géographie botanique de Alfonse Candolle (1855) seria a obra fundamental na consolidação desta corrente de pesquisa sobre a geografia das plantas dentro da botânica. Veja-se sobre isso o discurso pronunciado pelo catedrático de Botânica da Faculdade de Ciências de Paris em 1893 (Bonnier, 1893-94).

58 Humboldt: Relación histórica del viaje a las regiones equinociales, Introducción, Ed. Biblioteca Indiana, vol. IV, p. 569. 59 Humboldt: Relación histórica..., p. 572.

60 Podemos encontrar distinções deste tipo na introdução à Relación histórica del viaje a las regiones equinociales, em particular na página 572 da edição da Bibl Hispana, vol. IV. 61Humboldt: Relación histórica del viaje a las regiones equinociales, Introducción, Ed. Biblioteca Indiana, vol. IV, p. 576.

62 Beck, 1971, p. 186. 63 Beck, 1971, p. 33. 64 Beck, 1971, p. 101.

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Isso explica que para nosso autor o “conhecimento geográfico” do lugar, era antes de tudo a determinação de sua latitude e longitude65. Também eram os mapas o aspecto valorizado como “geográfico” por outros contemporâneos, como por exemplo o colombiano Caldas. Quando realizava essas observações, astronômicas - cartográficas que constituíam um dos objetivos da viagem à América, Humboldt era, sem nenhuma dúvida, um geógrafo.

Em várias oportunidades escreve frases que mostram claramente que para ele a geografia era a determinação de posições no globo e a produção cartográfica, e não o estudo da geologia e da física. Se tivesse pretendido só o primeiro não teria realizado uma expedição terrestre, mas uma viagem marítima, porque considerava que “o interesse das ciências naturais está” nestas, “subordinado ao da geografia e a astronomia náutica”; ao contrário as expedições marítimas “parecem menos adequadas para impulsionar a geologia e outras partes da física geral que as viagens no interior de um continente”. Para ele estava claro que “não é percorrendo as costas (em expedições marítimas) que se pode reconhecer a direção das cadeias de montanhas e sua constituição geológica, o clima peculiar de cada zona e sua influência nas formas e hábitos dos seres organizados”.66

Humboldt mostrou, por outro lado, um evidente distanciamento em relação à geografia. Quando se refere “aos geógrafos que tanta pressa tiveram de despedaçar o mundo para facilitar o estudo da ciência”67, está se referindo, sem dúvida, a uma ciência que não considerava sua (não disse “nossa ciência”). Na realidade, como havíamos dito, ele considerava a si um “físico”, um “naturalista”, um "filósofo da natureza” e em algumas ocasiões um “botânico”68. Dessa maneira o consideravam também seus contemporâneos, que valorizavam sobretudo suas contribuições à história natural, à física ou inclusive, à química.69

HUMBOLDT E A GEOGRAFIA REGIONAL

Para muitos geógrafos Humboldt não foi só o criador da geografia moderna mas, ao mesmo tempo, o da moderna geografia regional. Concretamente,70 o Ensaio político sobre o Reino da Nova Espanha é uma obra admirável71, que recebeu atenção e é considerada básica, nesse sentido.

65 Como se deduz de suas palavras sobre as observações que fez em Barcelona em 1799, Beck, 1971, p. 133. Em outra ocasião escreve sobre que “os relógios marinhos, ainda ampliando em tudo a massa de nossos conhecimentos geográficos...”. Humboldt, Relación histórica..., p. 576.

66 Humboldt: Relación histórica del viaje a las regiones equinociales, vol. IV, p. 570. A introdução desta obra foi escrita em 1811. Outro texto interessante a levar em consideração e que relaciona o trabalho do geógrafo com a elaboração de mapas aparece em Humboldt: Del Orinoco al Amazonas, 2ª. ed., 1967, p. 295.

67 Humboldt, A.: Ensayo político sobre ...la Nueva España, Ed. 1978, p. 220.

68 Vejam-se as referências concretas em HUMBOLDT,A.: Relación histórica del viaje a las regiones equinociales, Introdução (Ed. 196..., Bibl. Indiana, vol. IV, p. 576), de onde se designa como “ físico”; e em BECK, 1971, páginas 114 (“filósofo da natureza”) e 200 (“botânico”). Também em uma ocasião se designa como “fisiogeógrafo” (BECK, 1971, p. 229). Ao regressar da América, Humboldt valorava sobretudo seus trabalhos astronômicos, botânicos e químicos (BECK, 252) e considerava que seus trabalhos aportariam dados “da geologia e da física geral” (HUMBOLDT, Relación histórica...,Ed. 196..., Bibl. Ind., IV, p. 577.

69 O termo “físico ou naturalista” era o mais correntemente aplicado a Humboldt, como assinala BECK, 1971, p. 15. Ver-se também a referência bibliográfica incluída em HUMBOLDT, A.: Ensayo político...,Ed. 1978, p. CLIX (Lettre de M. Alex Humboldt, physicien...au citoyen Fourcroy, 1800). Por outra parte suas amizades e relações científicas mas importantes ao regressar da América foram com físicos e naturalistas como Gay Lussac, Arago ou Biot, com os quais manteve estreita colaboração. Em 1824 propus criar uma “Revista de Geografia e Etnografia” (BECK, 1971,p. 297), mesmo que fosse essencialmente para expor os resultados das explorações que pensava realizar ou estimular no México. Sobre sua colaboração com Berghaus em “ Hertha”, ver em BECK, p. 301.

70 Admirável, ainda aceitando as críticas e reservas que alguns autores e em particular os mexicanos, fizeram a ele. Veja-se o prólogo de Ortega y Medina à edição do Ensaio..., Humboldt, 1978, p. XLIX. 71 Publicado com o título de Essai politique sur le Royaume de la Nouvelle Espagne, Paris, 1807-1811, 2 vols.

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Assim R.L. Stevens Middleton, ao analisar esta obra, acreditou poder concluir que o plano da mesma era, em muitos aspectos, o mesmo que os estudos modernos de geografia regional, e comparou o referido plano com o de uma obra de L. Dudley Stamp, concluindo que “as regiões e os problemas são diferentes, mas a organização adotada na obra de Humboldt é essencialmente a mesma”72. Por isso ele e outros crêem que essa obra é o fundamento ou o protótipo da moderna geografia regional, o primeiro tratado geográfico verdadeiramente moderno, e o mexicano Jorge Vivó considera ainda, que deveria ter recebido o título de

Geografia da Nova Espanha”73. A mesma opinião tem R.E. Dickinson, o qual considera que Humboldt é, nesta obra, acima de tudo um geógrafo regional, “no sentido de que reconhece a interdependência dos fenômenos espaciais e a necessidade de explicar todo conjunto espacialmente distribuído em relação com seu contexto espacial”74. Por seu lado Hanno Beck crê que com o Ensaio Político iniciou-se a geografia moderna e, concretamente, a geografia econômica regional75.

Sem negar que o Ensaio tivesse posteriormente uma grande influência no pensamento geográfico, não é certo que possa ser considerada como uma obra de geografia.

Poder-se-ia talvez ser tentado a afirmar que no Ensaio se recolhe a linha da geografia descritiva de países, que na Alemanha haviam cultivado, com grande êxito, autores como Büsching. Um dos preceptores de Humboldt, em sua infância, foi Johan Cristian Kumth que havia sido precisamente discípulo de Büsching76. Mas sem necessidade de esgrimir esta possível linha de influência, é claro que a obra de Büsching era suficientemente conhecida na Alemanha para sê-lo também por Humboldt.

De qualquer forma, basta comparar o plano do Ensaio com a desordenada disposição de temas que aparecem na geografia de Büsching77, perceber que não é aí que estaria o estímulo para a obra sobre Nova Espanha. Tanto mais que convém não esquecer, por outro lado, que na segunda metade do século XVIII o desenvolvimento da estatística havia levado numerosos autores (como, por exemplo, Achenwall) a considerar a geografia política como carente de sentido78, e que neste confronto tanto Humboldt como seus contemporâneos tendiam a considerar a obra sobre o México como estatística79.

Na realidade, é de seus estudos de economia política e comércio realizados na Academia Comercial de Hamburgo dirigida pelo economista Johan Georg Busch, que procedem os estímulos intelectuais e a tradição que conduz ao Ensaio político sobre o Reino da Nova Espanha. É essa formação que lhe permitiu realizar durante sua viagem à América uma ampla análise da economia e da sociedade das possessões espanholas, em termos de produções, comércio com a metrópole e características das sociedades locais.

72 STEVENS, 1956. 73 VIVO, 1962. 74 DICKINSON, 1969, p. 28.

75 BECK, 1971, p. 309. Discute também a possível prioridade de Haenke. 76 BECK, 1971, p. 23.

77 Por exemplo BUESCHING, 1769-1773. 78 BECK, 1971, p. 34 e 74.

79 Assim Humboldt em Ensayo, Ed. 1978, p. 18 onde afirma que sua obra se limitará “aos resultados gerais, porque não são próprios da estatística os resultados da História Natural”; sobre o juizo dos contemporâneos considerando o Ensaio como uma Estatística de México, ver-se BECK, p. 260.

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O plano da obra e os temas tratados são melhor entendidos se inseridos na tradição da economia política da época, que na da geografia.

Humboldt inicia apresentando considerações gerais sobre a extensão e o aspecto físico da Nova Espanha e “sem entrar em nenhum pormenor de história natural descritiva” - porque estes temas eram tratados em outros volumes da série americana - estudava “a influência das desigualdades do solo sobre o clima”, a agricultura, o comércio e a defesa das costas. Em seguida, no livro segundo estudava a população em geral e as distintas castas que a compõem.

O terceiro livro apresentava a estatística particular de cada uma das intendências, sua população e sua área “calculada - acrescenta Humboldt - segundo as cartas geográficas que eu mesmo levantei por minhas observações astronômicas”. Depois, no quarto livro, examina o estado da agricultura e das jazidas de minerais metálicos; no quinto os progressos das manufaturas e o comércio; e no sexto realiza indagações sobre as rendas do Estado e sobre a defesa militar do país.

Esta perspectiva analítica e o tratamento dos temas mostra que o Ensaio é, na realidade, uma obra de economia política, como seu próprio título já aponta e como, ao longo do texto, se comprova repetidamente80. Os temas são os habituais em obras de economia política da época dedicadas ao estudo das regiões e países, e aparecem, por exemplo, em obras como a História da Economia política de Aragão (1798) de Ignacio de Asso, ou na Descrição Econômica do Reino de Galícia (1804) de Lucas Labrada, para citar somente duas obras espanholas. É isso que faz com que o Ensaio esteja “em forte contraste com as compilações enciclopédicas de escritores desde os dias de Estrabão aos topógrafos do século XIX” como teve que reconhecer o próprio Dickinson81.

A parte mais propriamente geográfica do Ensaio vai, na realidade, separada do corpo principal do mesmo, e está constituída pelo Atlas Geográfico e Físico do Reino da Nova Espanha, fundado sobre observações astronômicas, medidas trigonométricas e nivelações barométricas (Paris, 1811, vol. XIX da série Americana, 20 pranchas, em francês), e a Introdução

geográfica ou Análise explicativa do Atlas da Nova Espanha, que precedia o Ensaio.

A introdução resume muitos temas que aparecem nele, e insiste, sobretudo, no mais especificamente “geográfico”, a saber: as relações de viagem e descobrimento no vice-reinado da Nova Espanha; e a justificação das posições geográfica aceitas para a confecção de mapas (observações astronômicas realizadas por Humboldt ou por outras pessoas; dados obtidos das relações de viagens), justificado com as citações de mapas parciais e de documentos utilizados para a elaboração dos mapas gerais.

Humboldt utilizou amplamente, para a parte humana de suas obras americanas, informações fornecidas por fontes oficiais e os dados de ilustres moradores locais da sociedade branca, a qual influiu nos vários anos que durou sua viagem a América, em certas opiniões sobre os indígenas, hoje discutidas por alguns hispano-americanos.

80 Humboldt fala sempre em sua obra do “desenho” ou “quadro político” do México, e assinala que “abraça quando faz referência as relações políticas e comerciais do México”, Ensayo, Ed. 1978, p. 220. O mesmo Humboldt o denomina como “político” ao referir-se a ele na introdução da Relación histórica de la viaje a las regiones equinociales, Ed. Bibl.Ind., IV, p. 54, uma vez que distingue claramente a geografia da história natural e da economia política (idem., p.576).

81 DICKINSON, 1969, p. 28, que apesar de tudo, a considera “a primeira das descrições geográficas sistemáticas”.

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