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2 CÍRCULO METODOLÓGICO

3 CÍRCULO DE VIVÊNCIA/CODIFICAÇÃO E DA DESCODIFICAÇÃO DO MUNDO DOS SUJEITOS NOS ASSENTAMENTOS RURAIS

3.4 Considerações finais

O primeiro passo na avaliação da sustentabilidade dos assentamentos rurais São Pedro e São Paulo na Amazônia norte mato-grossense, é a realização do ponto “círculo de investigação de temas geradores”. Neste ponto, foi possível a codificação da realidade dos agricultores familiares, bem como a codificação de temas geradores, comuns aos assentamentos. Foram sete temas codificados, a saber: “Mudanças”; “Acampamento, Barraco, Luta”; “Assentamento, Associação, Comunidade, Gleba, Parcela, Terra, PDS; “Titulação da terra”; “Política”; “Boteco, Comunidade, Escola, Faculdade, Igreja, Leite, Trabalho”; e “Meio ambiente, SAF”.

Este primeiro ponto da avaliação da sustentabilidade, nos possibilitou criar um círculo de vivência com os agricultores familiares assentados. Este momento foi muito importante para o desenvolvimento da pesquisa; para conhecer os sujeitos dos assentamentos e ampliar o círculo de amizades, de conhecimento da realidade e da relação de confiança com os agricultores. É através de uma relação horizontal, de convivência que se dá um processo de interação e integração na comunidade local criando assim, a possibilidade do desenvolvimento do trabalho.

Como resultado deste primeiro passo, conseguimos realizar a leitura, a codificação do mundo dos sujeitos nos assentamentos, uma vez que a “codificação é a representação de uma situação existencial” (FREIRE, 1987). Também nos possibilitou a releitura e a ressignificação do nosso próprio mundo, visto nossas origens camponesas. Neste contexto, um exercício difícil foi o distanciamento da realidade para poder observar com criticidade e fazer reflexões. Contudo, com esta consciência de distanciamento, foi possível realizar a pesquisa com entusiasmo e sem deixar as paixões dominarem nossas mentes. Embora “a paixão com que conheço, falo ou escrevo não diminuem o compromisso com que denuncio ou anuncio” (FREIRE, 2015, p. 18).

No segundo ponto para a avaliação da sustentabilidade dos assentamentos, realizamos o “círculo da história do mundo dos sujeitos”, realizamos a descodificação do mundo, da história, da formação e da organização dos assentamentos rurais. Em todos os momentos da descodificação os sujeitos exteriorizam a visão do mundo, a forma como o compreendem e a dinâmica do contexto estudado (HEIDEMANN et al., 2017). É a partir desta forma de pensar o cotidiano que se realiza o enfrentamento da realidade. Neste ponto foi possível alcançarmos o objetivo de caracterizar, a partir do contexto histórico e dialético dos

sujeitos da pesquisa, dois assentamentos rurais da Amazônia norte mato-grossense, seus aspectos históricos de ocupação e de organização de cada assentamento. A caracterização dos assentamentos nos permitiu compreender como a sustentabilidade e o buen vivir vai se construindo no processo histórico e dialético de cada sujeito e consequentemente nos assentamentos.

Observamos que a relação sujeito (agricultor familiar) natureza é histórica, e que no processo de ocupação do Assentamento São Pedro, houve o desmatamento quase que na totalidade em cada lote. Isso ocasionou a mudança na paisagem do assentamento, uma vez que os agricultores familiares buscavam a sustentabilidade, o equilíbrio das suas famílias. Essa busca por sustentabilidade, principalmente a econômica, por equilíbrio, resultou em novos processos, em uma organização social para o desenvolvimento do assentamento. Assim, “cada novo equilíbrio resulta da organização das contradições sociais internas, inerentes aos modos de produção fundantes de estruturas de classes” (CASSETI, 2009, p. 59).

Neste período, final dos anos 1990, a orientação era para desmatar o lote, caso contrário, os assentados perderiam suas terras. Não havia uma preocupação local e regional de preservação das APPs e da reserva legal. Os próprios assentados não tinham consciência e nem (in) formação sobre a conservação dessas áreas. O debate sobre sustentabilidade ainda não havia atingido essa região. Uma grande parte dos agricultores, vindos do Paraná, reproduzia o mesmo modelo agrícola desenvolvido no sul do país; não houve a preocupação por parte dos órgãos responsáveis e nem dos agricultores para analisarem como fazer agricultura em outro bioma, neste caso, no amazônico. Nesse sentido,

[...] o buen vivir se coloca como referencial de vida para a libertação e a autonomia [...] se identifica com a matriz freireana de construção e organização de cultura de reação contra a opressão, desenvolvida pelas pessoas que foram desumanizadas, pelos processos colonizadores e pela ideologia colonial, que gera opressão, miséria e marginalização (KEIM e SANTOS, 2012, p. 26).

Após os anos 2000, com políticas públicas e operações12 do governo federal, surgiu o debate sobre sustentabilidade na região sobre a importância da conservação da Amazônia. Essas políticas geraram muitos debates e desgastes entre os agricultores da região.

12 Operação arco de fogo - Portaria nº 28 de 24/01/2008-MMA indica municípios onde incidirão ações prioritárias na Região Amazônica - Deflagração em 25/02/2008 nos estados de RO, PA e MT - Operação coordenada pela PF com o apoio do IBAMA e Força Nacional de Segurança.

Estes ainda não compreendiam a importância das APPs e da reserva legal para a preservação dos recursos hídricos de seus lotes.

No PDS São Paulo, a área da antiga Fazenda São Paulo, já havia sido desmatada anteriormente à criação e ocupação do assentamento. O PDS também tem sofrido mudança na paisagem com o decorrer dos anos. Porém, diferente do Assentamento São Pedro, no PDS São Paulo o processo de mudança de paisagem vai de um ambiente degradado para um ambiente que está sendo recuperado. “As coisas mudam, porque encerram uma contradição interna (elas próprias e as suas contrárias); às contrárias estão em conflito, e as mudanças nascem desses conflitos; assim a mudança é a ‘solução’ do conflito” (CASSETI, 2009, p. 59). Neste caso o conflito é a degradação da área do PDS e a recuperação é a mudança desse conflito. “Uma nova mudança tende a ‘negar’ a situação anterior, que havia alterado a antecedente (negação da negação)” (CASSETI, 2009, p. 60). Desde o início do PDS, os assentados já compreendiam o que era o termo sustentabilidade e aceitaram o desafio de viver em um assentamento diferenciado do ponto de vista ambiental, com novas perspectivas de desenvolvimento (sustentável).

4 CÍRCULO DO DIAGNÓSTICO: A DESCODIFICAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS