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5 ILUSTRAÇÃO EMPÍRICA: A INICIATIVA DE PARTICIPAÇÃO DIGITAL VOCÊ NO PARLAMENTO SEGUNDO O FRAMEWORK ANALÍTICO PROPOSTO

24. Câmara Municipal de São Paulo

Quadro 15 – Resultados do item ―Avaliação e confiança em serviços e instituições públicas‖ Fonte: REDE NOSSA SÃO PAULO (2011b)

Com relação à repercussão desses resultados na Câmara Municipal, vários pronunciamentos nas sessões legislativas, em momentos diferentes, apontam o impacto que a pesquisa de percepção exerce sobre os vereadores:

VEREADOR 3 – [...] a pesquisa realizada pela Rede Nossa São Paulo

avaliou a Câmara como um dos piores órgãos. [...] peço à nova Mesa

Diretora que intensifique, por meio de campanhas publicitárias da agência que atende à Câmara Municipal, a divulgação do trabalho dos Vereadores, [...] é necessário o esforço desta Casa e de todos os Colegas e profissionais de imprensa no sentido de conscientizar o munícipe da importância da Câmara Municipal e dos Vereadores (CAMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2012b, grifo nosso)

VEREADOR 3 – [...] Um exemplo é a avaliação que as pessoas têm

sobre a Câmara Municipal de São Paulo. Está na última colocação em

termos de avaliação de desempenho e qualidade aos olhos da população (CAMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2012b, grifo nosso)

VEREADOR 1 - Uma das preocupações que tenho quando falo da Câmara Municipal de São Paulo é a expectativa que a população tem em relação ao meu mandato como Vereador desta cidade. Qual a expectativa da população em relação a este Vereador? [...] No meu mandato passado, deram-me nota e disseram que eu era o quarto pior Vereador da Câmara. Talvez eu não seja tão ruim assim, talvez poderia estar entre os vinte, mas entre os quatro piores? Foi o que disse essa entidade Voto Consciente (CAMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2012b, grifo nosso)

Sendo assim, nosso argumento é que, ao revelar repetidamente a percepção extremamente negativa dos cidadãos sobre a Câmara Municipal, os resultados da pesquisa IRBEM foram um dos fatores que motivaram a instituição governamental a ampliar a transparência e participação política no órgão legislativo (ainda que numa visão utilitária dessa abertura, como será discutido mais detalhadamente na análise das variáveis contextuais que possibilitaram a realização da iniciativa de participação digital).

Nesse sentido, atribuímos o papel de impulsionar a iniciativa à Rede Nossa São Paulo, num percurso ―Rede Nossa São Paulo  pesquisa de percepção IRBEM  Câmara Municipal  Rede Nossa São Paulo  Você no Parlamento‖. Esse argumento é corroborado pela forma como a coordenação da própria Rede Nossa São Paulo reconstitui a trajetória da consulta Você no Parlamento, relacionando sua realização a uma conseqüência dos resultados da pesquisa IRBEM:

Anualmente, a Rede Nossa São Paulo pergunta à população qual é seu grau de satisfação com esses indicadores. O resultado tem sido altamente insatisfatório (na última pesquisa, numa variação de 1 a 10, a nota média foi de 5). Diante dessa realidade, que demanda providências concretas, a Câmara Municipal de São Paulo se disponibilizou para colaborar na melhoria da qualidade de vida na cidade. (GRAJEW, 2011)

Nesse ponto da investigação, identificamos então os papéis assumidos pelos diversos atores envolvidos na iniciativa de participação digital e estamos em condições de passar à questão mais complexa desta categoria do framework analítico, ou seja, ―quem é a força dirigente por trás da consulta pública Você no Parlamento‖? Sobre esse aspecto, identificamos que, ainda que tenha havido certa divisão de responsabilidades entre as organizações para a realização da iniciativa, a Câmara Municipal ocupou uma posição secundária em relação à centralidade da Rede Nossa São Paulo no processo. As observações que permitem essa conclusão foram que a organização voluntária foi a principal desenvolvedora das atividades e tecnologias que serviram de base à consulta pública, a principal financiadora dos seus custos, a responsável por mobilizar a maior parte dos respondentes e a impulsionadora do processo que resultou na iniciativa de participação digital. A identificação desses elementos permite concluir que a Rede Nossa São Paulo foi a força dirigente por trás da consulta pública Você no Parlamento.

É muito importante identificar esse papel, uma vez que as iniciativas de participação digital patrocinadas pelos governos (consideradas top-down) têm características diferentes das iniciativas iniciadas por cidadãos (tidas como bottom- up), em que os próprios cidadãos, ONGs, empresas, lobistas ou grupos de pressão demandam participação a fim de atender seus próprios interesses.

Como abordado no Capítulo Três, a maior parte das iniciativas atuais ainda tem as instituições governamentais, e não os cidadãos, como os atores principais. Entretanto, nos últimos cinco anos a emergência da web 2.0 e popularização de redes sociais, tem levado a um aumento do foco nos cidadãos e das organizações voluntárias como atores principais que dão início às iniciativas participação digital. A Rede Nossa São Paulo é um exemplo disso: a Internet tem possibilitado que movimentos sociais e organizações não-governamentais organizem-se mais facilmente e construam redes, levando a que estas tenham crescente importância na atuação como intermediárias na condução das iniciativas de participação digital. Essa dinâmica é observada no próprio caso Você no Parlamento, em que a Rede

Nossa São Paulo assume o papel de mediadora entre a instituição governamental e os cidadãos. Essa discussão sobre o papel da Rede Nossa São Paulo enquanto uma terceira parte confiável e as bases em que se assentam essa confiabilidade é muito importante e será aprofundada posteriormente na análise do item 5.2, que busca identificar como potenciais mudanças na relação da instituição governamental com terceiros ensejaram a realização da iniciativa.

Um ponto que chama a atenção na identificação dos atores da iniciativa Você no Parlamento é o fato de as empresas privadas ocuparem um papel muito importante na ação. Como descrito no Capítulo Quatro, o setor privado é uma parte relevante na estrutura organizacional da Rede Nossa São Paulo, uma vez que aproximadamente 30% das cerca 700 organizações que dela participam são empresas privadas. Outro fato diz respeito ao financiamento da iniciativa. A Rede Nossa São Paulo foi o principal financiador da iniciativa, mas, como identificamos, a Rede não gerencia recursos financeiros os custos de sua Secretaria Executiva (função exercida pela OSCIP Instituto São Paulo Sustentável) são financiados por um grupo de empresas privadas. Assim, por extensão, pode-se concluir que a maior parte dos recursos que financiaram a consulta Você no Parlamento originou-se do setor privado.

Considerando o papel relevante que as organizações privadas ocupam na consulta Você no Parlamento, dois pontos merecem ser problematizados. O primeiro diz respeito ao fato de que o framework analítico corrente de participação digital não prevê a identificação das organizações privadas como um possível ator das iniciativas, diferenciando-as de organizações não-governamentais e movimentos sociais, por exemplo. Uma vez que não temos elementos suficientes para identificar os motivos dessa lacuna, podemos apenas especular algumas explicações. Essa ausência deve-se, por exemplo, a que atualmente o conhecimento sobre participação digital seja produzido majoritariamente nos países desenvolvidos, contexto em que um imbricamento de recursos privados financiando iniciativas governamentais de participação digital seria uma situação incomum, específica do cenário político brasileiro?

No Brasil - tomando como referência o caso específico da Câmara Municipal -, há indícios de que esse imbricamento público/ privado não é uma situação incomum ou um caso isolado da iniciativa Você no Parlamento. No mesmo período em que a consulta pública foi realizada, por exemplo, a Câmara Municipal de São Paulo

estava buscando parceiros no setor privado que financiassem o desenvolvimento de indicadores de desempenho dos trabalhos da instituição, a um custo de cerca de R$ 250 mil. A instituição governamental não somente não vê um possível conflito de interesses nessa situação, como justifica a parceria alegando que ―não teria sentido gastarmos recursos da Câmara para avaliar o trabalho desenvolvido pela própria Casa‖ (REDE NOSSA SÃO PAULO, 2012a).

Mas ainda que este seja um ponto importante, não temos elementos suficientes para aprofundar a discussão. O que as observações permitiram concluir foi que, embora as empresas privadas tenham ocupado um papel relevante nesta iniciativa de participação digital investigada, as mesmas não estão previstas como um possível ator no framework analítico corrente de participação digital.

Assim, concluindo a análise da categoria Atores, o framework analítico permitiu identificar os atores envolvidos na iniciativa de participação digital Você no Parlamento e o papel que cada um deles ocupou no processo, com destaque à Rede Nossa São Paulo enquanto força dirigente da iniciativa. É importante notar que nesse momento não foram ainda investigados aspectos como, por exemplo, a diversidade dos atores envolvidos no design da tecnologia que facilitou a consulta. Essa discussão será aprofundada posteriormente na seção 5.3, quando da análise da iniciativa sob a nova categoria Tecnologia, proposta ao framework analítico corrente de participação digital.