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ESTUDO DE CASOS

7.1 Obras em depósitos de argilas moles

7.1.2 Cabeceira de ponte – BR 101, Santa Catarina

Na implantação de obras rodoviárias, os engenheiros deparam-se com a interação entre elementos de elevada rigidez – obras de arte constituídas em concreto armado, como pontes e viadutos – e solos de alta compressibilidade, como depósitos de argilas moles. Essas situações são encontradas com frequência nas regiões litorâneas de baixadas e na transposição de rios. Como exemplo, apresenta-se aqui um estudo de caso de transposição de um rio em local de ocorrência de espessa camada de solo mole, localizado no litoral do Estado de Santa Catarina, na região do município de Garopaba. Essa região está sujeita a inundações frequentes, o que implica a elevação da cota do greide da via por meio da construção de aterros de grande altura. Caracteriza-se, assim, um problema geotécnico, no qual o projetista deve avaliar (a) a ruptura do aterro executado sobre solos moles, (b) as deformações ao longo do tempo, induzidas pelo processo de adensamento, (c) as tensões horizontais sobre os elementos de fundação da ponte em decorrência do efeito Tschebotarioff, e (d) a componente de tensões verticais que induz atrito negativo nas estacas.

Para o projeto, deve-se avaliar o perfil estratigráfico da região de implantação da obra e os parâmetros geotécnicos característicos do comportamento do solo. No que se refere à ruptura do aterro e ao efeito Tschebotarioff, deve-se investigar o valor da resistência não drenada (Su), o ângulo de atrito (ɸ’) e a coesão (c’) das diferentes camadas que compõem o subsolo. No cálculo dos recalques por adensamento da camada argilosa, é necessário estimar o valor da tensão de pré- adensamento ( ), o índice de compressão (Cc), o coeficiente de adensamento horizontal (cv) e o índice de vazios inicial da camada compressível (e0). Essas estimativas exigem um programa de investigação composto de ensaios de campo (piezocone e palheta) e da coleta de amostras indeformadas para ensaios de adensamento da argila e triaxiais, ou cisalhamento direto do solo do aterro.

Apresentam-se a seguir os resultados de diferentes ensaios realizados em um único local (ilha de investigação), destinados à estimativa dos parâmetros constitutivos dos solos investigados. Os dados apresentados têm caráter didático e foram manipulados para facilitar o entendimento.

A Fig. 7.5 apresenta o ensaio CPTU, as grandezas diretas medidas durante a cravação (qt, u2, fs) e as grandezas derivadas dessas medidas (Bq e Rf). A Fig. 7.6 mostra os resultados da sondagem SPT e os valores do teor de umidade natural, porcentagem de solo que passa na peneira #200 e o teor de matéria orgânica. Essas grandezas físicas são facilmente determinadas em laboratório e auxiliam na caracterização do perfil. Soma-se à caracterização o registro fotográfico das amostras de solo para auxiliar o projetista na interpretação do boletim de sondagem (ver perfil ao final deste capítulo).

FIG. 7.5 Resultado da sondagem CPTU

FIG. 7.6 Resultado da sondagem SPT e dos ensaios de caracterização dos solos

A Fig. 7.7 apresenta o resultado de dois ensaios de palheta e a Fig. 7.8 ilustra o resultado de dois ensaios de dissipação, além de um ensaio para monitorar a estabilização da poropressão em camada permeável, objetivando identificar a pressão hidrostática.

FIG. 7.7 Resultado do ensaio de palheta: (A) a 4 m; (B) a 8 m

Nas Figs. 7.5 e 7.6, observa-se que o perfil é composto basicamente por cinco camadas distintas: (i) crosta ressecada de argila, de coloração cinza-escuro, localizada no primeiro metro, junto à superfície do terreno; (ii) camada de argila muito mole, de coloração cinza-escuro, nas profundidades entre 1 m e 11,5 m; (iii) camada arenosa com presença de finos entre 11,5 m e 19 m de profundidade; (iv) lente de argila com 1,5 m de espessura; e (v) camada subjacente de solo residual, iniciando à profundidade de 20,5 m. A caracterização dessa última camada é facilitada pelas imagens dos testemunhos coletados a cada metro na sondagem SPT.

FIG. 7.8 Interpretação geotécnica da sondagem CPTU

Observa-se nitidamente que os solos argilosos, de baixa consistência e alta compressibilidade, apresentam valores de umidade natural superiores aos solos granulares e ao solo residual (predominantemente siltoso). O teor de umidade auxilia, portanto, na caracterização do perfil, identificando as camadas que compõem o subsolo.

A estimativa da resistência não drenada por meio das medidas do CPTU foi realizada adotando-se um valor de Nkt igual a 12, definido com base nos ensaios de palheta, conforme

apresentado na Fig. 7.8. O valor de Nkt de 12 é característico das argilas da costa brasileira, conforme apresentado na Tab. 3.3. O ângulo de atrito interno do solo é estimado por meio das correlações propostas por Robertson e Campanella (1983b) e Durgunoglu e Mitchell (1975), cuja validade é restrita a areias limpas, sem envelhecimento.

O valor da OCR é estimado com base na proposta de Chen e Mayne (1996), utilizando-se o fator K1 = 0,305 (Cap. 3), característico de pré-adensamento mecânico. A OCR reduz com a profundidade, atingindo um valor unitário entre 7 m e 11,5 m (argila normalmente adensada). A relação de Su/ apresenta valores na ordem de 0,25 a 0,30 abaixo dos 7 m, confirmando a evidência de extrato normalmente adensado.​

Acrescentam-se à Fig. 7.8 os valores de Su estimados a partir da sondagem SPT, utilizando-se conceitos de energia. Os valores são da mesma ordem de grandeza daqueles obtidos a partir do ensaio CPTU e podem ser usados em nível de anteprojeto.​

A Fig. 7.9 apresenta os ensaios de dissipação utilizados na estimava do coeficiente de adensamento horizontal (ch), cujo valor pode ser convertido em coeficiente de adensamento vertical (cv) com base na proposta de Jamiolkowski et al. (1985). Os valores listados na Tab. 7.4

são referência da prática brasileira. Os valores calculados para esse caso foram 3,5 × 10–3 cm2/s e 2,0 × 10–3 cm2/s para as profundidades de 4 m e 7,5 m, respectivamente. Esses valores são decisivos na estimativa do tempo de adensamento e no projeto de aceleração dos recalques com o uso de geodrenos. O ensaio de dissipação realizado na profundidade de 16 m confirmou a posição do nível freático, não havendo incidência de subpressão (artesianismo) nas camadas profundas.