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I NSTRUMENTOS DOMINANTES E PROTAGONISMO DO P ODER E XECUTIVO

3. S ERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA NA ATIVIDADE NORMATIVA BRASILEIRA

3.1. A SPECTOS FORMAIS : A INSERÇÃO DOS SERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA NA ATIVIDADE

3.1.3. I NSTRUMENTOS DOMINANTES E PROTAGONISMO DO P ODER E XECUTIVO

O levantamento das espécies normativas242 mais frequentemente utilizadas para disciplinar o que o legislador entende por “serviços de utilidade pública” apresenta uma predominância da figura dos “Decretos” (incidência de 86,1%), seguido das “Leis” (6,9%) e, imediatamente, dos “Decretos-Lei” (6,5%) e dos “Decretos-Legislativos” (0,5%).

Não obstante o instrumento Decreto ter sido largamente utilizado pelo Poder Executivo em todos os períodos históricos, seria preciso realizar uma análise pormenorizada da competência que dá fundamento à iniciativa para a edição de cada norma analisada a fim de que se possa afirmar, com segurança, de qual dos Poderes foram emanados a maioria dos atos normativos.

Este estudo se comprometeu, entretanto, a realizar um levantamento mais conciso a respeito do Poder responsável pela edição da norma. Trata-se de análise que se mostrará apta a investigar a ideia de que talvez não haja uma gama de elementos orgânicos que caracterizem as atividades passíveis de se tornarem serviços de utilidade pública. Do contrário, parece haver uma certa escolha política no ato de consagração de uma atividade econômica à categoria dos serviços de utilidade pública, como explorado nos capítulos 1 e 2.

Com efeito, depreende-se da leitura das normas a partir dos substratos da doutrina clássica, que a categorização de uma atividade como serviço de utilidade pública, espécie relativamente obscura em termos que clareza conceitual, e que aparenta ser residual e situada entre os serviços públicos e as atividades econômicas, perpasse por uma certa dose de escolha

241 Agência Nacional de Aviação Civil (“ANAC”), Agência Nacional de Telecomunicações (“ANATEL”),

Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (“ANP”), Agência Nacional de Saúde Suplementar (“ANS”), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (“ANTAQ”), Agência Nacional do Cinema (“ANCINE”). Agência Nacional de Transporte Terrestres (“ANTT”), Agência Nacional de Águas (“ANA”), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (“ANVISA”) e Agência Nacional de Mineração (“ANM”).

política (isto é, do Poder Executivo e/ou Legislativo).

Esta decisão manifestar-se-ia no momento em que o Poder Público optasse por categorizar uma atividade como (i) serviço público, de titularidade estatal e de cuja prestação será o Poder Público incumbido ou concederá sua prestação ao agente privado; ou (ii) como serviço de utilidade pública, sob o qual deverá exercer mera intervenção indireta, no exercício da função regulatória. Pelos fundamentos fornecidos pela doutrina norte-americana das public

utilities, a diferença crucial estaria na titularidade, que é pública nos serviços públicos e privada

nos serviços de utilidade pública.

É possível inferir que 89,8% de toda a produção normativa aqui estudada adveio do Poder Executivo, enquanto do Poder Legislativo emanaram 7,4% das normas. Em 2,8% dos casos das normas que compõem o universo de análise (isto é, 6 (seis) normas), não se foi possível precisar quem foi o Poder responsável por sua edição.

Quando se fala em “escolha política” no ato que elevaria uma atividade privada à categoria de serviço de utilidade pública (submetendo-a a maior intervenção estatal), não se pretende distinguir o papel do Poder Executivo ou do Legislativo. Entretanto, pela análise das normas extraídas nesta pesquisa, há, em âmbito federal e durante toda a história brasileira, uma presença muito marcante do Poder Executivo, o que talvez seja explicado, em parte, pelos fatos políticos decorridos entre 1930 e 1964.

A conjugação desta variável política com o teor do comando jurídico emanado permite, ainda, a realização de uma análise complementar: não necessariamente a espécie normativa, nem mesmo o seu teor (se ato de consentimento ou normativo) determinam, necessariamente, quem foi o Poder responsável por sua edição. Em palavras mais simples, isto significa que não necessariamente um comando legal fruto de uma Lei, será de competência do Poder Legislativo, tampouco se pode presumir que um ato de consentimento emanado por um Decreto será, necessariamente, editado pelo Poder Executivo.

Observe-se, ainda, que em se tratando os serviços de utilidade pública, é de se esperar que a maioria dos atos normativos a seu respeito não emanem do Congresso Nacional: grande parte da normatização sobre setores regulados será desenvolvida no bojo de entidades independentes, tais como as agências reguladoras, que têm poder normativo próprio. Os atos de consentimento, de igual modo, hoje se concentram no bojo da atividade das agências, mas durante muitos períodos históricos anteriores à Nova República e suas mudanças institucionais, imperava a noção de “privilégio”, quase sempre livremente outorgado pelo Poder Executivo ao agente interessado e dissociado de qualquer processo competitivo para a escolha do particular autorizado à sua prestação.

Em 80,6% das normas editadas, pode-se extrair um teor análogo ao de um ato de consentimento, que institui um serviço; enquanto nos 19,4% residuais, verifica-se um caráter de ato normativo, que institui regra genérica sobre a atividade ou setor.

O gráfico abaixo ilustra estas situações, que descrevem uma participação mais ativa do Poder Executivo tanto na edição de atos normativos quanto de consentimento – sendo, estes últimos, maioria (165 (cento e sessenta e cinco), dentre as 210 (duzentas e dez) normas a respeito das quais se pôde identificar o Poder responsável por sua edição):

Figura 10 – Teor do comando jurídico emanado, por Poder responsável pela edição da norma Fonte: Elaboração própria.

O Poder Executivo costuma editar atos que normatizam serviços (atos normativos) e, também, atos que instituem serviços (atos de consentimento), por meio dos quais “autorizam” os particulares a prestação daquele serviço. Note-se que esta segunda hipótese pode refletir tanto os serviços de utilidade pública quanto os serviços públicos concedidos.

O Poder Legislativo também apresentou os dois tipos de atos (normativos e de consentimento), mas sua atuação predominante é a de instituir regramentos mais genéricos sobre a atividade, sobre o seu setor de atuação ou, até mesmo, sobre todas as atividades pertencentes a esta categoria jurídica. Isto porque, “a regulamentação das utilidades públicas é atividade essencialmente legislativa. Efetivamente assim acontece”243. Muito provavelmente se

encontrará explicações para esta divisão de competências nas Constituições de cada época. Neste sentido, outra variável que merece análise conjunta ao teor do comando jurídico emanado é a extensão de aplicação da norma, que pode ser (i) individual, nos casos em que a

243 BURKINSKI, Francisco. As tarifas nas concessões de serviços de utilidade pública. Revista de Direito

norma incida sobre um único evento ou pessoa (física ou jurídica) especificamente considerados; (ii) setorial, nos casos em que a norma incida sobre todo um setor; (iii) geral, nos casos em que a norma incida sobre o regime jurídico como um todo, extrapolando os limites setoriais e não se destinando a uma evento em específico. A Figura abaixo ilustra a extensão de aplicação mais comum aos atos normativos e de consentimento:

Figura 11 – Extensão de aplicação da norma, pelo teor jurídico do comando emanado Fonte: Elaboração própria.

Percebe-se que os atos de consentimento são os mais comuns, com a incidência de 174 (cento e setenta e quatro) normas no total, ao passo que os atos normativos aparecem 41 (quarenta e uma) vezes. Nestes atos de consentimento predomina largamente a extensão individual de aplicação, normalmente por meio de concessão de serviço público.

Esta extensão da aplicação das normas também varia muito: 80,8% das normas que são atos de consentimento têm extensão individual de aplicação (ou seja, trata-se dos casos nos quais o Poder Público autoriza alguém, em específico, a prestação de um serviço de utilidade pública ou concede um serviço público). Já na categoria dos atos normativos, 1,7% das normas são de extensão individual de aplicação. Para este tipo de norma, que cria comandos jurídicos a serem aplicados indistintamente a um grupo de atividades (“setores”) ou, transversalmente, a vários setores (“geral”), 49,15% das normas corresponde a uma aplicação setorial, e os outros 49,15% a uma aplicação geral.

3.2. ASPECTOS MATERIAIS: O SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA COMO UMA SOLUÇÃO PARA O