C oleta e análise de dados : procedimentos

O fenômeno investigado caracteriza-se pela complexidade e multidimensionalidade, considerando a ênfase sobre o processo, mais especificamente acerca da rede de relações estabelecidas entre escola e organismos centrais do sistema, no planejamento educacional. Pedindo por empréstimo as palavras deMinayo (1998), este estudo incide diretamente sobre

pessoas, melhor expressando, sobre as relações que elas travam no contexto de trabalho, no intuito deconcretizara política educacional.

Tal configuração ensejou o desenho metodológico que incorpora procedimentos diversificados e complementares, visando a captar o objeto de estudo em sua totalidade: observação direta, entrevista e análise de documentos.

Fez-se entrevista semi-estruturada, não diretiva, cujo objeto são os discursos. Esse procedimento, conforme assinalado na Introdução, envolveu 45 sujeitos do sistema educacional cearense. O interesse por este tipo de entrevista ancora-se no seu caráter flexível, na medida em que parte de temas abertos, preparados antecipadamente, com liberdade para ajustese acréscimos. Osroteiros privilegiaram aspectosde interesse doestudo de acordo com o segmento entrevistado (representantes do sistema municipal, sistema estadual e escola) (ANEXO A). As questões abordadas visaram a explicitar como a escola vivência o planejamento e sua articulação com os organismos centrais do sistema educacional, priorizando os seguintes temas: a descentralização sistema/escola; a participação dos atores no processo de planejamento, a autonomia da escolana definição de rumos.

Na entrevista, no âmbito dosorganismos centraise escola, foi utilizada a imagem - As engrenagens doprocesso de planejamento - para suscitar areflexão sobre a rede de relações entre as diferentes dimensões do sistema educacional (ANEXO B). Seis peças, com tamanhos distintos, simbolizam cada segmento que integra a rede de relações no processo de planejamento educacional: MEC(âmbito federal - maior),SEDUC (esfera estadual -tamanho mediano), SEM (esfera municipal - menor do que aesferaestadual), CREDE (esferaestadual - menor do que a esfera municipal), escolas estaduais e municipais (tamanho menor e diferenciado). A imagem, elaborada especificamente para este fim, mostra que o movimento entre as engrenagens não é linear, pelo contrário, as setas queorepresentamse entrecruzam.

No contato com os atores de segmentos da rede municipal, em Fortaleza, foi necessário reelaborar essa imagem, pois os entrevistados nãose identificavamna articulação anteriormente descrita. Registravam falta de um organismo intermediário em Fortaleza, no

caso, as secretariasregionais (SER), que serve de mediadorda Secretaria de Educação com a escola. Outroregistroreferiu-se à sinalização, por intermédio de setas, na relaçãoentre SEM e CRÉDE, movimento não reconhecido. A situação levou à elaboração de uma segunda imagem, visando a traduzir a realidade de Fortaleza e captar a rede de relações, no processo de planejamento educacional nesse Município (ANEXO C).

As imagens serviram como recursos metodológicos de aprofundamento de questões relevantes para a compreensão da problemática investigada, pois permitiram observar a reação dos sujeitos acerca domovimento de tomadade decisão, entre as diferentes instâncias, e instigar relatos mais detalhados sobre a dinâmica institucional de cada contexto, no encaminhamento das ações. Outro aspecto a mencionar encontra-se na ressalva dos atores investigados de que a estratégia facilitou compreender o foco da pesquisa, contribuindo, de modo mais objetivo,com os relatos e experiências.

As entrevistas gravadas, depois transcritas, aconteceram conforme a disponibilidade de cada segmento. Os dados foraminseridas em software qualitativo16 -“QSR NUD*IST 4”, que possibilitou produzir relatórios sistematizados a partir das categorias que subsidiaram a análise dos dados.

16 O software “QSR NUD*IST 4” é projetado para fazer perguntas e construir teorias de textos. Suas ferramentas juntam documentos e idéias de forma a permitir procurar por esquemas em códigos e construir códigos,

esclarecer idéias, descobrir temas, produzir relatórios, incluindo os textos, codificação de esquemas ou resumos estatísticos. Todos os processos no QSR - NUD*IST são flexíveis e podem ser acumulativos, em construção ou revisados.

Outra estratégia da pesquisa, concomitante à primeira, foi a análise documental de propostas, planos, leis e mensagens governamentais. Essas fontes foram tomadas como elemento material representativo do pensamento da instituição que o elaborou, entendimento quecorrobora o pensamentode Martins (1993, p. 17), ao ressaltar que

[...] a política educacional, apesar de não estar em todos os lugares onde está a educação (enquanto processo de socialização) também não está apenas no sistema escolar padronizado, pois extrapola seus limites [...] ela não tem lugar fixo e determinado e o seu surgimento depende de um momento histórico, de uma conjuntura. Mas quando se encontra esta intenção em livros e documentos históricos do passado, em discursos, documentos e projetos especiais ou prognósticos do

futuro, com certeza se está encontrando a formulação de uma ou mais políticas educacionais.

A análise documental permitiu mapear a intenção governamental expressa nos textos de planejamentoe de relatórios, estratégiaadequadaao estudointerpretativo, por possibilitar a compreensão do quadro conceituai fundante das orientações voltadas para o planejamento educacional, nas diversas instâncias do sistema. Foram utilizados como fonte secundária documentos oficiais de âmbito nacional e estadual, osquais estão indicados no Quadro 1.

QUADRO 1

Fontes secundárias utilizadas

Instância Documentos Natureza Data

Nacional

Plano Decenal de Educação para Todos. Brasil - 1993/2003. Plano 1993 Proposta Mãos à Obra Brasil Plano 1994 Planejamento Político-Estratégico. Brasil, 1995/1998 Plano 1996 Proposta Avança Brasil Proposta 1998

LDB n° 9.394 Lei 1996

FUNDEF-Lei n° 9424/96 Lei 1996

PNE-Lei N.° 10.172 Lei 2001

FUNDESCOLA Programa 1998

Estadual

Plano Decenal de Educação para Todos/ Ceará -1993/2003 Plano 1993 Plano de Desenvolvimento Sustentável do Estado 1995/1998 Plano 1995 Plano Estratégico de Capacitação da População Cearense - 1999-

2003

Plano 1999

Plano de Desenvolvimento Sustentável: Consolidando um novo Ceará

Plano 1999/2002

Mensagens Governamentais Mensagem 1996 a 2003

Os documentos do quadro I compreendem interstício de dez anos (1993/2002), e têm, como matriz de referência, os compromissos assumidos pelo governo, frente a organismos internacionais, na Conferência Mundial sobre Educação para Todos (JOMTIEN, 1990). Explicitam, por assim dizer, a tendência nacional e internacional que situa a educação como eixo central das reformas políticaseeconômicas no período.

Na escola, a análise de documentos centrou-se nos instrumentos de planejamento educacional, nas diferentes instituições de ensino, a exemplo do Projeto Político-Pedagógico

(PPP), do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), do Plano de Ação Básico de 5S (PAB5S)e do Plano de AçãoBásica de Melhoria (PABM).

Se este é um recurso precioso na composição do mosaico interpretativo da rede de relações que permeia SEDUC, CREDE, SEM e ESCOLA, épreciso registrar a importância da observação direta dos contextos. Acompanhei momentos de planejamento na escola, de eleição, festividade, trabalho com a comunidade, reuniões internas envolvendo professores e gestores, visitas do CREDE/SEM à escola e desta às instâncias centrais. Nessas ocasiões, procurei observar os padrões de interação dos diferentes sujeitos no intuito de percebercomo as negociações e as posições de cada instituição e segmento são construídas, bem como os ajustes decorrentes do processo. A observação direta foi tomada assim como estratégia que permitiu, de algum modo, sentir o ‘clima’ em que os acordos são gestados visando à compreensão, de modo situado, dasfalas dos diferentes sujeitosentrevistados (segmentos).

Esses foram os procedimentos metodológicos que subsidiaram o exercício de aproximação ao objeto investigado. No próximo tópico, detalham-se os contextos e sujeitos envolvidosno processo.

1.4 A PRÁTICA DA PESQUISA*. SOBRE OS CONTEXTOS E SUJEITOS