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2.3. S ISTEMA DE A COSTAGEM E A MARRAÇÃO

2.3.3. C ABOS DE A MARRAÇÃO

Os cabos de amarração têm como função amarrar o navio porta-contentores à estrutura de acostagem, restringido os seus movimentos, de forma a garantir a sua permanência no cais em condições seguras e adequadas ao desenvolvimento da atividade de carga e descarga dos contentores. Não sendo possível que o navio seja completamente imobilizado, o objetivo passa por combinar um número limitado de cabos de amarração de tal forma que as amplitudes dos movimentos do navio não ultrapassem os limites considerados admissíveis, quer ao nível do que possa pôr em risco o próprio navio, a mercadoria, as estruturas portuárias ou mesmo vidas humanas, quer ao nível do que são as exigências atuais do mercado ao nível da produtividade das operações, para a qual a amplitude dos movimentos do navio se apresenta como um fator fundamental. As principais forças responsáveis pelo movimento do navio têm origem na ação do vento, das correntes e das ondas, embora possam existir outras, geralmente de menor expressão, como por exemplo as que têm origem na redistribuição, adição ou subtração de cargas ao navio. A forma como o navio responde às diferentes ações exteriores não é a mesma e isso exige que se

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procure explorar diferentes aspetos da resposta do sistema de amarração para lidar com as diferentes naturezas dessas ações exteriores. No caso das ondas, por exemplo, devido ao carácter periódico da ação, a definição do esquema de amarração deverá considerar, não só os aspetos estáticos do problema, do equilíbrio das forças, mas também os aspetos dinâmicos do problema e da maneira como o esquema de amarração altera a rigidez do sistema e consequentemente a resposta do navio amarrado à agitação marítima. Por esse motivo, as forças na amarração devido à ação das ondas são as mais difíceis de prever, e a razão mais comum para a rotura de cabos de amarração (Thoresen, 2003).

Existem algumas linhas gerais que orientam a definição de um esquema de amarração. Desde logo, pode ser feita uma divisão genérica dos tipos de cabos pela sua função principal no sistema de amarração. Assim podem-se dividir os cabos que compõe o sistema de amarração por três grupos, Figura 2-18: lançantes, traveses e regeiras, tanto à popa como à proa.

Figura 2-18 - Tipos de cabos de amarração por função (2017).

Um dos princípios fundamentais do funcionamento deste tipo de esquemas de amarração é que todas as forças aplicadas no navio normais ao cais devem ser recebidas pelos traveses, enquanto as forças longitudinais ao cais devem ser recebidas pelas regeiras (Thoresen, 2003). Assim, caberia aos traveses a redução dos movimentos de deriva e guinada e às regeiras a redução do movimento de avanço, com os lançantes a terem uma função complementar aos traveses e às regeiras na redução geral do movimento do navio, podendo em alguns casos ser dispensados (Rosa Santos, 2010). Embora esta seja a noção aplicada em muitos tipos de navios, nomeadamente a petroleiros, não é tão verdadeira no caso específico dos navios porta-contentores. De facto, no caso dos navios porta-contentores, os lançantes de proa e de popa tomam um papel de maior relevo na amarração, sendo responsáveis pela restrição dos movimentos transversais do navio. Isto acontece sobretudo porque nos navios porta-contentores os traveses são curtos devido à proximidade aos cabeços de amarração, que são dispostos na berma do cais para não obstruírem o movimento das gruas, e são lançados com uma inclinação muito grande em relação ao plano horizontal devido à posição elevada das buzinas na proa do navio, sendo que na popa até ficam praticamente verticais (PIANC, 2012), Figura 2-19.

29 Figura 2-19 - Imagem de um navio porta-contentores amarrado no terminal de contentores Norte do Porto de Leixões. A linha a verde representa a hipotética posição de um través de popa. Fica patente o elevado

ângulo com a vertical que o cabo teria (2017).

Assim, no caso dos navio porta-contentores, os lançantes de proa e de popa substituem os traveses na função de restringir os movimentos transversais ao cais e de manter o navio encostado às defensas. Por esse motivo devem ser aplicados com uma orientação em planta tanto quanto possível perpendicular ao cais (PIANC, 2012). Quando aplicados em navios porta-contentores, os traveses têm então uma função complementar de ajudar a reduzir os movimentos do navio, especialmente o movimento de guinada que se desenvolve conjuntamente como o movimento de avanço. Quando o navio se move longitudinalmente ao cais, em avanço, o cabo que se opõe ao seu movimento estará ativo e irá tencionar, enquanto que o cabo que se opõe ao movimento no sentido contrário tenderá a afrouxar. Assim o cabo ativo, supondo por hipótese que se trata do lançante de popa, manterá a popa do navio encostada ao cais, enquanto que a proa por se encontrar, na prática, livre irá afastar-se do cais, dando-se assim uma rotação do navio no plano horizontal (guinada). Os traveses deverão então ser empregues nos casos em que se verifique uma grande amplitude no movimento de guinada. Por terem fazerem um ângulo com a vertical elevado poderão também ter alguns efeitos na redução dos movimentos de balanço, cabeceio e arfagem, que ainda assim, regra geral, são pouco influenciados pelo sistema de amarração. Para que a inclinação dos cabos de amarração seja menor, e assim seja aumentada a eficiência dos mesmos nas restrições dos movimentos no plano horizontal, em alguns navios porta-contentores verifica- se a instalação dos guinchos do navio num convés inferior, como se mostra na Figura 2-20, sendo que esta opção tem a vantagem extra de libertar espaço adicional para a deposição dos contentores no convés principal. Visto que o efeito da amarração nos movimentos do navio no plano vertical é exíguo, ter os cabos inclinados neste plano traz pouco benefício ao controlo dos movimentos do navio e resulta no aumento indesejável do esforço transmitido pelo sistema de amarração à estrutura de acostagem.

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Figura 2-20- Vista de popa do navio porta-contentores WindHoek amarrado no terminal de contentores Sul do Porto de Leixões (2017).

Ao contrário das estruturas de acostagem com duques d’Alba, em que os esquemas de amarração estão perfeitamente definidos, no caso das estruturas dos terminais de contentores, por se tratarem de estruturas contínuas, o layout de amarração de cada navio num dado terminal varia bastante com as suas dimensões e fica dependente da posição do navio no cais e da relação entre a posição das buzinas do navio e o espaçamento dos cabeços. Por esse motivo, nem sempre é possível assegurar neste tipo de terminais a orientação desejada para os cabos ou garantir a simetria da amarração, importante para uma igual distribuição de forças entre os cabos (Thoresen, 2003). Ao projetar a estrutura deve ser tomada atenção a esta situação. Algumas regras práticas referem que se devem espaçar os cabeços de amarração entre 1 a 1.4 vezes a largura da boca dos navios (Alfredini, 2014), entre 5 a 30 m (Thoresen, 2003) ou entre 12 a 25 m (PIANC, 2012). Ainda em relação aos cabeços de amarração, o seu dimensionamento dependerá das forças desenvolvidas nos cabos de amarração quando o navio se movimenta, e que posteriormente o cabeço transmite à estrutura de acostagem. Dada a dificuldade de determinar com precisão os esforços desenvolvidos nos cabos de amarração, mesmo com recurso a modelos físicos ou numéricos, é frequente dimensionar os cabeços para resistir à força máxima correspondente à rotura do cabo de amarração (Alfredini, 2014). Dessa forma assegura-se, teoricamente, que mesmo em condições extremas, que excedam os limites de segurança, o cabo quebra antes que se desenvolvem forças suficientes para arrancar o cabeço de amarração podendo causar danos maiores. Ainda assim, verifica-se que essa situação não é de todo pouco frequente. Um dos motivos é por ser prática comum um mesmo cabeço amarrar vários cabos.

Sintetizam-se agora alguns dos princípios gerais que devem orientar a definição de um layout de amarração no que concerne à disposição dos cabos, características dos mesmos e número de cabos a ser empregue, Tabela 2-3. Na Figura 2-21 procurou-se representar o que poderia ser o layout de amarração um navio porta-contentores que fosse de encontro às recomendações, dentro das restrições geométricas que o condicionam.

31 Tabela 2-3 - Síntese das características do layout de amarração de um navio porta-contentores (adaptado

de PIANC (1995), PIANC (2012), Thoresen (2003) e Alfredini (2014))

Disposição dos cabos

Simétrica, para melhor distribuição de esforços

Simétrica, mesmo fora da posição de equilíbrio para reduzir o movimento de guinada

Os lançantes devem cumprir o papel tipicamente reservado aos traveses, ou seja, restringir os movimentos verticais do navio

Os lançantes de proa deverão estar o mais a vante possível, sem prejuízo de não haver contacto do cabo com o casco do navio

Os lançantes devem ser dispostos tão transversalmente ao cais quanto possível

Os ângulos em planta dos lançantes idealmente, devem ser inferiores ou igual a 15º (com a perpendicular aos cais)

As regeiras devem ser dispostas tão paralelamente ao cais quanto possível O ângulo em planta das regeiras inferior ou igual a 10º (com o bordo do cais)

Características dos cabos

Rigidez semelhante à das defensas para reduzir os movimentos do navio Os cabos de um mesmo grupo deverão ter o mesmo material, composição, diâmetro e comprimento, para uma melhor distribuição dos esforços Se cabos do mesmo tipo e mesmo diâmetro tiverem comprimentos muito diferentes é preferível usar cabos rígidos com extremidade flexível Os cabos devem estar pré-tensionados para evitar cargas impulsivas Os cabos devem estar pré-tensionados para maximizar o efeito do atrito com as defensas

O nível de pré-tensionamento deve permitir manter o cabo em tensão mesmo que o navio sofra alguns movimentos

Número de cabos

Os traveses podem geralmente ser dispensáveis

O uso de traveses justifica-se apenas para reduzir movimentos acoplados de guinada e avanço

O número de cabos necessário aumenta genericamente com o porte do navio

O número de cabos deve ser mantido no mínimo possível para facilitar a operação de amarração e evitar uma disposição congestionada de cabos O layout de amarração tipo consiste de 8 lançantes e 4 regeiras distribuídos igualmente entre a proa e popa

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Figura 2-21 - Layout de amarração tipo de um navio porta-contentores (2017).

A rigidez conferida pelos cabos de amarração desempenha um papel fundamental na resposta do navio amarrado à agitação marítima. Uma conjugação ótima do layout de amarração e das características de cada um dos cabos poderá ser capaz de afastar os períodos de resposta ressonante do navio dos períodos mais enérgicos da agitação contribuindo decisivamente para a redução dos movimentos do navio e o cumprimento dos limites operacionais e de segurança. A rigidez é um parâmetro que traduz a resistência do cabo à deformação pela força axial que lhe é aplicada. De uma forma geral pode-se dizer que rigidez de um cabo lhe é conferida pelas características do material ou materiais que o constituem e é proporcional à área da secção transversal e inversamente proporcional ao comprimento. Quanto ao material distinguem-se os seguintes tipos de cabos: fibra natural; fibra sintética; cabos de aço e cabos mistos. Os cabos de fibra natural são os cabos tradicionais. Têm como vantagens principais o fácil acesso, o custo relativamente baixo e fácil manuseio, se secos. No entanto, são sensíveis à temperatura, à agressão química e à abrasão. As cargas que são capazes de suportar não satisfazem as exigências dos navios porta-contentores pelo que não são empregues neste tipo de navios. Os cabos de fibra sintética são feitos a partir de polímeros sintéticos. São muito populares nos navios porta- contentores por serem rígidos e resistentes, e ao mesmo tempo leves e fáceis e manusear (PIANC, 2012). Este último fator tem alguma importância nos terminais de contentores, já que, devido à ausência de meios mecânicos (como cabrestantes) junto ao cais, o trabalho de recolha do cabo lançado à água e colocação do laço do mesmo no cabeço de amarração é feito manualmente pelos operários, Figura 2-22.

Figura 2-22 - Colocação manual do cabo de amarração no cabeço (2017).

De entre os cabos de fibra sintética, os mais comuns são os de nylon, polipropileno, poliéster, HMPE (à base de polietileno) e aramida. De entre estes, no caso de navios porta-contentores os mais usados são os de polipropileno ou poliéster, ou ainda entrançados mistos de polipropileno,

33 poliéster e polietileno (PIANC, 2012). Os cabos de nylon têm vindo a ser preteridos aos acima referidos por serem demasiado elásticos. Se ainda assim os cabos de polipropileno e poliéster não tiverem rigidez suficiente, existem cabos de amarração, mais modernos, em HMPE, LCP ou de aramida, que apresentam uma rigidez próxima da do aço, sem o inconveniente do peso do cabo, mas mais caros e propensos ao desgaste por fricção. Os cabos metálicos são relativamente baratos e bastante duráveis (PIANC, 1995) e apresentam elevada rigidez. No entanto, por oposição aos cabos de fibra sintética, são difíceis de manusear (em resultado da sua rigidez) e são ainda bastante pesados. O ambiente marítimo pode ser agressivo para este tipo de materiais que não sendo bem mantidos são mais suscetíveis à corrosão. Outro dos aspetos negativos, consequência da sua elevada rigidez, é que estes tipos de cabos desenvolvem grandes esforços mesmo para pequenos deslocamentos do navio. Como forma de colmatar este ponto fraco dos cabos de aço, surgiram os cabos mistos com extremidade em material sintético. Assim é possível conjugar as características de rigidez do aço com a capacidade de absorção de choques das fibras sintéticas (PIANC, 1995). Este tipo de solução é mais comum na amarração de navios petroleiros do que a navios porta- contentores. Os cabos de amarração são geralmente caracterizados pelas suas curvas de força- extensão, pela tensão-limite de serviço e pela tensão mínima de rotura (minimum breaking load). A tensão-limite corresponde, regra geral, a uma percentagem da tensão mínima de rotura, que por sua vez é definida como a força mínima que um cabo de amarração novo pode suportar antes da rotura, quando é testado até à sua destruição (OCIMF, 2008). A tensão mínima de rotura dependerá essencialmente do diâmetro do cabo e da resistência à tração do material, mas também do tipo de construção (tipo de entrançamento, revestimentos, entre outros). Alguns materiais vêm as suas características alteradas devido à temperatura ou à agua, como os cabos de nylon que têm a sua resistência diminuída quando molhados (PIANC, 2012). Na Tabela 2-4 apresentam-se os valores típicos de algumas das principais características dos cabos que podem ser encontrados em navios porta-contentores. Na Figura 2-23 apresentam-se as curvas de tensão-extensão típicas de alguns tipos de cabos, em função do material, do tipo de construção e dos ciclos a que esteve sujeito, com uma distinção entre “novo” e “usado”.

Tabela 2-4 – Características dos vários tipos de cabos que equipam os navios porta-contentores, apresentados por ordem crescente de rigidez (adaptado OCIMF (2008), Flory et al., (1992), PIANC

(1995), BSRA (1969)) Peso Volúmico (𝒌𝑵/𝒎𝟑) Resistência à tração do material (𝑵/𝒎𝒎𝟐) Curva tensão- deformação (Figura 2-23) Tensão- limite (%MBL) Nº médio de usos (até substituição) Poliamida 1140 960 5; 6; 8 45 60 Polipropileno 910 670 4; 7 50 187 Poliéster 1380 1160 4; 7 50 375 Aramida 1440 2930 3 50 - LCP 1400 3370 3 50 - HMPE 970 3416 3 50 - Aço 7850 1420 1; 2 55 75

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Figura 2-23 - Cuvas de força-alongamento de cabos de amarração novos e usados (Paulo Santos, 2010, adaptado de OCIMF, 2008). 0 10 20 30 40 50 60 70 0 5 10 15 20 25 30 35 1 - Aço IWRC 2 - Aço com alma de fibra 3 - Fibras sintéticas de E elevado 4 - Poliester & Polipropileno - usado 5 - Poliamida de 3&8 cordões - usado 6 - Poliamida entrançado duplo - usado 7 - Poliester & Polipropileno - novo 8 - Poliamida - novo

Extensão (% do comprimento do cabo)

% Forç a mín ima d e rot ura 1 2 4 5 6 7 8 3

35

3

COMPORTAMENTO

DENAVIOS

AMARRADOS