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Solos coesivos-friccionais

3.4 Projeto de fundações

Resultados de ensaios CPT podem ser utilizados diretamente na solução de problemas geotécnicos, por meio dos chamados métodos diretos de projeto, sem a necessidade de obtenção de parâmetros constitutivos do solo. O exemplo mais importante de uso refere-se à previsão de capacidade de carga de estacas, com analogia direta com a prática brasileira de uso do SPT. Métodos correntes de projeto (Aoki; Velloso, 1975) foram concebidos com base em correlações entre valores de qc (cone) e NSPT.

3.4.1 Fundações diretas

A avaliação do desempenho de uma fundação direta passa pela verificação da ruptura, normalmente associada ao Estado Limite Último, e dos recalques relacionados ao Estado Limite de Utilização. Os métodos de cálculo empregados para essa avaliação são divididos em métodos indiretos e diretos.

Nos métodos indiretos, a determinação do desempenho de uma fundação é constituída de duas etapas. Na primeira, determinam-se os parâmetros constitutivos do solo a partir do valor medido de qc (p. ex., γt, ɸ’, K0, OCR, E’, ν) e, na segunda, estima-se a capacidade de carga, por meio de métodos como o de equilíbrio limite (p. ex., Brinch-Hansen, 1961; De Beer, 1970; Schmertmann, 1978; Meyerhof, 1956), e de recalques, utilizando-se a teoria da elasticidade (p. ex., Poulos; Davis, 1974b; Mayne; Poulos, 1999).

Assim, a capacidade de carga última de uma sapata em areias é determinada, por exemplo, com base na teoria de equilíbrio limite, expressa por:

onde B é a menor dimensão da sapata (ou diâmetro equivalente); γ, o peso específico operacional (isto é, o peso específico total ou efetivo, a depender da condição do nível freático); Nγ e Nq, os fatores de capacidade de carga; e D, a profundidade de embutimento. Em argilas, a análise é realizada em termos de tensões totais, adotando-se ɸ = 0 e, por consequência:

Considerações com relação à inclinação da carga, à inclinação do terreno, ao embutimento e à excentricidade da carga aplicada estão detalhadas em Brinch-Hansen (1961), assim como a influência da coesão e do solo de reaterro.

A estimativa de recalque imediato é obtida com base na teoria da elasticidade. O cálculo é feito para duas situações distintas: solo homogêneo e solo cujo módulo de elasticidade apresenta um crescimento linear com a profundidade:

onde q é a carga efetivamente aplicada à base da sapata; B, o diâmetro equivalente da sapata; Es, o módulo de elasticidade de solo; ν, o coeficiente de Poisson; e I, o fator de correção.

Inúmeras soluções disponíveis para a estimativa de recalques, para diferentes condições de contorno, são apresentadas por Poulos e Davis (1974b). Essas soluções consideram cargas aplicadas a meios elásticos semi-infinitos, presença de camada rígida na profundidade de influência do carregamento, sistema de múltiplas camadas, rigidez do elemento de fundação, meios não homogêneos e anisotrópicos, entre outros fatores.

Os ensaios de campo fornecem uma alternativa a essas abordagens nos chamados métodos diretos, em que o valor de qult e ρ são obtidos em uma única etapa de cálculo. No caso da determinação da capacidade de carga, os métodos baseiam-se em estudos analíticos (p. ex., Schmertmann, 1978; Eslaamizaad; Robertson, 1996; Eslami; Gholami, 2005), resultados de ensaios em câmara de calibração (p. ex., Berardi; Bovolenta, 2003), ensaios realizados em escala real (Mayne; Illingworth, 2010), simulações numéricas de elementos finitos (Lee; Salgado, 2005) e na associação de duas ou mais metodologias, como, por exemplo, ensaios em escala real e elementos finitos (p. ex., Tand; Funegard; Briaud, 1986). Por sua vez, a determinação dos recalques passa, inevitavelmente, pela teoria da elasticidade, incorporando alguma correlação empírica entre qc e E’s.

Capacidade de Carga (q

ult

)

A Tab. 3.11 apresenta um resumo de propostas de determinação da capacidade de carga com base em métodos diretos.

Recalque (ρ)

A estimativa de recalques a partir de métodos diretos baseados na resistência à penetração (qc) não é prática consagrada. Meyerhof (1974) recomenda um método baseado na teoria da elasticidade, assumindo como simplificação que I = 1 e

TAB. 3.11 Propostas para a determinação de qult

Mé todo Equaçõe s para fundação dire ta Obse rvaçõe s

Meyerhof (1956)

Are ias: qult = qc(B/12)cw

onde qc é a resistência da ponta do cone mecânico; B, a largura da fundação (metros)

cw = correção da posição do nível freático cw = 1,0 (areias secas e úmidas)

cw = 0,5 (areias submersas) Meyerhof

(1974)

Argilas: qult = αbc · qc

Nota: desenvolvido para cone mecânico Fator 0,25 ≤ αbc ≤ 0,5

Schmertmann (1978)

Are ias: qult = 0,55 σatm(qcatm)0,78 Argilas: qult = 2,75 σatm(qcatm)0,52 Nota: baseado no cone mecânico

Embutimento aplicado a: De > 0,5(1+B), para B < 1 m De > 1,2, para B > 1 m B = largura da sapata Tand, Funegard e Briaud (1986) Argilas: qult = Rk(*qc – σvo) + σvo

Nota: o fator Rk depende da razão de embutimento da sapata (D/B) e do grau de fissuramento da argila. Para sapatas superficiais sobre argilas intactas, Rk = 0,45; para sapatas em argilas fraturadas, Rk = 0,30

*qc = (qc1 · qc2)0,5

onde qc1 é a média geométrica dos valores de qc da base da sapata até 0,5 B; e qc2 é a média dos valores de 0,5 B até 1,5 B, a contar da cota de assentamento da sapata The Canadian Geotechnical Society (1992)

Are ias: qult = Rko · qc onde Rko = 0,3

O fator de segurança aplicado ou recomendado é FS = 3

Tand, Funegard e Warden (1995)

Are ias: qult = Rk · qc + σvo onde Rk = função (D,B)

Análises efetuadas com base em elementos finitos sugerem valores de Rk entre 0,13 e 0,20

Teixeira e Godoy (1996)

Are ias: qult = 0,3 qc (MPa) Argilas: qult = 0,2qc (MPa)

Para areias, qadm = qc/10; para argilas, qadm = qc/15 (FS = 3)

Valores recomendados para qc > 1,5 MPa e qadm < 0,4 MPa

Eslaamizaad e Robertson (1996)

Are ias: qult = KΦ · qc KΦ = função (razão B/De, forma e densidade) Lee e

Salgado (2005)

Are ias: qbL = βbc · qc(AVG)

onde qc é o valor médio a uma profundidade B abaixo da sapata

Fator βbc = função (B, Dr, K0, e s/B) Eslami e

Gholami (2005, 2006)

Are ias: qult = Rk1 · qc

onde Rk1 = função (razão D/B e da resistência normalizada do cone (qc/ )

Valores de qc e qc/ obtidos a partir da média geométrica a uma distância de 2B de profundidade, contada da base da sapata Robertson e

Cabal (2007)

Are ias e argilas: qult = KΦ · qc KΦ = 0,16 (areias)

KΦ = 0,3 a 0,6 (argilas)

Briaud (2007) Are ias: qult = KΦ · qc KΦ = 0,23

Valores de KΦ obtidos a partir da análise de provas de cargas realizadas no Texas A&M

Mayne (2009)

Are ias, silte s e argilas:

onde a capacidade de carga é definida para uma tensão q, correspondente a um valor de (s/B) = 10%, no caso de areias, siltes e argilas insensíveis

Obs.: a capacidade de carga deve ser definida para um valor de (s/B) = 4% para argilas sensíveis e estruturadas

qaplicado = tensão aplicada na base da sapata Os valores do coeficiente hs para diferentes tipos de solos são:

Areias: hs = 0,58 Siltes: hs = 1,12

Argilas fissuradas: hs = 1,47 Argilas intactas: hs = 2,70

Lunne, Robertson e Powell (1997) sugerem a adoção do método de Burland, Broms e De Mello (1977), desenvolvido para a aplicação de resultados de ensaios SPT. O método, detalhado no

Cap. 2, pode ser utilizado convertendo-se os valores medidos de NSPT em faixas de ocorrência estabelecidas a partir do ensaio CPT, conforme ilustrado na Tab. 3.12.

Todos os métodos aqui apresentados devem ser utilizados com base nas recomendações e limitações indicadas por cada autor. Destaca-se que todos os métodos retratam condições geológicas/geotécnicas particulares e, portanto, devem ser utilizados com cautela e validados para condições locais. Esses métodos não são aplicados para solos de aterro, solos colapsíveis, expansíveis e materiais que apresentem comportamento não convencional.

TAB. 3.12 Transposição de experiência entre ensaios SPT e CPT para uso do método de Burland, Broms e De Mello (1977)

Are ias NS PT qc (MPa)

Fofas < 10 < 5

Médias 10-30 5-15

Densas > 30 > 15

Fonte: Lunne, Robertson e Powell (1997).

3.4.2 Fundações profundas

Como conceito geral, sabe-se que a capacidade de carga de uma estaca (Qrup) consiste de duas componentes, conforme discutido no Cap. 2:

A parcela mobilizada na ponta da estaca (Qb) é calculada como o produto entre a área da base (ab) e a carga unitária (qb). O atrito lateral (Qs) é definido como o produto entre a área lateral da estaca (as) e o atrito lateral (fp). Assim:

Valores medidos de resistência de ponta do cone (qc) são usados para calcular simultaneamente os valores de qb e fp. Incertezas nas medidas do atrito no fuste do cone restringem seu uso na

determinação do atrito lateral de estacas. Dois métodos são utilizados internacionalmente, conforme os procedimentos descritos a seguir.

a] Método LCPC (Bustamante; Gianeselli, 1982)

O método é utilizado com base nas informações apresentadas na Fig. 3.36 e nas Tabs. 3.13 e 3.14, que fornecem os coeficientes para as equações:

FIG. 3.36 Cálculo de resistência média equivalente Fonte: Bustamante e Gianeselli (1982).

O atrito lateral unitário é calculado pelo somatório, ao longo do fuste, do valor medido de qc,z dividido pelo coeficiente α (Tab. 3.14). A resistência de ponta unitária é calculada por meio da média de valores medidos entre a e –a (= 1,5D), sendo D o diâmetro da estaca. A média é calculada em três estágios:

i] calcula-se q’c,avg como a média de qc entre a e –a;

ii] eliminam-se os valores de qc superiores a 1,3q’c,arg e inferiores a 0,7q’c,avg;

iii] calcula-se a nova média qc,avg, dentro dos valores definidos em (ii), e utiliza-se esse valor na

Eq. 3.52.

TAB. 3.13 Fatores de capacidade de carga kc

Nature za do solo

Fatore s kc

qc (MPa) Grupo I Grupo II

Argilas moles e turfas < 1 0,4 0,5

Argilas moderadamente compactas 1 a 5 0,35 0,45

Argilas rijas compactas e silte compacto > 5 0,45 0,55

Areias medianamente compactas e pedregulhos 5 a 12 0,4 0,5

Areias compactas e pedregulhos > 12 0,3 0,4