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2 CÍRCULO METODOLÓGICO

3 CÍRCULO DE VIVÊNCIA/CODIFICAÇÃO E DA DESCODIFICAÇÃO DO MUNDO DOS SUJEITOS NOS ASSENTAMENTOS RURAIS

3.2 Círculo de investigação de temas geradores – codificar o “mundo”

Para a realização da primeira etapa desta pesquisa, visitamos os assentamentos rurais no ano de 2017. Para a realização da vivência junto aos agricultores familiares no Assentamento São Pedro, chegamos no dia 15 de janeiro. Ficamos alojados na casa de uma das moradoras do assentamento durante quinze dias.

O dia seguinte da nossa chegada amanheceu nublado, com “cara de chuva”, algo considerado normal, uma vez que janeiro é o mês com a maior precipitação pluviométrica da região norte de Mato Grosso. Apesar do tempo de chuva, fomos à casa de uma liderança. Esta liderança nos foi indicada pelo Instituto Centro de Vida (ICV) que realiza trabalhos no assentamento. Lá fomos recebidos por sua esposa e logo em seguida a liderança chegou onde estávamos e, segundo ela, estava tentando usar o telefone celular em cima de uma pedra, por ser a melhor área para sinal. Convidou-nos para entrar, e como de costume, tiramos nossos sapatos em sinal de respeito por quem deixa sempre a casa limpa.

Na oportunidade, nós nos apresentamos pessoalmente e conversamos sobre nossa proposta de trabalho. Com um sorriso no rosto, a liderança nos confessou adorar viver no assentamento, visto que pode “criar um porquinho, um frango, uma galinha, umas vacas, ter uma horta, etc... viver tranquilamente no assentamento”. Após muita conversa, iniciou uma forte chuva e nesta ocasião nos convidou para o almoço.

Nesta conversa, ele nos apresentou uma lista com os nomes das lideranças de todas as 22 comunidades, além de nos fazer um mapa do Assentamento São Pedro. A partir desta lista, iniciamos visitas em todas as comunidades, na casa das lideranças, em igrejas, associações, escolas, posto de saúde, participação em encontros, reuniões, celebrações, jogos de futebol, etc. Assim, foi possível vivenciarmos o cotidiano dos agricultores familiares; observamos e vivemos os hábitos, os costumes das famílias. Todos os dias de manhã, saíamos para visitar os agricultores familiares assentados em suas roças, casas, bares, igrejas (figura 08), etc., retornando no período da tarde.

Figura 08. Observação participante no encontro das Comunidades Eclesiais de Base do Assentamento São Pedro

Participamos de três reuniões das associações, além de assistirmos uma reunião dos estudantes (figura 09) que fazem faculdade em Alta Floresta, a cidade vizinha do assentamento. Na reunião, os estudantes realizaram um levantamento de quantos jovens do Assentamento São Pedro iriam cursar faculdade para a viabilização de um ônibus para à Universidade no período noturno.

Figura 09. Observação participante na reunião dos estudantes de graduação do Assentamento São Pedro, Paranaíta

No Assentamento PDS São Paulo, visitamos as famílias dos membros da associação, a partir de um mapa e de uma lista elaborada pelos membros da família na qual ficamos alojados (figura 10). Dessa forma, no círculo de vivência, foi possível resgatar as memórias do movimento da luta pela terra: o primeiro lugar do acampamento de frente a uma fazenda em Carlinda-MT; o aumento do número dos interessados em lutar pela terra que se cadastraram no Sindicato dos Trabalhadores Rurais; os conflitos de visões políticas dos acampados; as manifestações realizadas com o fechamento da MT 320 e a ocupação do INCRA/MT; as lideranças do movimento; a área escolhida para a desapropriação e a mais viável; as cobranças pela desapropriação e reforma agrária junto ao INCRA e a justiça federal; o apoio político partidário de senadores, deputados, vereadores e prefeitos; além das memórias das inúmeras dificuldades encontradas durante os 10 anos de acampamento; da associação com suas brigas internas e externas; a parceria com o sindicato; a convivência pacífica com os fazendeiros; o trabalho das coordenações da associação; e, enfim, a chegada ao Assentamento.

Figura 10. Observação participante na casa de uma agricultora familiar assentada do PDS São Paulo, Carlinda

No período da vivência nos assentamentos rurais, após a observação participante sistematizamos sete temas geradores. Neste sentido, o que se pretendeu investigar foi “o pensamento-linguagem referido à realidade ‘dos sujeitos’, os níveis de uma percepção desta realidade, a sua visão de mundo em que se encontram envolvidos seus temas geradores”

(FREIRE, 1987, p. 50). Esses temas observados foram comuns aos dois assentamentos, sendo os seguintes:

➢ Tema gerador 1: “Mudanças” - abordando a história de vida das famílias;

➢ Tema gerador 2: “Acampamento”, “Barraco”, “Luta” - história da luta e da conquista da terra;

➢ Tema gerador 3: “Assentamento”, “Associação”, “Comunidade”, “Gleba”, “Parcela”, “Terra”, “PDS” - formação e organização dos assentamentos;

➢ Tema gerador 4: “Titulação da terra” - situação legal dos assentamentos;

➢ Tema gerador 5: “Política” - políticas públicas, política partidária nos assentamentos; ➢ Tema gerador 6: “Boteco”; “Comunidade”; “Escola”; “Faculdade”; “Igreja’; “Leite”;

“Trabalho” - perfil socioeconômico e cultural das famílias;

➢ Tema gerador 7: “Meio ambiente”, “SAF” - caracterização ambiental dos assentamentos.

Dessa forma, investigar temas geradores “é investigar o pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis” (FREIRE, 1987, p. 56). Assim, nosso círculo de vivência nos assentamentos rurais São Pedro e São Paulo da Amazônia norte mato-grossense, possibilitou a leitura e a codificação do mundo dos sujeitos. A vivência durante o desenvolvimento de parte desta pesquisa nos possibilitou também a releitura e a ressignificação do nosso próprio mundo, visto nossas origens camponesas. Esta etapa subsidiou o desenvolvimento de um método capaz de diagnosticar e avaliar a sustentabilidade dos assentamentos rurais da Amazônia norte mato-grossense.

Corroboramos com Nogueira (2010) que retrata a estadia em campo como “um mosaico de situações de encontros e desencontros e de sentimentos que nos deparamos de forma concentrada, imersa; é instigante e ao mesmo tempo frustrante, emocionante e maçante” (NOGUEIRA, 2010, p. 01). Neste processo de vivência, chegamos aos assentamentos de um jeito e saímos completamente diferentes, visto a convivência com a realidade social dos sujeitos.

Há uma troca de saberes e de conhecimentos recíprocos entre sujeitos e pesquisadores, desde que se assume uma postura horizontal de diálogo e de respeito pela cultura local. “Simplesmente não posso pensar pelos outros nem para os outros, nem sem os outros. A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito de seu pensar” (FREIRE, 1987, p. 58).

Assim, durante a vivência, ampliamos nossos círculos de amizade. Foram muitos quilômetros de estrada de terra, cheias de lama e barro. Momento de descontração, de lazer, de reflexão, de muita conversa e história; de ressignificação do nosso próprio modo de vida, da nossa própria história; do reencontro com nossa cultura camponesa, com as dificuldades vivenciadas. Não foi motivo de estranhamento visto nossas origens rurais. Neste intuito, “a investigação temática faz um esforço comum de consciência da realidade e de autoconsciência, que a inscreve como ponto de partida do processo educativo próprio da ação cultural de caráter libertador” (FREIRE, 1987, p.57).

3.3 Círculo da história do mundo dos sujeitos - História, formação e organização