• Nenhum resultado encontrado

Seichas ou Ressonância Portuária

3.1. A ÇÕES DO A MBIENTE M ARÍTIMO /P ORTUÁRIO

3.1.3. O NDAS

3.1.3.4. Seichas ou Ressonância Portuária

Seicha é o termo usado para denominar fenómenos de oscilação livre que ocorrem em bacias naturais ou artificiais, fechadas, como lagos, ou semi-fechadas, como baías e portos, Figura 3-18. Tratam-se de oscilações de longo período, correspondentes ao período natural da bacia. Apesar, em rigor, o termo descrever o movimento livre em vaivém de uma massa de água até à dissipação da sua energia, comparável, numa menor escala, ao que acontece à água dentro de um copo que é agitado, o termo seicha é aplicado de forma generalizada, como também o será no decorrer deste texto, para descrever fenómenos de ressonância portuária.

As seichas podem ser iniciadas por variações de pressão relacionadas com fenómenos meteorológicos diversos (ciclones, termoclinas, etc.) ou por efeitos de ressonância portuária com ondas de longo período. No mecanismo de seicha “livre”, após uma perturbação inicial, a gravidade tende a restaurar a posição de equilíbrio hidrostático, recuperando a superfície horizontal. O momento vertical da massa de água faz com que esta mergulhe, dando origem a um impulso que se propaga ao longo da bacia. Quando esse impulso é refletido na extremidade da bacia gera-se um padrão de interferência que dá origem à seicha no modo fundamental da bacia. Quando se trata de uma seicha com origem em fenómenos de ressonância portuária, a oscilação livre é substituída por uma oscilação forçada com o período da onda excitadora, que deve ser consonante com as características naturais da bacia. Uma dada bacia tem mais do que um modo natural de oscilação, quer isto dizer que seichas de diferentes períodos podem ser originadas. Além disso, dado que a bacia tem um comprimento variável segundo as diferentes direções, seichas com diferentes períodos podem ser originadas na mesma bacia dependendo da direção da excitação, havendo também diferenças significativas entre as oscilações em modo aberto ou fechado, conforme a oscilação se processe na direção de uma fronteira lateral ou na direção da entrada no caso das bacias semi-fechadas. Se no interior de um corpo de água principal existirem bacias semi-fechadas secundárias, tome-se como ilustração um porto com as diversas marinas no seu interior, então estas podem desenvolver oscilações nos seus próprios períodos naturais de seicha.

56

As seichas têm ligação intrínseca ao fenómeno de reflexão das ondas de longo de período. Este tipo de onda é praticamente refletido na totalidade quando encontra obstáculos físicos como praias, taludes de enrocamento, cais de paramento vertical, entre outras fronteiras cuja eficácia na dissipação de energia é geralmente superior para ondas de maior frequência. Dentro de portos, que são fundamentalmente corpos de água confinados, as ondas de longo período que penetram na bacia portuária, seja diretamente, por difração ou por transmissão, têm tendência a refletir das fronteiras laterais do mesmo, já que as suas características estão sobretudo talhadas para absorver e dissipar as vagas e a ondulação. A sobreposição da onda incidente com a refletida, considerando uma reflexão total, resulta numa onda estacionária ou clapotis, cuja amplitude máxima é o dobro da amplitude da onda que lhe dá origem. No caso simplificado de oscilação unidimensional numa bacia retangular de comprimento 𝑙, com fundos constantes à profundidade através de, 𝑑, os períodos naturais, 𝑇, dos diversos modos, 𝑛, podem ser obtidos através de,

𝑇 = 2 𝑙

𝑛 √𝑔 𝑑 (3.11)

e o respetivo comprimento de onda, 𝜆 ,pela expressão 𝜆 =2 𝑙

𝑛 (3.12)

O estudo de uma situação real é mais complexo, dada a geometria irregular e complexa da bacia portuária, as características reflexivas diversas das suas fronteiras, a batimetria variável e os diferentes padrões de interceção de ondas que podem ocorrer. Para o caso da análise de ressonância portuária, os primeiros modos de oscilações, tipicamente até dois comprimentos de onda (PIANC, 1995), i.e, até ao 4º modo de oscilação, são os mais relevantes de caracterizar já que, como se verifica pela equação 3.11, os modos de seicha de ordem sucessivamente maior têm períodos naturais de oscilação sucessivamente menores. As ondas com períodos menores que as ondas infragravíticas, inferiores a 30 s, portanto, as vagas e a ondulação, são, usualmente como foi já referido, eficazmente dissipadas, quer no exterior do porto pelos quebramares, quer no seu interior pelas fronteiras absorventes, quando existem, não representando por isso, habitualmente, perigo de formação de uma onda estacionária.

Na Figura 3-19 estão ilustrados os primeiros dois modos de seicha que podem ocorrer no Lago Michigan. Os valores representados indicam a diferença de fase, em graus, a partir da zona Nordeste do Lago. De notar que pontos com diferença de fase de 180º graus entre si são tais que se um se encontra com a altura máxima da oscilação, o outro encontrar-se-á com a mínima, e vice-versa. Verifica-se, também, que do primeiro para o segundo modo, o número de nós é o dobro e o comprimento de onda passa para aproximadamente metade, o que corrobora as expressões simplificadas anteriormente apresentadas.

57 Figura 3-19 - Modos de seicha do Lago Michigan (Darthmouth, 2017).

A importância da utilização de modelos numéricos e de modelos físicos para simular o fenómeno dentro de um porto prende-se com a necessidade de determinar a localização dos nós e anti-nós da onda estacionária para os diversos modos de seicha que nele podem ocorrer. A arquitetura do porto poderá então ser condicionada por essa localização. Por um lado, a localização dos anti-nós indica zonas de potencial galgamento de estruturas em situação de seicha, o que pode aconselhar à subida das cotas de coroamento dos cais ou reposicionamento dessas mesmas estruturas. Já a identificação dos pontos nodais é vital à definição dos locais de acostagem, na medida em que a permanência de um navio num ponto nodal durante a ocorrência de uma seicha pode colocar graves problemas à operação e segurança do mesmo.

A justificação para tal está na trajetória das linhas de corrente nos nodos da onda estacionária gerada em cenários de reflexão parcial, que, no caso, tomam a designação de quasi-nodos. Apesar de, como se disse anteriormente, os coeficientes de reflexão das estruturas no interior de um porto serem relativamente altos para ondas de longo período, essa reflexão nunca é total. Quer isto dizer que a onda refletida não tem exatamente as mesmas características da onda incidente, não havendo lugar à formação de clapotis como apresentada anteriormente, com pontos nodais e anti-nodais perfeitamente definidos, Figura 3-20, e em que as partículas de água seguem trajetórias retilíneas. A onda resultante da sobreposição das ondas em condições de reflexão parcial apresenta zonas de quasi-nodos e quasi-antinodos, em que os primeiros são pontos em que a oscilação horizontal é máxima e a oscilação vertical é mínima e os segundos com oscilação vertical máxima e horizontal mínima.

A presença de um navio sobre um quasi-nodo é especialmente gravosa, dado que a amplitude da oscilação horizontal no quasi-nodo é dezenas de vezes superior à da oscilação vertical ocorrida no quasi-antinodo. As oscilações horizontais no quasi-nodo, para além de condicionarem ou mesmo inviabilizarem por completo as operações de estiva do navio, podem até ser suficientes

58

para quebrar cabos de amarração, sobretudo se a periodicidade dessas oscilações estiver em ressonância com o comportamento natural do navio amarrado.

Figura 3-20 - a) Linhas de corrente na situação de reflexão total com base na teoria linear; b) Linhas de corrente na situação de reflexão parcial com base na teoria linear (Rosa Santos, 2010).

Não se pode evitar a ocorrência de ondas de longo período, e por inerência, os fenómenos de ressonância portuária são também inevitáveis. As obras de abrigo portuário e as estruturas de dissipação de energia convencionais não são capazes de dissipar a energia destas ondas, e são inclusive responsáveis por agravar os seus efeitos. Simbólicamente, poder-se-ia dizer que bacias portuárias se comportam simultaneamente como uma espécie de “filtros” perante a agitação marítima (Rosa Santos, 2010), já que distinguem as frequências do espetro próximas das suas frequências de ressonância, e como antenas parabólicas, que por reflexão dos sinais dentro do disco, os amplificam.

Na Figura 3-21 é possível observar como a agitação sofre um efeito de amplificação em algumas frequências, que é diferente consoante a zona do porto. Tal traduz o efeito da geometria das sub- bacias nos fenómenos locais de ressonância.

Ressalva-se, que apesar da ondulação e das vagas não serem responsáveis diretamente pela ocorrência de seichas, o fenómeno tem grande probabilidade de ocorrer em situação com a agitação marítima mais severa. Isto porque, um dos mecanismos responsáveis pela ressonância portuária é a difração das bond long waves associadas à agitação de curto período incidente na entrada do porto. Já em condições de mar mais calmo, a ressonância portuária será causada fundamentalmente pelas ondas infragravíticas livres, edge waves e leaky waves (PIANC, 1995).

59 Figura 3-21 – Resultados experimentais de modelação física e numérica da amplificação de ondas de

longo período dentro do Porto de Algiers, de Jensen e Warren, 1986 (adaptado de PIANC, 1995).

Apesar da inexorabilidade do fenómeno das seichas portuárias a sua frequência de ocorrência e as suas consequências podem ainda assim ser minimizadas, com mais ou menos custos. Conhecendo o histórico local de ondas de longo período é teoricamente possível definir uma geometria e configuração de fundos para a bacia portuária, cujas frequências naturais de oscilação estejam desfasadas das ondas de longo período mais frequentes, dessa forma diminuído a prevalência do fenómeno. Portos novos, ou em que se perspetivem obras de expansão, podem ser uma boa oportunidade para o estudo de uma solução deste tipo. Em qualquer outro caso é à partida uma solução muito onerosa. Com mais viabilidade, a reorientação ou reposicionamento de estruturas de acostagem pode ajudar a reduzir as respostas dos navios amarrados (PIANC, 1995). Neste caso, procura-se sobretudo evitar que um navio fique sobre um quasi-nodo, onde experimenta amplos movimentos no plano horizontal, especialmente se ocorrer ressonância. Uma terceira solução pode passar por alterar o sistema de amarração, com vista ao desfasamento da oscilação horizontal e do navio amarrado, precisamente para que não ocorra ressonância como acima referido. Nas fronteiras internas do porto devem ser adotadas soluções estruturais com boas características absorventes, privilegiando o uso de materiais porosos. Quanto à geometria das fronteiras laterais, sabendo que a opção por parâmentos verticais nas estruturas de acostagem, não sendo a mais indicada sob a perspetiva de evitar a reflexão das ondas, é quase inevitável, deve-se tomar o cuidado de fugir a formas demasiado simples, introduzindo, se possível, zonas com configuração curvilínea (Rosa Santos, 2010). A resolução de um problema de ressonância portuária nunca deverá passar por uma solução de extensão dos quebramares de entrada do porto e estreitamento dessa mesma entrada. Apesar de essa ser a tentação, já que por essa via é visivelmente diminuída a agitação marítima que consegue penetrar o porto, os efeitos práticos são quase nulos, ou até mesmo contraproducentes, na medida em que é a agitação de longo período que provoca as seichas portuárias, e essa não é dissipada pelo quebramar.