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Descentralização: o foco no município e na escola

De modo geral, afirma-se que a idéia da descentralização, via sistema educacional, é articulada nas mensagens, em especial, nas de 1999 e 2003, em discussões sobre o acesso à educaçãobásicae às mudanças no modelo da gestãoeducacional.

O foco do município está expresso justamente no esforço realizado, visando a assegurarauniversalização do ensino fundamental, no que contribuiu a mobilizaçãoem tomo do acesso. Visando a incrementar a matrícula, o Governo estadual passou a perseguir explicitamente o regime de colaboração com os municípios, conforme esclarece Mensagem de 1999: “Entre 1987 e 1998 o crescimento da matrícula total do ensino fundamental foi de

103%, havendo uma tendênciade decréscimo na rede particular, registrada apartirde 1995

e da definição de responsabilidades entre as redes públicas estadual e municipal”

(MENSAGEM, 1999, p. 5 - Grifos meus). Mais adiante, acrescenta que “a tendência de crescimento da rede municipal foi acelerada com a municipalização do ensino, no ano de

Como sevê, o desafio de colocar “todospela educação de qualidade para todos” teve, na municipalização, terreno fértil, sobretudo pelo suporte legal expresso na Constituição Federal de 1988, que orienta os entes federativos, no sentido de organizarem, em regime de colaboração, os sistemas de ensino (Art. 211). Ademais, os mecanismos de municipalização, no Ceará, refletem a sintonia do Estado com as discussões nacionais em tramitação, em tomo dacriaçãodoFUNDEF.

A experiência de municipalização, no Ceará, é anterior aos dispositivos legais que deram sustentação à disseminação da estratégia, no cenário educacional brasileiro, após meados da década de 1990. A iniciativa cearense foibalizada no acordo de colaboração mútua (Lei n° 12. 452 de 06/06/1995) e no Projeto de Implantação/Implementação da Municipalização do Ensino Público (1995), (Mensagem, 1996), posteriormente tomadocomo referência no cenário nacional.

O Projeto de Implantação/Implementação da Municipalização do Ensino Público, assentado na cooperação técnica e financeira com o município (Art. 7o), previa a municipalização,em 73 municípios, em três etapas, iniciadaem 1995 em apenas seis (Fortim, Jucás, Marco, Icapuí, Iguatu e Maranguape). Para tanto, foi estabelecido um custo/ aluno mensal, a ser assumido pelo Estado e município,a partir da seguinte lógica deredistribuição: “assegurados os 25% da receita municipal em investimentos na educação, o Estado complementaria a quantia necessária para perfazer R$ 15,00 mensais por aluno matriculado na redemunicipal” (HAGUETTE; VIDAL, 1998,p. 21).

Sobre essa experiência,o Secretário de educação do período fez o seguinte destaque:

Atento às discussõesnacionais, tivemos aqui noCeará,em 1995,um FUNDEB.Seis municípios foram envolvidos. Qual era o princípio? O município mantinha toda a

educação básica. Deque maneira? Todos os alunos erammatriculados, o município aplicava 30% de seus recursos em educação e o Estado pagava a conta

complementar. Era o princípiodoFUNFEFantesdoFUNDEF. Em maio de 1996 o

governador decidiu ampliar, mas nãotínhamos recursos suficientes. Procuramos o

Os mecanismos de municipalização, no Ceará, refletem a sintonia do Estado com as discussões nacionais, emtomo da criaçãodo FUNDEF.Sua implantação, em 1998, emtodo o País, significou o esteio forte para a expansão do atendimento escolar à população, na faixa etária obrigatória, propiciando, concomitantemente, a disseminação da proposta de descentralização do sistema educacional, pela municipalização. No Ceará, esse encaminhamento, por um lado, minimizou os problemas que vinham se acumulando na experiência de municipalização ensaiada, desde 1995, que comprometiam sua continuidade (HAGUETTE et alli, 1999); por outro, ao restringir a aplicação dos recursos ao ensino fundamental, desconsiderou o aspecto inovador da iniciativa- atender a educação básica, o que vem sendo retomado com as discussões sobre o FUNDEB.

Os efeitos da política de municipalização, com a ampliação do atendimento escolar, são destacados em mensagens governamentais: crescimento da matrícula municipal noEnsino Fundamental que, de 44%, em 1991, passou para 72% em 2002 (MENSAGEM, 2003, p. 4); universalização do ensino fundamental com cobertura de 97% de matrícula entre crianças e jovens de 7 a 14 anos (MENSAGEM, 1999, p. 5).

A descentralização do sistema educacional pela municipalização, no Ceará, no segundo mandato de Tasso Jereissati, ocorre sob acordes daparticipação da instância local, no gerenciamento das políticas educacionais e sob o desafio da garantia de acesso. Na prática, esse mecanismo produziu ansiedade em tomo da ampliação do atendimento escolar e do gerenciamento dos recursos.

No município, isso se traduziu em corrida desenfreada para colocar dentro daescola (muitas vezes, sem as devidas condições) maior número possível de alunos, que passam a significar dinheiro na instância local. A situação das escolas municipais de Fortaleza não patrimoniais (mais conhecidas como “anexos”), alvo de manchetes de diversas reportagens jornalísticas, éilustrativa dessefenômeno.

O Estado, como macrogestor das políticas, por sua vez, implementou o processo de municipalização, sem o devido planejamento, o que se expressou com aretirada abrupta das séries iniciais do ensino fundamental, fazendo do Ceará o estado com maior índice de matrícula nesse nível, na rede municipal (VIEIRA, 2005). Além da não observância do princípio do gradualismo, no processo de municipalização, o fenômeno foi agravado pela ausência de mecanismos de controle. Parece ser um paradoxo: o Estado tem obrigação constitucional de redistribuir recursos conforme o número de alunos atendidos pelos municípios, que têm autonomia como ente federado, não lhe sendo assegurados mecanismos de controlesobre a gestão desses recursos.

As críticas à operacionalização da descentralização pela municipalização apontam, ainda, certa tendência de sedução e cooptação dos municípios visando a encaminhar e dar o tom da política macroeducacional. Idéias como: “em tudo há uma contrapartida”, “temos de pensar duas vezes antes de nos posicionarmos frente às chamadas de caminhada conjunta com a SEDUC”, “precisamos saber primeiro o que podemos perder ou ganhar tomando uma ou outraposição”, são emblemáticas desse movimento.

Certamente são vários os avanços da descentralização induzida pela municipalização, estratégia fortalecida, no Ceará, com o FUNDEF. Contudo, também é legítimo reconhecer que o esforço realizado não logrou o êxito esperado, no que concerne à distribuição do poder decisório. As análises iniciais da experiência de municipalização, entre outros aspectos, evidenciaram a necessidade de alterações substanciaisna estrutura organizacional da SEDUC. Como resultado, foi encaminhada a reforma administrativa da Secretaria de Educação Básica do Estado (SEDUC), o redimensionamento dos órgãos intermediários do sistema estadual que passam a ser chamados de centros regionais de desenvolvimento da educação/CREDEs, assunto tratado no Capítulo IV, em que se discute o que muda no sistema educacional para que a escolapossa ser pontode partida.

A implantação dos CREDEs teve intenção de imprimir “uma nova dinâmica nas relações com os municípios e a comunidade” (MENSAGEM, 1999, p. 5). Embora a SEDUC tenha sido reestruturada, essa ação é mencionada apenas na Mensagem Governamental de 2000 (MENSAGEM 2000, p. 45), silenciando nas demais edições desse documento, no período 1995-2002. Nas mensagens, as referências ao fato são centradas na criação (1996) e no fortalecimento dos CREDES, destacados como passo fundamental rumo à descentralização, comfoconaescola (MENSAGEM, 1997,p. 60).

A descentralização da escola é vista sob o discurso da necessidade de mudanças na gestão, no intuito de tomá-la mais ágil, mais produtiva e eficiente. O caminho sinaliza na direção de um sistema educacional mais próximo da escola. Se tal encaminhamento tem propiciado escuta mais sensível dos diversos atores envolvidos, na rede de relações,também é certo que registra descompasso entre a crescente demanda de democratização de acesso à educação e à política decontenção de gastospúblicos (OLIVEIRA, 2000b).

Agestão, oumelhor, a necessidade detorná-laeficientee ágilemerge, nesse contexto, como solução para o problema. Assim sendo, não parece frívolo relacionar o processo de modernização ensaiado, no sistema educacional cearense, à tendência de adoção do modelo de planejamento estratégico, que se apresenta muito mais como planejamento processual- diretivo cuja lógica está sintonizada com as orientações das reformas educacionais, na América Latina. Essa perspectiva traduziu-se, no Ceará, na política “escola como ponto de partida”, como motereferenciador da construção da autonomia escolar.

Autonomia: o planejamento

educacional como instrumento de

sua construção?