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C ONSTITUIÇÃO DE 1934, S ERVIÇOS PÚBLICOS , NACIONALIZAÇÃO E MONOPÓLIOS

1. R EVISÃO HISTÓRICA DA RELAÇÃO E STADO MERCADO E O DESENVOLVIMENTO DOS ARRANJOS

1.1. H ISTÓRICO

1.1.3. E RA V ARGAS (1930-1945) E R EPÚBLICA P OPULISTA (1945-1964): I NFLUÊNCIA NORTE

1.1.3.2. C ONSTITUIÇÃO DE 1934, S ERVIÇOS PÚBLICOS , NACIONALIZAÇÃO E MONOPÓLIOS

Em 11 de novembro de 1930, por decreto, Vargas dissolveu o Congresso Nacional, as assembleias estaduais e câmaras municipais72, intensificando a configuração de um cenário de profundas transformações. A dissolução da Constituição de 1891 resultou no fato de que Vargas, de fato, começou a governar por decretos73, demonstrando uma política centralizadora. Em 1934 a nova Constituição da República foi promulgada e, no dia seguinte, a Assembléia elegeu Getulio Vargas74 para a presidência constitucional da República, a realizar- se em um mandato de quatro anos. Esta constituição propugnava um modelo político liberal e federalista e nacionalista75, sendo o Estado chamado a desempenhar um papel muito maior do que a ele antes foi atribuído.

Era preciso trasladar a estrutura agrária para a industrial, de modo a acompanhar o ritmo pugnado pela forte urbanização desta década. Na Constituição de 1934, mesmo sendo editada antes da “guinada autoritária”76 de 1937, já se podia identificar um papel mais marcante da

centralidade do Estado.

Este autoritarismo era refletido na atribuição de competência privativa à União para explorar ou conceder diversos serviços de telecomunicação, navegação aérea, vias férreas etc. O mote constitucional, para fins do presente estudo, era a instituição da “possibilidade de nacionalizar empresas estrangeiras e de determinar o monopólio estatal sobre determinadas indústrias”77.

A promulgação da Constituição de 1934, pela “(...) Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico (...)”78. Tratava-se de um regramento constitucional muito

72 “No dia 11, Getúlio assinou o decreto dissolvendo o Congresso Nacional e determinando que o Governo

Provisório exerceria também as funções do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembleia Constituinte, fosse estabelecida uma nova organização constitucional do país.”. Getúlio assume a dissolve Congresso. Disponível em: <http://memorialdademocracia.com.br/card/getulio-vargas-e-o-presidente-provisorio-do-brasil>. Acesso em: 03 nov. 2019.

73 Como se verá adiante, no capítulo 3, pelo levantamento empírico realizado, as normas de serviços de utilidade

pública, à época, foram, de fato, instituídas, em sua maioria, por decreto do Poder Executivo.

74 D'ARAÚJO, Maria Celina Soares (Ed.). Getúlio Vargas. Edições Câmara, 2017.

75 BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A construção do nacional-desenvolvimentismo de Getúlio Vargas e a

dinâmica de interação entre Estado e mercado nos setores de base. Revista Economia, v. 7, n. 4, 2006, p. 239-

275.

76 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 95.

77 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Brasília, DF:

Presidência da República, 1934. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 08 jun. 2019.

focado no aprimoramento das estruturas industriais até então existentes no país. Determinava a possibilidade de execução do serviço público pelo particular, que levava em conta a máxima de que “O agente privado que executa, por delegação, tarefa pública, está habilitado a obter uma “justa remuneração” do capital (...), funcionalizada à vista (...) [do] “interesse coletivo””79.

A nova Constituição definia um papel de centralidade ao Estado, a quem competia, privativamente, oferecer vários serviços:

Art 5º – Compete privativamente à União:

VIII – explorar ou dar em concessão os serviços de telégrafos, radiocomunicação e navegação aérea, inclusive as instalações de pouso, bem como as vias-férreas que liguem diretamente portos marítimos a fronteiras nacionais, ou transponham os limites de um Estado.

§ 2º - Os Estados terão preferência para a concessão federal, nos seus territórios, de vias-férreas, de serviços portuários, de navegação aérea, de telégrafos e de outros de utilidade pública, e bem assim para a aquisição dos bens alienáveis da União. Para atender às suas necessidades administrativas, os Estados poderão manter serviços de radiocomunicação.

Art 119 – O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou concessão federal, na forma da lei

Art 119 - O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou concessão federal, na forma da lei.

§ 1º - As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a empresas organizadas no Brasil, ressalvada ao proprietário preferência na exploração ou co-participação nos lucros.

§ 2º - O aproveitamento de energia hidráulica, de potência reduzida e para uso exclusivo do proprietário, independe de autorização ou concessão.

§ 3º - Satisfeitas as condições estabelecidas em lei, entre as quais a de possuírem os necessários serviços técnicos e administrativos, os Estados passarão a exercer, dentro dos respectivos territórios, a atribuição constante deste artigo.

§ 4º - A lei regulará a nacionalização progressiva das minas,

Presidência da República, 1934. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 08 jun. 2019.

79 LOUREIRO, Gustavo Kaercher. "Monopólio" e "serviço público" nas constituições brasileiras (1891-

jazidas minerais e quedas d'água ou outras fontes de energia hidráulica, julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar do País.

§ 5º - A União, nos casos prescritos em lei e tendo em vista o interesse da coletividade, auxiliará os Estados no estudo e aparelhamento das estâncias mineromedicinais ou termomedicinais.

§ 6º - Não depende de concessão ou autorização o aproveitamento das quedas d'água já utilizadas industrialmente na data desta Constituição, e, sob esta mesma ressalva, a exploração das minas em lavra, ainda que transitoriamente suspensa80.

Não obstante, cabia ao Estado, ainda, editar lei feral que disciplinasse a fiscalização e a revisão das tarifas daqueles serviços públicos, além de intervir na “estabilidade remuneratória”81 do concessionário:

Art. 137 – A lei federal regulará a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão, ou delegação, para que, no interesse coletivo, os lucros dos concessionários, ou delegados, não excedam a justa retribuição do capital, que lhes permita atender normalmente às necessidades públicas de expansão e melhoramento desses serviços.

Art. 142 – A União, os Estados e os Municípios não poderão dar garantia de juros a empresas concessionárias de serviços públicos82.

Estas disposições constitucionais representavam o contexto de desenvolvimento de diversos serviços públicos, de titularidade pública, além de atividades industriais e bens de titularidade privada. Estabeleceram, além da exploração de tais setores pelo próprio Estado, a possibilidade de prestação de tais atividades pelo privado, via concessão ou autorização para o desenvolvimento de atividades tipicamente privadas.

No que se refere a esta possibilidade de que Estado ou particular oferecessem tais serviços à população, deve-se entender que, muito embora uma atividade fosse categorizada como serviço público, esta seria passível de delegação:

80 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Brasília, DF:

Presidência da República, 1934. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 08 jun. 2019.

81 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 95.

82 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Brasília, DF:

Presidência da República, 1934. Disponível em:

Como a própria regulação constitucional sugeria, a qualificação de uma atividade como serviço público não afastava necessariamente a atuação empresarial privada (o que ocorria em casos de monopolização, cf. adiante). A característica antes mencionada, de uma “tendencial delegabilidade” dos serviços públicos econômicos, indicava que, sim, o serviço público (econômico) configurava uma intervenção estatal certamente intensa — diversa daquela que se poderia considerar “normal” —, mas não radical. Mais regulação, mais fiscalização, legitimação da atuação estatal em “paralelo” aos concessionários, mas não muito mais do que isto, a menos que, em passo ulterior, o serviço público sofresse uma monopolização. No plano do (mero) serviço público não se exige lei expressa ou indenizações de qualquer sorte. A “encampação conceitual” que operava a “expropriação ideal” não retirava a iniciativa privada desse setor de atividade. Isto poderia se obter para os serviços públicos pela monopolização83.

À época do governo de Getúlio Vargas criou-se um ambiente jurídico em que o privado já não era mais o protagonista, papel que agora era ocupado pelo Estado, isto pode ser percebido porque, “[e]mbora a Constituição de fato incluísse garantias de “liberdade econômica” e “o direito de propriedade”, continha também termos vagos porém ameaçadores, como “nacionalização progressiva””84:

A Constituição de 1934 facultava aos estados autorizar o aproveitamento industrial das águas na energia elétrica sob as condições estabelecidas na lei e ressalvava, ainda, que não dependia de concessão ou autorização o aproveitamento das quedas-d’água já utilizadas na data da promulgação da Constituição. Os dispositivos incluídos na Constituição e daí por diante mantidos determinavam que a lei disporia sobre o regime das empresas concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais e estabeleciam também a fiscalização e a revisão das tarifas, a fim de que os lucros dos concessionários, não excedendo a justa remuneração de capital, lhes permitisse atender às necessidades de melhoramento e expansão dos serviços85.

A “Constituição de 1934 representou o início de uma nova fase na vida do país; entretanto vigorou por pouco tempo, até a introdução do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, sendo substituída pela Constituição de 1937”86. A “(...) Constituição foi claramente uma

83 LOUREIRO, Gustavo Kaercher. "Monopólio" e "serviço público" nas constituições brasileiras (1891-

1934). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 256, jan. 2011. p. 86-87.

84 MCDOWALL, Duncan. Light: a história da empresa que modernizou o Brasil. Ediouro Publicações, 2008.

p. 408.

85 BRASIL. Código de Águas. Decreta o Código de Águas. Brasília, DF: Governo Provisório da República dos

Estados Unidos do Brasil, [1934]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D24643.htm>. Acesso em: 05 out. 2019.

tentativa de lançar as fundações de um “novo” Brasil”87, o que foi reforçado pelo Código de

Águas, editado naquele mesmo ano. Durante os quinze anos de governo Vargas o Brasil passou por duas Constituições, a de 1934 e a de 1937, sendo esta segunda mais comprometida com o pensamento autoritário, e com um incremento à implementação de serviços públicos.

1.1.3.3. CONSTITUIÇÃO DE 1937, PUBLIC UTILITIES,ESTADO NOVO E ASCENSÃO DA