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CAPÍTULO II – O SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO

4. AS DIMENSÕES DA PROFISSÃO: NORMATIVA, FORMATIVA E

4.2 A dimensão formativa

A formação acadêmica em Serviço Social inicia-se com a criação do CEAS em setembro de 1932. Após sua constituição, a meta era a criação de uma Escola de Serviço Social no Brasil e, nesta direção, duas de suas integrantes (Albertina Ferreira Ramos e Maria Kiehl) foram para a Europa para realizar o Curso de Serviço Social na Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas (Bélgica).

formação da Escola de Serviço Social de São Paulo, a qual foi inaugurada em 15 de fevereiro de 193637, objetivando formar assistentes sociais (curso com duração de três anos) preparados para um mercado de trabalho em franca expansão. A partir desta, outras são inauguradas no Brasil; em 1937, no Rio de Janeiro e, posteriormente, nos Estados do Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Em 1949, o Brasil contava com 15 Escolas de Serviço Social, sendo 12 vinculadas às organizações católicas e 03 por iniciativas do governo federal. Destas, 13 Escolas tinham como público-alvo o feminino e apenas duas, o masculino.

A formação inicial é notadamente de inspiração católica e o aspecto técnico é incorporado quanto se concretiza a influência americana, possibilitada pelos intercâmbios para aperfeiçoamento e especialização dos profissionais brasileiros em escolas americanas. Com a influência americana, tem-se a perspectiva funcionalista aliada ao neotomismo cristão e a busca por maior racionalização, relacionada à instrumentalização do exercício profissional como bases para a formação dos primeiros assistentes sociais brasileiros. A influência americana possibilitou a diminuição gradual dos conteúdos religiosos para os técnico-metodológicos incorporando técnicas ligadas ao Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade.

Esse cenário de expansão das escolas propiciou a articulação, dez anos apenas da criação da primeira Escola de Serviço Social, a criação da ABESS em 10 de outubro de 1946, no Governo Dutra, em uma conjuntura de forte repressão ao movimento operário, aliada a uma política de desenvolvimento econômico e intervenção estatal orientadas pelo liberalismo econômico.

A ABESS, atualmente ABEPSS, foi criada por um grupo de assistentes sociais, liderada por Odila Cintra Ferreira, da Escola de Serviço Social de São Paulo, com a finalidade de definir e coordenar uma política de formação profissional para o assistente social e construir a unidade nos processos de formação, direcionando seus primeiros passos na regulamentação desse ensino em nível universitário, objetivo alcançado com a aprovação da Lei 1.889 em 13 de junho de 1953.

A conjuntura deflagrada com a ditadura militar, nos anos 1960, dificultam as articulações e, somente a partir de 1975, em suas convenções torna -se possível um processo de discussões na direção de um currículo mínimo para o Curso de Serviço

37 Em 1947, passou a integrar a PUC como Faculdade Agregada. Foi reconhecida pelo MEC em

1956, de acordo com a Lei 1.889, de 13 de junho de 1953, que regulamentou o ensino de Serviço Social no Brasil, colocando-o no nível universitário. Boletim comemorativo aos 25 anos da PUC-SP.

Social. Currículo que é aprovado na Convenção Nacional realizada em Natal/RN, em 1979 e, em agosto de 1982 é reconhecido pelo Conselho Federal de Educação.

O currículo mínimo aprovado em 1982 aponta a importância de uma formação que extrapole a simples preparação para o emprego e avança no sentido de indicar a necessária preparação técnica e científica que possibilite a intervenção qualificada para não só atender as demandas do mercado de trabalho como também, competência para conquistar novos espaços. As discussões centram-se no direcionamento da formação, os objetivos e a função social da formação profissional. Como direção, comungava com o debate presente no cenário profissional da necessária articulação aos interesses da classe trabalhadora, com ênfase na natureza do caráter contraditório do trabalho profissional.

Foi a partir da análise histórica do significado da profissão, no processo de reprodução das relações sociais capitalistas, que se desvelaram as implicações sociais da prática profissional em suas contradições fundantes. (ABESS,1996:147/148)

A produção teórica no Serviço Social foi ampliada com importantes contribuições, produções matizadas nas reflexões sobre a centralidade do trabalho na constituição do ser social com base no pensamento marxiano. Outro ve tor importante foi o relacionado às discussões sobre o pluralismo, no sentido do rompimento com a perspectiva eclética da formação.

Em 1987, buscando dar centralidade e incorporar a pesquisa na área de Serviço Social, foi criado o CEDEPSS como órgão acadêmico da ABESS, na direção de fortalecer e consolidar a pesquisa como princípio e condição da formação profissional, objetivando a articulação entre graduação e pós-graduação. Na gestão 1997/98, através da alteração em seus estatutos, se consolida a unidade ABESS/CEDEPSS passando, a entidade, a ser denominada ABEPSS. A incorporação da pesquisa na área de Serviço Social vem possibilitando à profissão ser reconhecida como área de conhecimento pelas agências de fomento como Capes e CNPq.

A partir de 1995, as oficinas da ABESS centram suas preocupações em torno do eixo do currículo, apontando três direcionamentos: “a política social, os padrões de proteção social e a história/teoria/método” (ABESS, 1996:148). Esse processo possibilitou a compreensão do eixo da formação

a partir dos elementos que dão concretude ao Serviço Social, pressupõe a apreensão entre a profissão e as novas configurações da questão social, apreendida no interior do processo de reprodução da relação entre capital e trabalho. (Idem, ibidem:149)

As discussões nos anos 1990 voltam-se para a preservação das conquistas e do currículo de 1982 e à superação de alguns aspectos, como os relativos aos conteúdos numa perspectiva formal e politicista.

Com a compreensão das mudanças na esfera da produção e a necessária tematização da relação entre profissão/realidade, sob os marcos da produção e reprodução das relações sociais, a questão social passa a ser o eixo do curso e suas múltiplas manifestações a matéria-prima do trabalho do assistente social.

A preocupação centra-se também sobre o mercado de trabalho como mediação do exercício profissional, sendo o assistente social considerado em sua condição de trabalhador assalariado, inserido nos processos de compra e venda de sua força de trabalho, mediados pelo salário, em uma sociedade marcada por processos de reestruturação produtiva e reformas do Estado que propiciam alterações objetivas em seus espaços sócio-ocupacionais.

Sob essa ótica, são apontadas novas diretrizes curriculares que apresentam um projeto de formação tendo como eixos a capacitação teórico-metodológica com a apreensão crítica do processo histórico como totalidade; a capacidade investigativa; a capacitação teórica, investigativa e ético-política para apreender as demandas tradicionais e emergentes, metas que pressupõem a capacitação permanente do corpo docente; o exercício do pluralismo e a definição de uma política de pesquisa e de áreas temáticas prioritárias para a investigação e prática profissional; dentre outras. Para a consecução dessas metas, a articulação ocorre por meio de núcleos de fundamentação, assim organizados: núcleo de fundamentação teórico-histórica das configurações socioeconômicas, culturais, políticas e teóricas do ser social; núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira inserida na divisão internacional do trabalho; núcleo de fundamentação do trabalho profissional.

A aprovação das diretrizes curriculares pelo MEC, em 2001, não se referenciou à proposta discutida e encaminhada pela ABEPSS em sua totalidade, embora tenha preservado os três núcleos de fundamentação, organizadores da estrutura curricular: núcleo de fundamentos do trabalho profissional, núcleo de

fundamentos teórico-metodológicos da vida social e núcleo de formação sócio- histórica da sociedade brasileira.

As mudanças inseridas pelo CNE, conforme Iamamoto (2003:12) resultaram da

ausência de parâmetros legais para se garantir um conteúdo básico à formação profissional no país, que passa a ser submetida à livre iniciativa das unidades de ensino, públicas e privadas, desde que preservados formalmente os referidos núcleos.

Ao falarmos na aprovação das diretrizes curriculares, torna-se importante situar este debate inserido na política de educação do País com a aprovação da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB, que impôs um conjunto de medidas lançadas pelo MEC no sentido da reforma universitária. Dentre as medidas, abrem- se possibilidades a novas modalidades de ensino, como os cursos seqüenciais, os mestrados profissionalizantes, o ensino a distância, o ensino de graduação a distância; estabelecem processos de avaliação nacional dos cursos e impõem o debate sobre a autonomia da universidade.

Esse conjunto de medidas propicia alterações que fragilizam a formação superior, atinge todas as profissões e insere-se na proposta de um modelo de educação no País.

Uma educação menos comprometida com a formação cidadã e mais voltada para os interesses de mercado, uma educação garantida mais como serviço privado e menos como direito social. Trata-se, enfim, de uma inversão nos propósitos educacionais de construção da cidadania. (FERREIRA, 2000:82)

Estas medidas não afetam apenas o Serviço Social, abrange profundas alterações para a política educacional brasileira, privilegiando o ensino particular em detrimento do público, com a proposta de autonomia universitária centrada na mercantilização da educação. A ênfase está colocada na educação como mercadoria, no estímulo das formações específicas e no encaminhamento de processos avaliativos como mecanismos de competitividade entre as Unidades de Ensino, descontextualizados de outras referências.

Para o Serviço Social, esse direcionamento atinge frontalmente as diretrizes curriculares construídas após amplo debate no meio profissional e em consonância com o projeto ético-político da profissão. Dentre os inúmeros desafios está o de assegurar, coletivamente, os conteúdos teórico-metodológicos presentes nas

diretrizes curriculares, pois refletem uma construção coletiva que materializa um projeto de profissão articulado a um projeto de sociedade.