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CAPÍTULO II – O SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO

3. INSTRUMENTOS NORMATIVOS

3.1 Lei de Regulamentação Profissional

O Serviço Social, embora regulamentado desde 1957 como profissão liberal, não tem uma tradição no trabalho autônomo. Suas atividades vinculam-se, majoritariamente, em relações salariais, com vínculos empregatícios, seja na esfera pública ou privada. Apesar desse caráter, apresenta traços que marcam sua condição de profissão liberal, dentre esses, a formação acadêmica que possibilita a prestação de serviços de natureza técnico-científica; uma direção social legitimada em um Código de Ética; a intervenção com possibilidades de certa autonomia e liberdade; as reais possibilidades do trabalho independente de vínculos, como no campo das assessorias, dentre outros.

A Lei que regulamenta a profissão - Lei 3.252 de 27 de agosto de 1957 -, apesar de inserida em um momento político marcado por uma perspectiva reguladora do Estado brasileiro, representou importante momento no processo de legitimação do Serviço Social como profissão e sinalizou conquistas da categoria profissional que se materializaram nas definições sobre esse exercício profissional, em caráter nacional.

Dentre elas, cabe destacar o caráter da profissão de natureza técnico-

científica; a designação de assistente social privativa aos habilitados com formação acadêmica na área; o livre exercício da profissão em todo o território nacional; o esclarecimento de suas prerrogativas e atribuições, a necessidade do registro em órgão fiscalizador; a fiscalização do exercício profissional, responsabilidades do CFAS e CRAS. Naquele momento histórico, a jurisdição dos Conselhos Regionais ficou assim delimitada:

Art. 7º Para o efeito da constituição e da jurisdição dos CRAS fica o território nacional dividido nas seguintes regiões:

. 1ª Região: Amazonas, Pará e Território do Acre, Rio Branco, Rondônia e Amapá com sede em Belém.

. 2ª Região: Maranhão e Piauí, com sede em São Luís.

. 3ª Região: Ceará e Rio Grande do Norte, com sede em Fortaleza. . 4ª Região: Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Território de Fernando de Noronha, com sede em Recife.

. 5ª Região: Sergipe e Bahia, com sede em Salvador.

. 6ª Região: Espírito Santo e Minas Gerais, com sede em Belo Horizonte.

. 7ª Região: Estado da Guanabara e Estado do Rio de Janeiro, com sede no Rio de Janeiro.

. 8ª Região: Distrito Federal, Goiás e Mato Grosso, com sede em Brasília.

. 9ª Região: São Paulo, com sede na Capital.

. 10ª Região: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com sede em Porto Alegre. (LEI 3.252, de 27 de agosto de 1957)

Apesar do caráter regulatório imposto aos conselhos profissionais, na esfera do Serviço Social foi possível, principalmente no processo de renovação iniciado nos anos 1960/70, a construção de um espaço político para além dessa esfera, inserido nas demandas profissionais e articulado às lutas sociais, com a compreensão da regulamentação na perspectiva do fortalecimento profissional.

O sentido regulamentação–articulação, no contexto da democratização das instituições públicas, possibilitou a atualização do texto legal em 1993, através da Lei 8.662 de 7 de junho de 1993.

A revisão do texto, necessária pelos avanços da categoria profissional inserida nas lutas sociais, buscou articular a lei como instrumento na defesa dos princípios. Em seu conjunto, destaca-se:

- preserva os artigos que definem a liberdade do exercício profissional em todo o território nacional; o exercício da profissão somente aos possuidores do diploma em curso de graduação em Serviço Social; a designação privativa de assistente social aos graduados; a inscrição nos Conselhos para o exercício da profissão;

- altera a denominação de seus órgãos, na compreensão do conselho como espaço público, não de profissionais e sim de uma profissão, passando a denominação CFAS-CRAS para CFESS-CRESS, em seu art. 6º;

- avança em seus artigos 4º e 5º ao definir o campo das competências e atribuições privativas do assistente social.

Os artigos 4º e 5º da lei problematizam o agir profissional ao buscar definições sobre o que seriam competências e atribuições privativas.

Como competências (Art. 4º), consideradas as “capacidades para apreciar ou dar resolutividade a determinado assunto, não sendo exclusivas de uma única especialidade profissional” (IAMAMOTO, 2002:16), temos, dentre outras, a elaboração, execução e avaliação de políticas sociais e de planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social; o encaminhamento, providências e orientações sociais a indivíduos, grupos e à população; planejamento, execução e administração de benefícios e serviços sociais, pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e subsidiar ações profissionais; assessoria e consultoria; estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais.

Como atribuições privativas (Art. 5º), consideradas exclusivas do assistente social tem-se, dentre outras, a coordenação, elaboração, execução, supervisão e avaliação de estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; o planejamento, organização e administração de programas e projetos em Unidade de Serviço Social; a assessoria e consultoria em matéria de Serviço Social; as vistorias, perícias técnicas, laudos periciais e pareceres em matéria de Serviço Social; o magistério em níveis de graduação e pós-graduação nas disciplinas e funções afetas ao Serviço Social; a supervisão de estagiários de Serviço Social; a coordenação das Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social (graduação e pós- graduação); a fiscalização do exercício profissional através dos Conselhos Federal e Regionais; a coordenação de serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas e privadas.

Esses artigos contêm aspectos importantes e com grandes desafios, sendo um deles, o relacionado à área ou matéria específica do Serviço Social. Qual a compreensão sobre a área ou matéria específica nesse início de novo século em que os espaços ocupacionais e áreas específicas sofrem significativas mudanças, com os esforços centrados no sentido da substituição da “rigidez” das regulamentações

para a abertura de mercados “mais flexíveis” à mobilidade laboral?

Considerando o objeto do Serviço Social, a questão social e suas múltiplas determinações na vida cotidiana, maior o desafio em delimitar, com precisão, os campos profissionais, compartilhados com outros profissionais atuando, muitas vezes, em ações semelhantes ao do assistente social. Nessa direção, Iamamoto (2003:28) reforça:

Só é possível avançar na definição da matéria do Serviço Social, na particularização das competências e atribuições do assistente social ao se considerar as expressões específicas da questão social, que desafiam a “pesquisa concreta de situações concretas”, (como a violência, o trabalho infantil, a violação dos direitos humanos etc.). É a consideração das múltiplas manifestações desse fenômeno que demarca o padrão de sociabilidade dessa sociedade e que nos chegam sob a forma de demandas, que permite avançar na indicação de projetos, programas, atribuições e competências.

Nesse sentido, atuar nessa direção implica, primeiro, compreender os processos sociais que contribuem para o agravamento da questão social, dentre eles, o atual estágio do processo de acumulação capitalista que favorece os investimentos especulativos em detrimento da produção, acarretando altos níveis de desemprego e a retração do Estado no campo das políticas públicas; e, segundo, considerar a inserção dos assistentes sociais em diferentes espaços ocupacionais e demandas sociais, em uma relação de assalariamento que reproduz interesses sociais distintos e mesmo, contraditórios. As respostas às demandas dependem da apropriação teórico-metodológica para a compreensão dos processos sociais e de desmistificar as suas competências e atribuições, construídas nas relações contraditórias nas quais os assistentes sociais estão inseridos.