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S ERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA COMO UM VÉU DE PROTEÇÃO

3. S ERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA NA ATIVIDADE NORMATIVA BRASILEIRA

3.2. A SPECTOS MATERIAIS : O SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA COMO UMA SOLUÇÃO PARA O P ODER

3.2.1. S ERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA COMO UM VÉU DE PROTEÇÃO

Percebe-se, de antemão, que o serviço de utilidade pública é uma terminologia que comporta uma vasta gama de atividades, dentre as quais não aparenta haver um plexo de

elementos orgânicos que, quando presentes na atividade, permitam que esta seja automaticamente elevada à categoria de serviço de utilidade pública. O único elemento que esteve, indistintamente, presente em todas estas atividades foi o interesse público, consubstanciado pela necessidade de que a utilidade em questão fosse, dentro das limitações da época, disponibilizada e fruída pela sociedade. O interesse público não é, entretanto, elemento suficiente à caracterização de uma eventual categoria jurídica, posto que é elemento central ao próprio Direito Administrativo.

Nos Estados Unidos da América, as public utilities não correspondem, em sua substância, a classe ou categoria fechada de negócios que possam ser afetados por um interesse público244. Deve-se analisar no caso concreto se há, ou não, algum interesse público intrínseco ao oferecimento da utilidade à população.

Pela análise dos aspectos formais relacionados às normas que compõem o Banco de Dados apresentado neste capítulo, bem como das nuances históricas e doutrinárias que circundam a introdução deste conceito na história brasileira, chegou-se a uma conclusão. Um serviço será categorizado como de utilidade pública quando nele estiverem presentes dois elementos: o interesse público e a titularidade privada das atividades, que se sujeitam à regulação estatal.

Estes elementos significam, portanto, que a categoria aqui estudada reflete uma possibilidade classificatória de atividades econômicas que não sejam de titularidade estatal; que tenham papel relevante na vida social; e sobre a qual o Estado deva exercer supervisão indireta por meio da regulação245.

Quando uma norma institui um serviço de utilidade pública, o legislador (aqui, amplamente considerado, referindo-se à capacidade de os Poderes Executivo e Legislativo editarem normas) está, de fato, revestindo-a com uma espécie de “véu de proteção”, consagrando-a a muito mais do que uma atividade econômica sujeita, por exemplo, a uma regulação setorial, sobre as quais o Poder Público pode garantir certas prerrogativas (sob o ponto de vista dos administrados) e obrigações (do ponto de vista do particular que o

244 “There is no closed class or category of businesses affected with a public interest, and the function of courts in

the application of the Fifth and Fourteenth Amendments is to determine in each case whether circumstances vindicate the challenged regulation as a reasonable exertion of governmental authority or condemn it as arbitrary or discriminatory. P. 291 U. S. 536.”. Nebbia v. New York, 291 U.S. 502 (1934). Disponível em: <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/291/502/>. Acesso em: 05 dez. 2019.

245 Como visto no segundo capítulo, os serviços de utilidade pública têm sido tratados, neste trabalho, como

atividades que não gozam de titularidade estatal, abertas à prestação pela iniciativa privada; revestidas de relevante interesse público; e, portanto, reguladas pelo Estado. Configuram-se como atividades econômicas reguladas, às quais a regulação setorial impõe certos limites à execução em razão do interesse público a elas atreladas, como por exemplo, o dever de prestação a um módico preço, sob justa remuneração ao concessionário, de modo que sejam atendidos os requisitos de continuidade e qualidade do serviço.

implementa), com vistas a garantir a disponibilidade e qualidade dos serviços. Diferentemente dos serviços públicos, não há controle de preço ou necessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da relação contratual.

Pelo confronto do objeto normatizado, identificado a partir da leitura das ementas das normas, com os excertos em que a expressão “serviço(s) de utilidade pública” estava literalmente presente, observou-se que em 10,6% dos casos o serviço de utilidade pública era acessório ao objeto da norma, mas, ainda, sim, tinha conteúdo normativo relevante:

Figura 12 – Serviço de utilidade pública como objeto acessório ou principal nas normas Fonte: Elaboração própria.

Explica-se: conforme se pode depreender da Tabela abaixo, que contém 03 (três) exemplos de normas sobre serviços de utilidade pública nas quais o serviço é um objeto acessório, pode-se identificar em todas elas a finalidade de destinar proteção àquilo que, independente de setor, especificidade da atividade ou forma de prestação, for categorizado como um serviço de utilidade pública.

Norma Ementa Trechos em destaque

Decreto-Lei 2.611 de 20/09/1940 DISPÕE SOBRE OS RECURSOS PARA A CARTEIRA DE CRÉDITO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL DO BANCO DO BRASIL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

“Serão obrigatoriamente recolhidas ao Banco do Brasil: b) os depósitos em dinheiro para garantir a execução dos contratos firmados pelas empresas que exploram serviços de utilidade pública.”

Lei 1.807 de 07/01/1953 DISPÕE SOBRE OPERAÇÕES DE CAMBIO E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

“Para os fins da letra d do artigo 1º, consideram-se investimentos de especial interêsse para a economia nacional os que se destinarem: b) à instalação ou desenvolvimento de serviços de utilidade pública nos setores de energia, comunicações e transportes, desde que realizados dentro de tarifas fixadas pelo Poder Público.”

Tabela 4 - Exemplo de normas nas quais o serviço de utilidade pública é um objeto acessório Fonte: Elaboração própria.

Se a semântica dos serviços de utilidade pública denota apenas uma modalidade classificatória de atividades econômicas reguladas, por que manter mais uma forma de denominação? Pela análise da doutrina e do Banco de Dados, após incorporação do substrato histórico à discussão, percebe-se tratar de um mesmo instituto. Os serviços de utilidade pública são atividades econômicas reguladas e não possuem critério orgânico que os caracterize.