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O PLANEJAMENTO NA AGENDA EDUCACIONAL PARA A AMÉRICA

O PLANEJAMENTO NA CONJUNTURA GOVERNAMENTAL

2.1 O PLANEJAMENTO NA AGENDA EDUCACIONAL PARA A AMÉRICA

L

atina

A influência de organismos internacionais, no campo educacional, não é recente. É possível afirmar, porém, que sua emergência, nasúltimas décadas do século XX, associa-se às novas exigênciasdedesenvolvimento do capitalismo, no plano mundial.

Nesse contexto, a educação, como política social, é considerada área estratégica na definição do novo panorama mundial, passando a serorientada por programas de ajustes que destacam como vetores estruturantes - a descentralização, a focalização e a privatização (DRAIBE, 1993).

Ressalto, a esta altura, dentre os organismos multilaterais que influenciam a agenda educativa latino-americana, a Comissão Econômica para a AméricaLatinae Caribe (CEPAL) e o Banco Mundial. A CEPALfoi criada em 1948, com opropósito de estudar os problemas regionais e propor políticas de desenvolvimento para a América Latina e o Caribe. Se, no princípio, a CEPAL voltou a atenção para o planejamento global (captando as diferentes dimensões da vida econômica e social e apontando os principais obstáculos que impediam o crescimento e desenvolvimento dos países da região), esse enfoque foi redefinido ao longo dos anos subseqüentes, ajustando-se às novas demandas do mercado mundial. Apoiado na ideologia desenvolvimentista, esse organismo desempenhou papel estratégico no início da industrialização latino-americana, destacando sempre a importância da educação no desenvolvimento econômico27.

27 A partir da década de 1960, com a criação do ILPES, a educação passou a ser vista pela CEPAL como componente estratégico ao desenvolvimento econômico, numa concepção tecnicista que visa a adequar o indivíduo ao sistema capitalista, ao mesmo tempo em que o habilita para a competitividade. Nesse sentido, o enfoque no planejamento econômico e social centralizado, entendido, como tarefa de especialistas, deu realce aos planos setoriais.

O “Projeto Principal para a Educação (PPE) na América Latina e Caribe”, instituído em 1979, em conferência realizada na cidade do México, constitui um dos marcos da atuação

da CEPAL. Neste momento foram definidas as bases deumapolítica educacional que tivesse continuidade no tempo e com impacto nas políticas de desenvolvimento mediante a modernização da educação e do ensino. Esse projeto tem se constituído em uma referência para a tomada de decisãono campo educacional, no continente latino-americano. Os ministros da Educação e seus representantes têm se reunido periodicamenteparaproceder à avaliação das políticas educacionais implementadas e traçar novos planos de ação. Essas reuniões (PROMEDLAC) realizaram-se no México (1984), Bogotá (1987), Guatemala (1980), Quito (1991), Santiago (1993) e Kinsgton(1996), Bolívia, 2001 eCuba2002.

O Balançodos20 anos do Projeto Principal da Educação na América Latina e Caribe, realizado pela UNESCO, em 2001, constatou que a maioria dasreformas implementadas na região, na décadade 1990, são coerentescom as orientações epropostasoriginadas da reunião dos Ministros, realizada em Quito, no ano de 1991 (PROMEDLAC IV). Essas orientações compreendem os novos modelos de gestão, a descentralização do sistema educacional, a flexibilidadecurricular, as políticas compensatórias, os programas focalizados, a capacitação massivados profissionais da educação, o currículovoltado para a aprendizagem e nãopara o ensinoe aprofissionalização docente.

Nos anos de 1990, em defesa da equidade social como imperativo ao crescimento econômico, a proposta Transformação Produtiva com Equidade (CEPAL, 1990) delineou rumos para a inserção dospaíseslatino-americanos nomercado mundial a partir da visão que articula educação e eqüidade social ao desenvolvimento, em moldes semelhantes à Teoria do Capital Humano (VIEIRA, 2001b).

Apoiado no argumento da ineficiênciados sistemas de ensino latino-americano, esse documento, de acordo com OLIVEIRA (1997a), registra aurgência de mudanças no modelo de educação e defende reformas institucionais que integrem o global e o local por meio do processo de descentralização. A defesa ocorre concomitante à retirada do Estado como

instância provedora de políticas universalistas e reguladoras das desigualdades sociais. O apelo às reformas administrativas, neste contexto, além de buscar recuperar a eficácia do financiamento, no setorpúblico, tende à “descentralização e desconcentração dos poderes de decisão e à restauração da capacidade de coordenação e planejamento” (OLIVEIRA, 1997a, p. 67). Corroboro a compreensão de que, embora os anseios por descentralização façam parte do ideário democrata de décadas anteriores, no contexto dos ajustes estruturaisencaminhados, na décadade 1990, este mecanismo constitui

[...] uma necessidade histórica para a reestruturação do capital, haja vista que tem papel estratégico no sentido desregulação estatal e na retomada efetiva dos princípios fundamentais da economia de mercado [...] portanto como o melhor caminho para o esvaziamento das funções do nível central de governo. (ANDRADE, 2003, p.37).

A emergência de formas mais flexíveis da gestão contrapõe-se, nesse momento, à prática centralizada do planejamento que tem, no poder local das comunidades, ponto de suporte e legitimação. As instituições, a partir de então, embora balizem as ações por orientações gerais, ganham certo grau de mobilidade, visando ao atendimento das demandas específicas de cada realidade. A instituição do ‘local’, como novo centro de poder, ao sinalizar “deslocamento no locus de decisão”, redesenha a ação de planejamento como instrumento sistematizador das políticas públicas. Essa nova lógica é assim sintetizada por Oliveira (1997a,p. 88):

O momento atual não parece estar mais para o planejamento burocrático e centralizado, deve agora se ajustar à realidade imediata, sem, contudo, abalar o equilíbrio do todo, que deve sobreviver apesar das especificidades locais. A realidade emergente aponta para formas pluricentradas de planificação, onde o poder não emana, mas exclusivamente do Estado nacional, classicamente constituído, mas de novas estruturas de poder, onde o Estado funciona como mais um instrumento legitimador de práticas e políticas elaboradas de fora dele.

Nas orientações cepalinas da décadade 1990, o planejamento - como instrumento do ajuste das economias dos países latino-americanos ao ordenamento mundial - tem, na “flexibilidade”, uma de suas marcas centrais (CASSASSUS, 1997). A alteração, na visão de

planejamento, é decorrente, sobretudo, da reduzida previsibilidade de ações futuras do contexto contemporâneo, quando a ênfase governamental passa a recair sobre “a ação presente e sobre amelhor forma depotencializá-la” (TAVARES, 2004). É nesse quadro que a gestão ganhaespaço, passando a abranger o momento do planejamento e daadministração.

Na educação, a descentralização da gestão emerge sob o argumento da melhoria da qualidade deensino e da escola comoprioridade da política educacional. Ofinanciamento da educaçãonos países em desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 1987) é um dos documentos que reafirmama ênfase na descentralização. Nesse texto, o BancoMundial discute a crise dos anos 1980 e recomenda medidas descentralizadoras para a América Latina, após constatar uma administração centralizada no ensino público, bem como o excesso de restrições às instituições escolares privadas. Chamando a atenção para as perdas que tal enfoque ocasiona, defende maior descentralização e liberdade para as escolas particulares e comunitárias. O argumento é de que tal medida melhora aeficáciaescolar e promove a competitividade entre elas, o que, na sua visão, serve para incrementar a oferta e qualidade dos serviços educacionais. A lógica do Banco Mundial é a de que a “eficiência aumenta com a exigência deresponsabilidades administrativas” (ibidem, p. 4).

Em primeiro momento, a descentralização é concebida pelo Banco Mundial numa perspectiva impositiva e meramente instrumental. Ao longo dos anos de 1990, as críticas a essa estratégia de reforma educacional produzem um movimento de reconceptualização da prática social, que passa aserassociada à idéia de participação, autonomia, responsabilização e democratização, postulados comuns de educadores em diferentes contextos . Contudo, tal inflexão, no discurso reformador do Banco Mundial, não ultrapassou o plano retórico, convertendo-se em sutis estratégias de convencimento. Esse cuidado, na verdade, buscou a construçãode consenso, haja vistaoentendimento de que:

[...] as tentativas de impor mudanças de fora geram resistência e criam barreiras, não as facilitam. No coração do desenvolvimento está a mudança nas maneiras de

pensar, e os indivíduos não podem ser forçados a mudar como pensam. Eles podem ser forçados a adotar certas ações. Eles podem ser mesmo forçados a adotar um certo discurso. Mas não podem ser forçados a mudar seus corações e mentes [...]. Sem dúvida, a forma atual de interação entre financiadores e clientes pode impedir transformações. (STIGLITZ, 1998, p. 7).

O trecho deixa explícita a exigência de relacionamento entre financiador e cliente, mais adequado às diversidades e necessidades locais . Sem abrir mão da ação hegemônica e de monitoramento, o Banco Mundial promoveu amplo espectro de ações descentralizadoras, com incentivo à reestruturação do Estado2829. No âmbito da educação, esse movimento se manifestou mediante deslocamento no enfoque do planejamento central para a economia de mercado. Na prática, significa a “transferência de autoridade dos planejadores para os gerentes e, em última instância, para as equipes organizacionais e para cada um de seus membros” (XAVIER;PLANK; SOBRINHO, 1997, p. 94).

28 Todo esse movimento do Banco Mundial pode ser percebido na análise dos três documentos a seguir: “Para além do Consenso de Washington” (1998); “Para além do Centro” (1999a) e “Mudanças Educacionais na América latina e Caribe” (1999b).

29 O documento Desenho e Administração de Transferências Intergovernamentais: descentralização fiscal na América Latina (1994), composto de sete capítulos, procede a um balanço dos programas regionais de descentralização educativa promovidos pelo Banco Mundial. Nele, é possível identificar o apoio recente da instituição a reformas estatais latino-americanas que buscam melhorar a eficiência e a efetividade do setor público mediante políticas descentralizadoras que incluam a redefinição do papel do Estado. Oferece subsídios também para a planificação de programas de descentralização, abrangendo desde idéias-chave, princípios e práticas, passos necessários à implantação de tais programas.

Na produçãodessas orientações,diversos eventos foram empreendidos por organismos internacionais, visando ao estabelecimento de agenda comum entre os países em desenvolvimento, com sérios problemasa serem enfrentados emrelação à universalização da educação básica e ao analfabetismo ( defendido como Necessidades Básicasde Aprendizagem (NEBAS). Marco importante, na trajetória de discussão mundial sobre educação, reside na “Conferência Mundial de Educação para Todos”, em março de 1990, na Tailândia. Convocada pelas Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Banco Mundial, teve a participação de cerca de

estabelecidos estão registrados na “DeclaraçãoMundial de Educação paraTodos”, documento composto de dez artigos, que constituíram a base de orientação dos planos decenais de educaçãoelaborados, no inicio da década de 1990. São eles(BRASIL, 1993, p. 73-80):

Artigo Io: Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem; Artigo 2o: Expandir o enfoque da educação básica;

Artigo 3o: Universalizar o acesso à educação e promover a equidade; Artigo 4o: Concentrar a atenção na aprendizagem;

Artigo 5o: Ampliar os meios e raio de ação da Educação Básica; Artigo 6o: Propiciar um ambiente adequado à aprendizagem; Artigo 7o: Fortalecer as alianças;

Artigo 8o: Desenvolver uma política contextualizada; Artigo 9o: Mobilizar recursos;

Artigo 10°: Fortalecer a solidariedade internacional.

Essas orientações apoiam a Educação para Todos como eixo das políticas educacionais, idéia que deviaorientar os objetivos, diretrizes e metas a seremcumpridos, no decurso de dez anos, pelos países signatários desses compromissos. São diversos os desdobramentos dessas orientações, no Brasil, a partir da década de 1990, tema a ser aprofundado(Item 2.3 - PlanejamentoEducacional 1995/2002 - ênfasena recentralização).