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3 O SUBDESENVOLVIMENTO EM CELSO FURTADO E O NACIONAL-

3.5 A ideologia nacional-desenvolvimentista

Este conjunto de ideias apresentado neste capítulo e que constroem a teoria de subdesenvolvimento em Celso Furtado vão servir de base para fundamentar a ideologia do nacional-desenvolvimentismo. Para Oliveira (2003, p.111), uma “ideologia no sentido gramsciano”. A teorização da Cepal e de Celso Furtado orientou as discussões e as pautas dos programas econômicos dos países periféricos (principalmente da América Latina). Foi uma teorização hegemônica por cerca de trinta anos.

A teorização furtadiana (e cepalina) faz-se em função de proposição de políticas. O remédio para sair do círculo vicioso do subdesenvolvimento seria a industrialização.20 Sua proposição converte-se numa ideologia industrialista (Oliveira, 2003). A industrialização resolveria tanto, o problema da deterioração dos preços de intercâmbio (pois os países periféricos poderiam passar a exportar bens manufaturados), como o problema da inflação estrutural (pois a insuficiência da dinâmica do setor externo seria sanada).

20 Deixa-seà la oà ueà Fu tado,à aoà lo goà deà seusà estudos,à ost a iaà e taà desilusãoà o à esteà e dio ,à

afastando-se paulatinamente da visão cepalina. A industrialização, por si só, não levaria à saída deste círculo vicioso; seriam necessárias reformas estruturais para tal. A influência de Furtado na ideologia do desenvolvimento se dá através, principalmente, de suas obras da fase otimista, onde o autor estava sempre buscando construir uma teoria que servisse de base para ações políticas.

A importância ideológica de Furtado e do seu keynesianismo que explicava a transição será, nos anos 1950, e, por que não dizer até hoje, o pano de fundo do ‘amor ao Estado’ da burocracia econômica nacional. Essa ‘autonomia’ do gasto estatal, capaz de construir pirâmides que mantêm a renda interna, formou gerações de cientistas sociais e, principalmente, de economistas cuja participação foi relevante na gestão da economia pelo Estado durante todo o período populista. (OLIVEIRA, 2003, p.20)

Contribuiu para esta “ideologização” o fato de Furtado ter trabalhado na Cepal (como diretor da divisão de desenvolvimento econômico), cuja principal função era a de estudar as economias latino-americanas e recomendar práticas de planejamento econômico. A ação política de Celso Furtado (principalmente nos anos 50) também foi decisiva: foi presidente do grupo de estudos CEPAL/BNDE (1953-1955), que produziu subsídios para o famoso Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitscheck; diretor do BNDE (1958-1959); idealizador e primeiro superintendente da SUDENE (1960-1964); e ministro do planejamento do governo João Goulart (1962-1963), tendo formulado o Plano Trienal.

É importante destacar que o período de difusão das teses desenvolvimentistas de Furtado ocorreu num momento histórico específico: após a II Guerra Mundial e o início da guerra fria. Na leitura de Fiori (2000) a “coalizão desenvolvimentista” na América Latina só foi possível por conta das condições vigentes na economia mundial, particularmente as alterações na política externa norte-americana após 1947 e sua preocupação com a expansão do socialismo. Este projeto desenvolvimentista, para o autor, foi a resposta capitalista “tolerada pelos liberais” para fazer frente à expansão do projeto socialista.

Para Bielschowsky (1996), o “projeto desenvolvimentista” brasileiro possui três fases: de 1930 a 1945, a origem do desenvolvimentismo; de 1945 a 1955, o amadurecimento do desenvolvimentismo; e de 1956 a 1964 que corresponde ao auge (1956-1960, no período de Juscelino Kubistchek) e a crise (primeiros anos da década de 1960 até o golpe militar) do desenvolvimentismo. A teoria de Furtado foi central no debate do período do amadurecimento e auge deste “ciclo ideológico” do desenvolvimentismo.

O amadurecimento do ciclo desenvolvimentista (1945-1955) se processou em dois sentidos: por difusão das ideias desenvolvimentistas através de periódicos, revistas, livros e documentos de governo e por um amadurecimento analítico. Neste período se destaca o debate entre Eugênio Gudin (um liberal, que chegou a ser ministro da Fazenda do governo de Café Filho) e Roberto Simonsen (um capitalista industrial e líder desenvolvimentista). Para Bielschowsky (1996), apesar do caráter vanguardista de Simonsen, no plano analítico, o

desenvolvimentismo ainda não havia encontrado sua melhor defesa (pois ainda não havia surgido o pensamento cepalino).

Para Bielschowsky (1996), com a morte de Simonsen (em 1947), o bastão da liderança dos desenvolvimentistas é passado para Rômulo de Almeida (um economista, que fez parte da assessoria econômica do governo de Getúlio Vargas). Com o suicídio de Getúlio Vargas, Rômulo de Almeida sai da cena nacional (se dedicando a uma carreira política na Bahia) e passa o bastão da liderança do desenvolvimentismo para Celso Furtado, que já vinha trabalhando com as ideias cepalinas e acabara de chegar ao Brasil (retornando de Santiago) para chefiar a comissão mista CEPAL-BNDE. Doravante, Furtado passaria a ser a grande referência desenvolvimentista no Brasil.

Bielschowsky (1996) identifica cinco correntes no pensamento econômico brasileiro: a neoliberal, a socialista e três correntes desenvolvimentistas. A mais influente das três, segundo o autor, foi a “desenvolvimentista-nacionalista” liderada por Celso Furtado. As ideias desta ala se caracterizavam por três elementos: a subordinação da política monetária à política desenvolvimentista; o controle dos centros de decisão sobre poupança e investimentos pelo governo e pelos empresários nacionais; e a preocupação social.

Na década de 1960, o debate vai ser bastante influenciado pelas mudanças estruturais históricas que ocorrem na América Latina: acirramento dos problemas macroeconômicos (desequilíbrio externo e inflação); crescente heterogeneidade social (que começa a ser percebida nos grandes centros urbanos); e a revolução cubana (que apontava uma possível nova estratégia de superar o subdesenvolvimento).

Aqui, três posições se enfrentam no terreno ideológico: o reformismo conservador, o reformismo progressista e visões favoráveis a uma ruptura (“revolução socialista” aos moldes da cubana). Furtado exerceu uma liderança nos reformistas progressistas (BIELSCHOWSKY, 2005).

Na década de 1970, o debate vai se caracterizar pela questão do “modelo” de crescimento com concentração de renda, adotado pelas ditaduras na América Latina. A discussão perpassa os “estilos” e “padrões” de crescimento. O adotado pela ditadura foi perverso, pois resultava em uma crescente heterogeneidade social.

No início dos anos 80, a ideologia desenvolvimentista perde fôlego por conta das mudanças políticas patrocinadas pelos EUA e Inglaterra em fins de 1970, que deram início ao

regime de dominância financeira na economia. Durante os últimos 20 anos do século XX, a ideologia do desenvolvimentismo estatal dá lugar à ideia da eficiência dos mercados. Um longo processo de liberalização financeira transforma os países subdesenvolvidos em mero ‘mercados emergentes’. No próximo capítulo, trataremos deste processo, suas origens e seus impactos na economia brasileira.

4 DE PAÍS SUBDESENVOLVIDO A MERCADO EMERGENTE: A LÓGICA