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Fordismo na periferia: o modelo de substituição de importação

4 DE PAÍS SUBDESENVOLVIDO A MERCADO EMERGENTE: A LÓGICA

4.3 Fordismo na periferia: o modelo de substituição de importação

O modelo de substituição de importação adotado pelos países periféricos latino- americanos foi uma espécie de adaptação do regime de acumulação fordista na periferia. Um processo que Lipietz (1989) denominou de “subfordismo” ou “fordismo periférico”. Foi um processo de industrialização que tentou adotar a tecnologia e o modelo de consumo fordianos, mas sem reproduzir suas condições sociais30.

Para Moreira (2005), a fase expansionista do modelo fordista nos países centrais abriu uma brecha para que os países periféricos pudessem adotar uma política de industrialização. Como o ciclo de valorização do capital ocorria no espaço nacional, visto que o modelo fordista era autocentrado, ou seja, a dinâmica no mercado interno, as empresas, não possuíam ainda uma ganância para conquistar mercados mundiais, o nível de internacionalização e do comércio exterior era relativamente baixo.

Incialmente, a substituição de importação ocorre produzindo bens não duráveis, e depois evolui para a produção de bens de consumo duráveis e bens de capital. Este processo

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de evolução só poderia se processar com o auxílio do capital estrangeiro, dada a ausência de mecanismo de financiamentos interno.

Diferente do fordismo, no processo de substituição de importação na periferia não houve transferência dos ganhos de produtividade para os trabalhadores, possibilitando um consumo de massa. De outro modo, ocorreu uma severa concentração de renda (apoiada nas políticas de repressão dos estados totalitários), onde a demanda social da economia era sustentada pela classe média e por uma minoria privilegiada.

O aprofundamento do modelo de substituição de importações nos países periféricos (passando a produzir bens duráveis e, no caso do Brasil, até bens de capital) ocorre na conjuntura da crise do modelo fordista nos países centrais e da transnacionalização31 das empresas.

Com o esgotamento do modelo fordista (entre outros fatores, por conta da queda dos ganhos de produtividade) ocorre uma baixa na rentabilidade das firmas. Esta baixa está relacionada com a rigidez dos salários e com a mudança do perfil de demanda (as empresas produziam produtos homogêneos, mas as famílias começavam a demandar produtos diferenciados32). Este foi um fator determinante para que as empresas dos países centrais viessem se instalar na periferia.

Para Moreira (2005), a transnacionalização inicia-se como uma resposta das empresas americanas para a queda da rentabilidade do capital. Há deste modo, um estímulo para os grandes oligopólios dos países centrais busquem novos espaços para sua valorização. A partir de então, há um movimento para uma acumulação mundial (em substituição da acumulação autocentrada).

A queda da taxa de lucro dos grandes oligopólios a nível nacional, faz com que os capitalistas busquem um aumento da taxa de mais-valia em escala mundial. Estes oligopólios buscam penetrar nas economias periféricas através da criação de novas empresas (filiais) ou de fusões com empresas nacionais já existentes (visto que as políticas protecionistas impostas pelo modelo de substituição de importação prejudicava uma dominação através do comércio

31 Para Hobsbawm (2009) a transnacionalização foi a inovação decisiva da Era do Ouro. Foi possível graças a

revolução no transporte e na comunicação, tornando viável uma divisão das tarefas a nível global e um controle central por parte da matriz.

32 ... à ate çãoà uitoà aio à sà odasà fugazesà eà pelaà obilização de todos os artifícios de indução de

necessidades e de transformação cultural que isso implica. A estética relativamente estável do modernismo fo distaà edeuàluga àaàtodoàoàfe e to,ài sta ilidadeàeà ualidadesàfugidiasà ... . à Há‘VEY,à

exterior). Portanto, o objetivo principal dos oligopólios neste movimento é a conquista de novos mercados.

No auge do processo de substituição de importação as filiais se instalaram no setor de bens de consumo de bem durável (metal-mecânico) visando ao mercado interno. Eram estruturas industriais bem integradas à economia nacional, reproduzindo em âmbito local e em menor escala as funções produtivas das matrizes.

Para Moreira (2005), os investimentos estrangeiros do tipo greenfield foram responsáveis por certa coesão no aparelho produtivo do país hospedeiro. Assim, o valor agregado local era aumentado, pois as filiais recorriam à produção das firmas nacionais e públicas para colocar sua própria produção em prática.

Porém, por conta do alto nível de protecionismo (que preservava as filiais instaladas localmente da concorrência externa), a concorrência local era baixa, desestimulando as empresas de modernizaram suas atividades e impedindo que relações dinâmicas fossem instauradas no tecido produtivo local.

Para garantir sua rentabilidade na periferia, as empresas necessitavam do mesmo tipo de padrão de consumo dos países centrais. Portanto, houve uma adaptação na periferia de padrões de consumo do centro, não implicando num surgimento do consumo de massa. Ao contrário, esta necessidade de adaptação resultou em um aumento da concentração de renda, onde a demanda social para os produtos das filiais será feita pela classe média e uma minoria privilegiada. Esta será a dinâmica do processo de industrialização dos países periféricos.

Para Moreira (2005), este modelo, para se instalar, necessitou da intervenção pública, que adquiriu várias dimensões: adaptando a estrutura da demanda à capacidade de produção dos bens mais sofisticados (criando instituições financeiras que possibilitavam condições favoráveis de financiamento para o consumo e para a capacidade de importação) e instalando empresas estatais nos setores industriais de bens intermediários e de infraestrutura.

Acompanhado do processo de transnacionalização na periferia (e em consequência dele), ocorre uma crescente internacionalização das economias periféricas latino-americanas aos circuitos monetários e financeiros.

A transnacionalização em condições de declínio do coeficiente de exportação, como foi o caso dos países latino-americanos que se industrializaram

nos anos 1950, encerra uma contradição que se manifesta em pressões permanentes na balança de pagamentos. As elaboradas políticas de câmbio desse período têm aí a sua razão de ser. Assim, ao lado da insuficiência de recursos financeiros, causada pelo estilo de desenvolvimento, aparece a insuficiência dos meios de pagamentos no exterior. Esses dois problemas, que somente teriam uma solução verdadeira se se modificasse o próprio estilo de desenvolvimento, puderam ser contornados, a partir da segunda metade dos anos 60, mediante apelo ao mercado internacional (FURTADO, 1982a, p. 123).

O processo de inserção das filiais de multinacionais na economia nacional dos países periféricos ocasionava um impacto negativo no balanço de pagamento de duas formas: na balança comercial e na balança de serviços.

Apesar do processo de substituição de importações ter logrado êxito nos setores de bens de consumo duráveis e não-duráveis, o mesmo não se pode dizer quanto ao setor de bens de capital (onde os resultados foram relativamente menos significativos). Portanto, as multinacionais utilizavam equipamentos importados o que, aliado ao fato do modelo ser voltado para o mercado interno (em detrimento das exportações), impactava negativamente na balança comercial.

O fluxo de investimento direto externo que se verificou no período de implantação das filiais multinacionais foi acompanhado, num período posterior, em um sentido inverso de saídas de capitais através das remessas de lucros e dividendos, pagamento de serviços de empréstimos junto à matriz e pagamentos dos serviços tecnológicos33.

O endividamento externo foi de suma importância para a viabilização do estilo de desenvolvimento adotado nos países periféricos da América Latina, com a presença das empresas multinacionais em setores dinâmicos da economia. A necessidade de endividamento vinha da insuficiência da poupança interna e da baixa capacidade para exportar.

O financiamento para tal processo foi possível graças à existência de capitais procurando valorizar-se na esfera financeira (empréstimos) por conta da dificuldade de valorização na esfera produtiva (devido à crise do fordismo) (CHESNAIS, 1998)

Esses capitais para empréstimos estavam disponíveis no mercado de eurodólares. Aumentando a liquidez do mercado, juntam-se a eles os petrodólares (advindo como consequência dos choques de petróleo dos anos 1970).

33 Essas saídas de capitais eram parcialmente limitadas por uma regulamentação mais restrita, sobretudo no

que se refere às remessas de lucros. Diante dessas restrições, as multinacionais utilizavam outros meios para e via àlu osàeàdivide dosàaoàe te io à MOREIRA, 2005).

Neste mesmo período de aumento da liquidez no mercado de eurodólares (com capitais disponíveis ávidos para se valorizarem), os países centrais encaram uma crise de estagflação. Então, os euromercados são obrigados a procurar outros tomadores de empréstimos em potencial.

Portanto, o endividamento dos países periféricos se torna uma boa opção para este mercado. Em busca de reciclar estes petrodólares (depósitos de curto prazo e extremamente voláteis) os bancos direcionam seus empréstimos para o aprofundamento da industrialização34 destes países com uma baixa taxa de juros.

Ao adquirirem estes empréstimos, as economias periféricas acabam por se tornarem refém dos seus credores. Estes países tornam-se, então, vulneráveis às mudanças na conjuntura internacional financeira (visto que os fluxos de capitais possuem uma determinação exógena à economia) (MOREIRA, 2005).

Este movimento de capitais no sentido norte-sul beneficiou as economias centrais em dois sentidos:

Os créditos concedidos aos países em desenvolvimento criaram o primeiro processo, no período contemporâneo, de transferência de riquezas em grande escala. A reciclagem dos “petrodólares”, realizada pelo mercado de eurodólares, permitiu aos países da OCDE superarem a recessão de 1974-1975, aumentando rapidamente suas exportações. Mas também, e, sobretudo, essa reciclagem deu origem a esta dívida externa esmagadora que tantos países do terceiro mundo carregam, há vinte anos, como uma bola de ferro à qual vivem acorrentados. Sucessivamente, as transferências, para as instituições financeiras dos países capitalistas avançados, dos juros que foram pagos pela obtenção de créditos bancários de consórcios desses países, fizeram com que a esfera financeira se consolidasse ainda mais. (...) A partir de meados dos anos 80 assistiu-se à inversão dos fluxos de capital entre o sul e o norte (CHESNAIS, 1998, p.15).

De fato, a reorientação de política econômica adotada pelos governos norte- americano e britânico, em 1979, acabou com as barreiras que impediam os movimentos livres de capitais com o exterior. O aumento da taxa de juros do tesouro americano (fruto desta nova política) fez com que se processasse um afluxo gigante de capitais para esta economia (em busca dos elevados rendimentos dos títulos do tesouro).

34Noà asoàdoàB asil,àe à eadosàdosàa osà ,àoàpaís,à ueàvi haàsai doàdoà ilag eàe o i o ,àe o t ava-

se diante da opção de ajustar-se ou manter o crescimento. O governo opta pela segunda opção, criando o II PND, que visava a consolidação da matriz interindustrial brasileira.

Para evitar fugas massivas de capitais, os outros países desenvolvidos foram quase que obrigados a implementar política semelhante de alta taxa de juros reais. Este novo paradigma propagou-se por todo o mercado financeiro global tornando-se um componente importante do novo regime de acumulação (MOREIRA, 2005). Os países centrais, como verificado na seção anterior, passam a conviver com um elevado déficit público, pois destinam uma boa parte de seus gastos para pagamentos dos juros. As políticas econômicas passam a ser subordinadas aos interesses do capital financeiro; os estados nacionais perdem sua autonomia.