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CAPÍTULO II – O SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO

5. MERCADO DE TRABALHO PROFISSIONAL

A profissão Serviço Social legitima-se assentada sob um fazer reconhecido nos marcos da divisão social e técnica do trabalho e seu exercício profissional vincula-se no âmbito das relações entre o Estado e a sociedade, nos parâmetros de uma sociedade de classes. O assistente social torna-se um trabalhador assalariado, que vende sua força de trabalho em um mercado, ocorrendo seu ingresso no “universo da mercantilização passando a constituir-se como parte do trabalho social produzido pelo conjunto da sociedade”. (IAMAMOTO, 2000:114)

Apesar do caráter de profissão liberal, não é essa a tradição profissional, pois o Serviço Social, em sua gênese, vincula-se à ação do Estado no processo de intervenção, de cunho regulatório, nas múltiplas manifestações da questão social. Esse caráter implicou o ingresso no mercado de trabalho pela via da contratação de seus serviços, como trabalhadores assalariados, participando das injunções históricas presentes nas relações de mercado.

Como verificamos, a categoria dos assistentes sociais vem, nos últimos anos, construindo um projeto que delineia uma direção social ao trabalho profissional. São visíveis seus avanços, tanto em termos teórico-práticos, organizativos e políticos quanto na organicidade com as lutas maiores da sociedade brasileira.

É importante destacar que, somente nos últimos 30 anos, torna-se possível a materialização desse projeto profissional articulado a um projeto de sociedade, porém é importante destacar também seus inúmeros desafios, visto vivenciarmos, nos últimos 30 anos, profundas alterações no padrão de acumulação capitalista, sob a hegemonia do capital financeiro que introduziram mudanças radicais na divisão social e técnica do trabalho, com rebatimentos diretos nas relações de trabalho.

No amplo leque de mudanças, encontram-se as desregulamentações que extrapolam a ação estatal e abarcam as relações sociais e os mercados de trabalho, propiciando alterações nas configurações profissionais, com novas demandas, perfis, e a própria inserção nesse mercado.

A ampliação do mercado formal de trabalho, que ocorreu nos marcos do padrão taylorista/fordista e da regulação keynesiana, possibilitava associar emprego à indústria, postos de trabalho à estabilidade e garantias legais previstas no conjunto da proteção social.

Com a crise instaurada nos anos 1970, esse modelo sofre sério revés e profundas alterações nas formas da produção e gestão da mão-de-obra, com o direcionamento à focalização da produção, a terceirização das atividades e um novo desenho industrial centrado na empresa enxuta e competitiva, que exige uma nova base de conhecimentos e organização das tarefas baseadas na “ampliação da quantidade de tarefas exercida pelo mesmo trabalhador” e “maior polivalência” (POCHMANN, 2001:45).

Além dessas configurações, outras se apresentam, alterando substancialmente a inserção dos trabalhadores no mercado formal de trabalho. Nessa direção, podemos elencar a oferta de trabalho menor que a demanda, ocasionando o desemprego; a substituição do trabalho humano pelas tecnologias informacionais; a descentralização do capital com a terceirização e subcontratações, transformando postos de trabalho com emprego formal para o campo de ocupações (distintas pela inexistência de garantias e direitos sociais). Tem-se, ainda, uma série de medidas que refletem em aumentos da jornada de trabalho, na desregulamentação das leis trabalhistas e dos contratos de trabalho, com o objetivo de reduzir o custo fixo com a mão-de-obra.

Essas mudanças não estão presentes apenas nas economias avançadas, mas estendem-se aos países considerados periféricos, impondo novas concepções, como a relativa à empregabilidade, concebida como um conjunto de habilidades e comportamentos que tornam o trabalhador empregável, competitivo, em um mercado em mudanças, com disposição para aprender e capacidade empreendedora.

Outras importantes manifestações das mudanças presentes nas relações mercado-inserção, são apontadas por Antunes (2005) reforçando o caráter das relações mais desregulamentadas e informais, caracterizadas nos processos de terceirização; na expansão dos assalariados médios no setor de serviços, setor que transmuta, tornando-se reconhecido como atividade produtiva na lógica da racionalidade econômica; na crescente exclusão dos jovens com idade para o ingresso no mercado de trabalho, ao lado da dos considerados “idosos”, pelo capital, com idade próxima aos 40 anos; na inclusão precoce de crianças no mercado nas mais diversas atividades produtivas; na precarização, em maior expressão do trabalho feminino e na expansão do trabalho em domicílio.

Dentre os trabalhadores mais afetados por essa conjuntura desfavorável, encontram-se os jovens, as mulheres e os com mais de 45 anos de idade, com

empregos menos qualificados e remunerados. Antunes aponta ainda a crescente expansão do Terceiro Setor,

que assume uma forma alternativa de ocupação, por meio de empresas de perfil mais comunitários, motivadas predominantemente por formas de trabalho voluntário, abarcando um amplo leque de atividades que predominam aquelas de caráter assistencial, sem fins diretamente mercantis ou lucrativos e que se desenvolvem relativamente à margem do mercado. (ibidem:79)

Nessa direção, enfatiza que o Terceiro Setor tem a capacidade de exercer um papel funcional no mercado ao incorporar parcelas de trabalhadores desempregados pelo capital e abandonados pela desmontagem do welfare state, que passam a desenvolver atividades não-lucrativas, incorporando-se, ainda que de maneira precária, ao mercado de trabalho, imprimindo às suas atividades um sentido útil e social.

A conjunção desses fatores altera a materialidade da classe trabalhadora, pois, ao subdividir os trabalhadores em grupos, de acordo com sua inserção ou não no mercado formal de trabalho, possibilita o esgarçamento do sentido de classe, fragilizando e enfraquecendo sua organização. Conforme Bihr (1998), a classe trabalhadora pode ser assim subdividida:

a) os estáveis, com garantias de emprego, salário e os direitos adquiridos sob a vigência do fordismo;

b) os excluídos do trabalho e até do mercado de trabalho em si, dependentes da seguridade social ou mesmo da solidariedade esporádica dos outros – vistos, por essa mesma sociedade, como os que não se adaptaram;

c) entre esses dois pólos, uma massa flutuante de trabalhadores instáveis: os subcontratados, os que trabalham em tempo parcial, os temporários, os estrangeiros, os imigrantes. (In: MARCELINO, 2004:119).

No Brasil, a década de 1990 foi marcada pela abertura da economia ao capital, o que propicia profundas modificações na estrutura econômica e potencializa os processos competitivos provocados pela liberalização do comércio externo, forçando as empresas brasileiras a adaptações, ampliando os processos de terceirização das atividades presentes desde meados da década de 1980. Baltar (2003:125) em suas análises relativas ao emprego urbano na década de 90, enfatiza que

o número de desempregados aumentou de cerca de 03 milhões para oito milhões, enquanto que o número de empregados em estabelecimentos aumentou de 30,8 milhões para 32,4 milhões e o de trabalhadores no serviço doméstico remunerado, de 3,9 milhões para 5,3 milhões,

demonstrando que, em números absolutos, o aumento do desemprego foi maior que o do trabalho assalariado total, a soma dos empregados em estabelecimento e dos trabalhadores do serviço doméstico remunerado.

O autor reforça as dificuldades de inserção no mercado de trabalho citando como exemplo a inserção dos jovens nas oportunidades de emprego, o declínio da participação no mercado de trabalho assalariado, o aumento do emprego sem carteira de trabalho e o crescimento do trabalho “por conta própria”. No que se refere aos empregos celetista e estatutário, reforça sua diminuição pós-92, na indústria de transformação e aumento lento e gradativo na administração pública, crescendo em ritmo expressivo em todos os demais setores.

No campo das tendências do mercado de trabalho brasileiro, Marques (1997:49), em suas análises, enfatiza “a interrupção da expansão do assalariamento formal” e “a precarização do trabalho naquele segmento que, mal ou bem, tinha garantido os direitos trabalhistas e a proteção social”.

Esse conjunto de alterações afeta duplamente o assistente social: como trabalhador que vende sua força de trabalho no mercado de trabalho; e no espaço cotidiano do trabalho profissional, no qual atua com as conseqüências de um modelo excludente e privatizante, com o retraimento do Estado em relação às suas responsabilidades e ações no campo social.

Esse conjunto de reflexões é melhor explicitado com os resultados da pesquisa efetuada pelo conjunto CFESS-CRESS em 2005, intitulada Assistentes Sociais no Brasil – Elementos para o Estudo do Perfil Profissional, que contou com uma amostra composta por 1.049 assistentes sociais, em todo o País.

Essa pesquisa traz preciosas informações no sentido de compreender a inserção profissional no mercado de trabalho aliada a elementos que configuram a identidade profissional.

Ao falarmos em identidade profissional, referenciamos o conceito de identidade trabalhado por Martinelli (2005:68) pensada com bases no movimento concreto e real e não no sentido estático e permanente; é reconhecê-la como campo da alteridade e diversidade, da diferença e do encontro de saberes e práticas que se complementam e interagem.

Nesta direção, implica pensar tanto o que nos une como o que nos diferencia, enquanto perspectivas ético-políticas e também pensar o conjunto dos sujeitos que materializam o trabalho profissional.

Enquanto perspectivas ético-políticas, temos correntes que disputam projetos profissionais diferenciados e, conforme Netto (1990), ao longo da profissionalidade do Serviço Social brasileiro, há a incidência de três perspectivas: a modernizadora, a reatualização do conservadorismo e a intenção de ruptura, protagonistas do projeto profissional hoje hegemônico43.

No que se refere aos sujeitos profissionais, a pesquisa efetuada pelo CFESS possibilita o conhecimento do perfil profissional e os aspectos relativos à inserção do assistente social no mercado de trabalho, dentre os quais, destacam-se:

- confirma-se a tendência histórica de profissão de cunho eminentemente feminina, jovem, “com idade entre 35 a 44 anos, católica praticante, que se auto- declara branca, heterossexual e casada, sem filhos ou constituindo uma prole de dois filhos” (CFESS, 2005:22);

- quanto à capacitação/titulação, 55% informaram apenas ter a graduação em Serviço Social, percentual seguido de 36% dos que declararam ser especialistas na área;

- no quesito participação política, 32% informaram ter alguma participação política, com 44% nos movimentos ligados à categoria profissional; seguidos de 32% que participam de movimentos sociais;

- no que se refere às relações de trabalho, majoritariamente, com 77% da amostra, encontram-se os assistentes sociais, com apenas um vínculo empregatício, seguidos de 11% dos que declararam nenhum vínculo, ou seja, a não-inserção no mercado de trabalho do assistente social;

- quanto à natureza da instituição, 78% têm seus vínculos ligados à esfera pública, inicialmente municipal, seguida pelas estadual e federal. A esfera privada conta com 13%, seguida pelo Terceiro Setor, com 6%. Com a preponderância do vínculo funcional ligado ao setor público, seus contratos de trabalho são regidos, em 55%, pela condição estatutária, seguida pela celetista, com 27%.

- relativo às mudanças de nomenclatura de cargos e funções, presentes nos processos de reestruturação produtiva, essa tendência ainda é pouco significativa no âmbito profissional, com 85% dos assistentes sociais informando possuir o cargo de assistente social.

43 Essas perspectivas são trabalhadas pelo autor em Ditadura e serviço social – uma análise do

- a carga horária predominante é de 40 horas semanais, com 50%, seguida por 30 horas, com 28%.

- como renda, a predominância salarial insere-se no intervalo de quatro a seis salários-mínimos, perfazendo 45% da amostra, seguidos de sete a nove, com 20%.

As mudanças que afetam os processos produtivos oportunizam impactos no mercado de trabalho que também afetam o assistente social, como podemos verificar no capítulo que se segue.