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CAPÍTULO II – O SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO

3. INSTRUMENTOS NORMATIVOS

3.2 Código de Ética Profissional

A ética profissional é uma das importantes dimensões da profissão e tem de ser percebida articulada às dimensões teórica, técnica, política e prática. Nesse sentido, compõe organicamente um conjunto de particularidades consubstanciadas em orientações filosóficas e teórico-metodológicas e em ações ligadas à autonomia e consciência dos sujeitos.

Trata-se de uma resposta de determinada categoria profissional relacionada a um “dever-ser”, com valores e compromissos em uma dada direção social, o que permite uma identidade às categorias profissionais publicizando seus projetos societários, suas defesas, valores, o direcionamento de suas práticas, que se traduzem, na esfera normativa, nos Códigos de Ética, exigência estatutária no campo das profissões liberais.

O Código de Ética, como código moral,

prescreve normas, direitos, deveres e sanções determinadas pela profissão, orientando o comportamento individual dos profissionais e buscando consolidar um determinado projeto profissional com uma direção social explícita. (BARROCO,1999:129)

Apesar do caráter legal, sua apreensão pela categoria profissional não pode ocorrer de maneira dogmática e isenta de reflexões, pois a direção social só será legitimada com a aceitação consciente, autônoma e responsável de seus valores e princípios por parte dos sujeitos a que se destina. Essa aceitação pressupõe o reconhecimento do Código como um instrumento de legitimação política de determinado projeto profissional e, nesse sentido, o reconhecimento de seus condicionantes históricos, uma vez que a ética é considerada como capacidade humana, assentada na atividade prática livre e consciente dos sujeitos sociais.

Ao falarmos em projeto profissional, cabe ressaltar o reconhecimento de que o campo das profissões, em seu caráter de produção e reprodução da vida social, propicia a coexistência de projetos societários diferenciados que se transformam e se renovam historicamente na relação entre as conjunturas específicas e representam,

a auto-imagem de uma profissão, elegem valores que a legitima socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais, privadas e públicas (entre estas, também e destacadamente, com o Estado, ao qual coube, historicamente, o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais). (NETTO:1999,95)

Nesse sentido, os Códigos de Ética explicitam o projeto profissional de determinada categoria profissional e representam suas escolhas teóricas, políticas e ideológicas que não se limitam a normatizações e/ou prescrições sobre comportamentos esperados, mas abrangem um projeto de profissão vinculado a uma

direção social dentro de uma determinada perspectiva.

O Serviço Social, em seu percurso histórico, conta com cinco Códigos de Ética, os de 1947, 1965, 1975, 1986 e 1993. A trajetória, até a década de 1960, foi marcada pelo conservadorismo ético, reforçado por conceitos ligados à busca da harmonia social, compreendida como necessária ao bem comum ou à felicidade geral; na auto-realização da pessoa humana e na compreensão do agir profissional como vocação a ser exercido por indivíduos com um perfil ético-moral dado por qualidades natas. Os três primeiros códigos foram fortemente marcados pelo tradicionalismo profissional, com fundamentação tomista, que reproduzia a perspectiva humanista cristã tradicional, contrária às transformações que pudessem colocar “em risco” a instituição familiar.

Com a conjuntura sociopolítica da década de 1960 e a intensa participação de parcela da categoria profissional dos assistentes sociais nos processos sociopolíticos, há uma ruptura marcada pela confluência de outras perspectivas profissionais, abrindo campo, nos anos seguintes, para a renovação no Serviço Social alicerçada em um projeto profissional balizado em compromisso ético-político com a população usuária dos serviços e na explicitação da dimensão política do fazer profissional, que se materializa no código de 1986.

O Código de Ética de 1986 representa uma ruptura com os pressupostos abstratos e imutáveis dos códigos anteriores e supera a visão metafísica e idealista do real (superação de conceitos, como pessoa humana e bem comum); a negação da neutralidade profissional; a visão do assistente social como mero executor terminal das políticas sociais; e avança na defesa do compromisso profissional com os usuários e com a classe trabalhadora. É importante demarcar os avanços contidos neste código, porém, a perspectiva referente ao compromisso com a classe trabalhadora exigiu melhor explicitação já sentida nos finais dos anos 1980. Barroco (2001:177) enfatiza que:

na medida em que o compromisso e as classes não são tratados em suas mediações em face da ética profissional, o Código não expressa uma apreensão da especificidade da ética; em vez de se comprometer com valores, se compromete com uma classe, o que é o mesmo que afirmar que tal classe é, a priori, detentora dos valores positivos, o que configura uma visão idealista e desvinculada da questão da alienação.

Nesse sentido, intensas discussões foram deflagradas pelos organismos profissionais, protagonizado pelo conjunto Cfess/Cress e envolvendo a categoria

profissional em todo o país.

a revisão do texto de 1986 processou-se em dois níveis. Reafirmando os seus valores fundamentais – a liberdade e a justiça social -, articulou-os a partir da exigência democrática: a democracia é tomada como valor ético- político central, na medida em que é o único padrão de organização político-social capaz de assegurar a explicitação dos valores essenciais da liberdade e da equidade (...). Em segundo lugar cuidou-se de precisar a normatização do exercício profissional de modo a permitir que aqueles valores sejam retraduzidos no relacionamento entre assistentes sociais, instituições/organizações e população, preservando-se os direitos e deveres profissionais, a qualidade dos serviços e a responsabilidade diante do usuário. (Código de Ética Profissional, CFESS,1993:15)

No processo de revisão, buscou-se garantir os avanços e superar as fragilidades do Código de 1986 e, como perspectiva central, a compreensão de que a ética tem como suporte valores e não compromissos com uma determinada classe social. Valores que

não são categorias abstratas, mas determinações da prática social que o pensamento reconstrói e conceptualiza. Tais determinações resultam da atividade criadora do ser social, tipificada no processo do trabalho. É mediante o processo do trabalho que o ser social se constitui, se instaura como distinto do natural, dispondo de capacidade teleológica, projetiva, consciente. (PAIVA et al , 1996:164)

Com esse caráter, no Código de Ética de 1993, a liberdade é concebida como valor ético central, compreendida como o direito de escolhas concretas dos indivíduos sociais, como capacidade humana e historicamente determinada. A esse conceito, agrega-se a compreensão de que a plena realização da liberdade de um implica a realização da liberdade de todos o que a vincula a outros valores, como autonomia e emancipação. Agregam-se a esses princípios, os relacionados ao compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e à articulação com outras categorias profissionais que partilhem os princípios defendidos, principalmente os relacionados à construção de uma nova ordem societária, sem exploração e dominação. Como princípios, apresenta:

- reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;

- defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo;

- ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras;

- defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida;

universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática;

- empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças;

- garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas e compromisso com o constante aprimoramento intelectual;

- opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero;

- articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores;

- compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional;

- exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física. (CÓDIGO DE ÉTICA,1993)

Esses princípios referenciam o agir profissional em uma dada direção social, o que amplia a concepção do Código de Ética. Na sua articulação entre princípios/valores profissionais x deveres e direitos do assistente social, torna -se um importante instrumento para expressar uma identidade ético-política que perpassa o Serviço Social como profissão e delineia um projeto de sociedade mais justa e igualitária.