• Nenhum resultado encontrado

Um autor que foi bastante influenciado por Rosenstein foi Ragnar Nurkse. Entre julho e agosto de 1951, Nurkse proferiu seis conferências no Instituto Brasileiro de Economia que foram posteriormente publicadas na Revista Brasileira de Economia (dezembro de 1951) com o título Problemas da Formação de Capitais em Países Subdesenvolvidos.

Para Nurkse (2006), a formação de capital é um problema do desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, visto estes países se encontrarem com deficiência de capital em relação à população e recursos naturais (comparativamente aos países centrais do capitalismo). Porém, ele faz uma ressalva logo no começo da primeira conferência afirmando que o desenvolvimento econômico estaria condicionado pelas peculiaridades humanas, atitudes sociais e políticas e acidentes históricos. A formação de capital seria condição

2

Pode-se sintetizar a Lei de Say com a f ase:à áàofe taà iaàsuaàp p iaàde a da . Apesar de que, Say (1983), escrevendo na primeira década do séc. XIX, nunca a definiu como lei, nem criou esta frase síntese. Foi Ricardo (1982) que, anos depois de Say, contribui com a síntese da Lei. Este princípio dominou a teoria econômica por décadas (principalmente pela influência da escola dominante neoclássica) sendo refutada por Keynes e Kalecki na década de 1930, quando utilizaram o princípio da demanda efetiva para tal. Importante destacar que Marx (1985), em meados do séc. XIX, deixa claro que a existência do dinheiro em si já seria suficiente para interromper o processo de circulação.

necessária, mas não suficiente, para lograr o desenvolvimento econômico. Para Nurkse (2006, p.20):

Formação de capital quer dizer que a sociedade se abstém de aplicar o total de suas atividades produtivas correntes à satisfação de necessidades e desejos de consumo imediatos, mas dirige uma parte das mesmas para a produção de bens de produção: – ferramentas e instrumentos, máquinas e meios de transporte, instalações e equipamento – todas as espécies de capital real que aumenta, e pode aumentar extraordinariamente, a eficiência do esforço produtivo.

De acordo com o autor, nos países subdesenvolvidos haveria uma tendência do consumidor de consumir mais do que sua renda per capita lhe permita, dificultando uma poupança para a formação de capital. Isto seria ocasionado pelo “efeito de demonstração”: a adesão do indivíduo no país subdesenvolvido ao padrão de consumo praticado nos países desenvolvidos. Esta atração dos padrões de consumo dos países desenvolvidos exerceria influência não apenas nas elites, mas em todas as classes sociais por conta do poder dos meios de comunicação em massa.

Nurkse utiliza a noção de círculo vicioso da pobreza, considerando-o como um dos principais obstáculos que condicionam a procura de capital e o seu uso no processo produtivo:

O incentivo para o uso de capital é limitado pelo pequeno tamanho do mercado; o pequeno tamanho do mercado é devido ao baixo nível de produtividade; o baixo nível de produtividade é devido à pequena quantidade de capital usado na produção, à qual, por sua vez, é devida ao pequeno tamanho do mercado – e, assim, o circulo está completo. As relações recíprocas que acabamos de notar operam através de uma conexão circular entre os principais fatores da situação. Nessa conexão circular reconhecemos o círculo vicioso da estagnação econômica ou, pelo menos, um dos seus exemplos. Um país é pobre porque é pobre; e isso é tudo. (NURKSE, 2007, p. 25)

A oferta de capital está condicionada pela habilidade e propensão a poupar e a sua procura é determinada pelos incentivos a investir. Portanto, o círculo vicioso age em ambos os lados (da oferta e da procura de capital). No mesmo sentido: o orçamento para investir em produtividade é reduzido, pois é proveniente da baixa renda dos indivíduos, no que resulta em reduzida procura por produtos, bloqueando a alta produtividade.

Para Nurkse (2007), se é reduzido o mercado interno não haverá necessidade de produção em massa, o que descartaria a necessidade de equipamentos para acelerar a produção. Assim, três fatores condicionam a baixa demanda de capital em países subdesenvolvidos: demanda inelástica de consumo, o risco em investir em equipamentos produtivos e descontinuidades técnicas (resultante da falta de empreendimentos).

Embora a entrada de investimentos estrangeiros em um país seja considerada por Nurkse como uma fonte para a acumulação de capital, estes investimentos em países subdesenvolvidos eram focados em atividades primárias (procurando maximizar a exploração de matérias-primas), o que reforçava a sua estrutura subdesenvolvida. O investimento em capital estrangeiro só seria benéfico para um país subdesenvolvido se houvesse um monitoramento do Estado, avaliando e orientando o investimento em diversos setores da economia.

Nurkse identifica dois tipos de países com problemas para formação de capital: os “superpopulados” e os “subpopulados”. O principal problema das regiões superpopuladas é com o “desemprego disfarçado”. Estas regiões possuem uma alta concentração populacional nas áreas rurais, em paralelo com as atividades econômicas especializadas em matérias- primas. O subemprego crónico na agricultura associado ao desperdício do trabalho implicaria na não formação de capital.

Essas áreas sofrem de desemprego disfarçado em larga escala, no sentido de que, mesmo sem modificação dos métodos de produção na agricultura, uma grande parte da população empregada nesse setor poderia ser transferida sem reduzir a produção agrícola. Esta é a definição do conceito de desemprego disfarçado aplicado à situação em que estamos interessados. O postulado de que a manutenção da produção agrícola, com menor quantidade de mão de obra, se torna possível sem qualquer melhoria dos métodos, é importante. (NURKE, 2007, P.87)

O “desemprego disfarçado” seria um fenômeno de massa inserido em economias agrárias superpovoadas, implicando numa poupança oculta. Esta seria a quantidade de trabalho que um indivíduo acumula para além das horas de trabalho em relação à baixa produtividade de outro trabalhador. Esta renda da popança oculta seria para custear a mão-de- obra excedente.

O autor também tece considerações a cerca do desequilíbrio da balança de pagamentos dos países subdesenvolvidos. Para ele, este desequilíbrio seria resultado da

dificuldade de formar poupança, e o principal entrave à formação de poupança seria o “efeito de demonstração”, onde o padrão de consumo das economias desenvolvidas são copiados pelas economias subdesenvolvidas, elevando a propensão a consumir destas economias.

Quando indivíduos estabelecem contacto com bens superiores ou padrões superiores de consumo, com artigos novos, ou novos meios de satisfazer velhas necessidades ficam depois de algum tempo, sujeitos a uma certa inquietação e insatisfação; a sua imaginação é estimulada, seus desejos aumentados, suas propensões de consumo deslocam-se para um nível superior. (NURKSE, 2007, p. 55)

O consumo de massa da população seria ditado pelo lançamento de produtos novos no mercado. A inovação tecnológica seria a principal responsável pela produção de novos produtos. O problema seria que os produtos gerados pela tecnologia se originam nos países desenvolvidos e são importados pelos países subdesenvolvidos. O impacto da forma superior de consumo na vida dos indivíduos dos países subdesenvolvidos implica em transformações no seu cotidiano, passando o usufruto das mercadorias a ser o próprio ingrediente para a satisfação dos indivíduos.

Portanto, para Nurkse (2007), a baixa poupança seria consequência do baixo nível de renda real e da alta propensão a consumir (gerada pela sedução das formas de consumo superiores). E o que fazer para sair deste círculo vicioso da pobreza?

Utilizando os mesmo argumentos de Rosenstein-Rodan, Nurkse acreditava que a solução estaria no crescimento com equilíbrio (considerando a oferta e a procura) e passaria pelo próprio mercado interno.

A produtividade técnica e física do capital somente pode ser realizada, em termos econômicos, por meio de um crescimento equilibrado, de uma ampliação conjunta do tamanho do mercado, criando economias externas que possibilitem alta produtividade social do capital ainda que, para qualquer empreendimento isolado, as perspectivas de lucro possam desencorajar bastante, ou, de qualquer modo, encorajar tão insuficientemente a ponto de não tornar compensadora a instalação de equipamento melhor e mais abundante (NURKSE, 2007, p. 38)

Para ele, as necessidades humanas são diversas, e as pessoas ocupadas em uma nova indústria não gastariam toda a sua renda em seus próprios produtos. Retomando a teoria de Shumpeter da onda de inovações, considerava as ações dos empresários (criador de inovações) como fundamental para criar uma dinâmica no mercado interno, proporcionando,

também, abertura de novos mercados. O equilíbrio estacionário seria desfeito com o investimento sendo aplicado em diferentes ramos da produção (resultando numa dilatação do mercado total).

Para o autor, não haveria dificuldades para a ampliação de capital sincronizada numa gama de indústrias diferentes. Segundo ele, ocorreria uma ampliação total da demanda, ocasionando uma saída para o impasse do mercado interno limitado. Os indivíduos que trabalhassem com numerosos e melhores equipamentos em projetos complementares, se tornariam clientes mútuos. Assim, o aumento da produção em um amplo setor de bens de consumo criaria sua própria demanda em função do efeito renda. Tal como Rosenstein- Rodan, Nurkse incorre na lei de Say.

Quanto às inovações, Nurkse deixa claro que, apesar de terem suas origens em uma indústria determinada de cada vez, os efeitos monetários eram tais que promoviam uma onda de novas aplicações de capital em todas as indústrias.

De acordo com Nurkse, qualquer investimento de certo porte em determinada indústria poderia ser mal sucedido por conta do limite do mercado. Somente com um ataque frontal se poderia obter êxito para sair do círculo vicioso da pobreza. Quanto aos investimentos estrangeiros, o mesmo raciocínio se aplica: a relutância do capital privado em investir nos mercados internos dos países subdesenvolvidos seria por conta da pobreza dos consumidores locais (falta de impulso da demanda). Portanto, quando os investimentos são realizados simultaneamente em indústrias complementares se verifica o rendimento potencialmente elevado de capital nas zonas pobres.

Quanto ao desemprego disfarçado nos países subdesenvolvidos, Nurkse afirmava que ele deveria ser enfrentado transferindo o excesso de mão-de-obra nas atividades agrárias para os projetos de capital, tais como, irrigações, saneamento, rodovias, ferrovias, residenciais.

Para financiar os projetos de capital Nurkse aponta como alternativa a utilização de poupança voluntária normal e o aumento do fluxo de capital estrangeiro. Apontava também que o Estado deveria dar condições de subsistência para os trabalhadores transferidos das atividades agrárias para os novos projetos de capital.

Nurkse entendia que o Estado deveria transformar-se numa agência creditícia e no empresário inovador. Como, para ele, a formação de capital não seria possível sem medidas

que priorizassem a poupança doméstica, o Estado deveria adotar política fiscal e monetária que facilitasse a poupança, bem como restringir as importações de bens de consumo. Portanto, o círculo vicioso poderia ser quebrado caso existisse uma ação coletiva através das finanças públicas.