• Nenhum resultado encontrado

Conhecidas as limitações envolvidas no ensaio, é possível, por meio da interveniência de fatores que influenciam os resultados e não estão relacionados às características do solo, avaliar criticamente as metodologias empregadas na aplicação de valores de NSPT em problemas geotécnicos. Para tanto, as abordagens modernas recomendam a correção do valor medido de NSPT levando-se em conta o efeito da energia de cravação e do nível de tensões.

2.4.1 Correções de energia

Em primeiro lugar, deve-se considerar que, no processo de cravação, a energia nominal transferida à composição de hastes (cabeça de bater), conforme demonstrado anteriormente, não é a energia de queda livre teórica transmitida pelo martelo (p. ex., Schmertmann; Palacios, 1979; Seed et al., 1985; Skempton, 1986). A eficiência do golpe do martelo é função das perdas por atrito entre cabo e roldana, do sistema de elevação e liberação do martelo e da sua geometria. No Brasil, é comum o uso de sistemas manuais para a liberação de queda do martelo, cuja energia aplicada varia entre 70% e 80% da energia teórica (Belincanta, 1998; Décourt, 1989; Cavalcante; Danziger; Danziger, 2004). Em comparação, nos Estados Unidos e na Europa, o sistema é mecanizado e a energia liberada é de aproximadamente 60%. Atualmente, a prática internacional sugere normalizar o número de golpes com base no padrão internacional de N60. Assim, previamente ao uso de uma correlação internacional, deve-se majorar o valor de NSPT em 15% a 30% quando medido em uma sondagem realizada segundo a prática brasileira (Velloso; Lopes, 1996; Décourt, 1989; Schnaid, 2009).

Embora a prática brasileira seja pautada pelas recomendações da norma NBR 6484/2001, que estabelece critérios rígidos para os procedimentos de perfuração e ensaio, com a adoção de um único tipo de amostrador, no meio técnico existem variações regionais de procedimentos de sondagem, a saber: (a) uso (ou ausência) de coxim e cabeça de bater; (b) acionamento com corda de sisal ou cabo de aço, com e sem roldana; e (c) variação do tipo de martelo utilizado. A influência de alguns desses fatores relacionados à pratica brasileira foi quantificada por Belincanta et al. (1984, 1994) e Cavalcante (2002). Resultados típicos de medida de energia de cravação para diferentes equipamentos são apresentados nas Tabs. 2.1 e 2.2. As medidas de eficiência de energia dinâmica referem-se à primeira onda de compressão incidente,​ para uma composição de 14 m de comprimento. Valores médios de eficiência na faixa entre 70% e 80% da energia teórica foram monitorados com frequência, reforçando a necessidade de normalização das medidas de NSPT previamente à aplicação dessa medida em correlações de natureza empírica. As informações servem como avaliação preliminar à estimativa de fatores intervenientes no índice de resistência à penetração.

coxim de madeira e cabeça de bater de 3,6 kg

Equipame nto Estado da composição

Mé dia de e ficiê ncia das e ne rgias

Acioname nto manual Acioname nto com gatilho mé dia (%) n° dados de svio

padrão (%) mé dia (%) n° dados

de svio padrão (%) Martelo cilíndrico

com pino guia, acionamento com corda

Velha 69,4 178 3,59 75,5 195 2,95

Nova 72,7 153 3,59 81,3 90 3,98

Martelo cilíndrico com pino guia, acionamento com cabo de aço Velha 63,2 45 4,78 74,4 23 2,23 Nova 73,9 54 3,43 83,2 26 2,52 Martelo cilíndrico vazado, acionamento com corda Nova 66,5 50 3,74 74,2 39 5,30 Fonte: Belincanta (1998).

TAB. 2.2 Influência do uso de coxim, para composição de 14 m de comprimento, martelo com pino guia e cabeça de bater de 3,6 kg

Sondage m Uso de coxim

Mé dia de e ficiê ncia das e ne rgias

Acioname nto manual Acioname nto com gatilho mé dia (%) n° dados de svio

padrão (%) mé dia (%) n° dados

de svio padrão (%) Local 1 Não 72,8 111 3,62 – – – Sim 71,0 104 3,56 – – – Local 2 Não – – 76,1 9 4.54 Sim 66,7 51 2,73 75,5 195 2,95 Fonte: Belincanta (1998).

Medidas locais de energia devem tornar-se rotina na próxima década, aumentando o grau de confiabilidade do ensaio, melhorando a acurácia no uso de correlações baseadas em SPT e quantificando a influência de fatores determinantes para a interpretação racional do ensaio, como, por exemplo, a influência do comprimento da composição.

Sempre que os resultados de ensaio forem interpretados para a estimativa de parâmetros de comportamento do solo, serão fornecidas recomendações específicas acerca da necessidade de correção dos valores medidos de NSPT. A correção para um valor de penetração de referência, normalizado com base no padrão internacional de N60, é realizada simplesmente por meio de uma relação linear entre a energia empregada e a energia de referência. Assim:

Por exemplo, um ensaio realizado no Brasil segundo a norma brasileira, com acionamento manual do martelo, fornecendo uma medida de energia de 66% da energia teórica de queda livre,

teria seu valor medido de penetração de 20 golpes convertido em um valor de NSPT,60 = 22, ou seja, NSPT,60 = (20*0,66) / 0,60 = 22.

2.4.2 Correções para o nível de tensões

A correção do valor medido de NSPT para considerar o efeito do nível geostático de tensões in

situ é prática recomendável para ensaios em solos granulares. Essa correção pode ser feita com

base na densidade relativa das areias, por meio de correlações empíricas e por meio da aplicação de conceitos de energia.

a] Densidade relativa

Como a resistência à penetração aumenta linearmente com a profundidade (e, portanto, com a tensão vertical efetiva, para uma dada densidade) e em função do quadrado da densidade relativa, para constante (Meyerhof, 1957), Skempton (1986) sugeriu a seguinte correlação:

onde Dr é a densidade relativa; a e b são fatores dependentes do tipo do material; Cα é o fator de correção da resistência em função da história de tensão; e é a tensão vertical efetiva (em kPa).

Em geral, o valor de pode ser estimado com razoável grau de precisão. O valor de Cα é unitário para solos normalmente adensados (NA), e aumenta com a OCR, refletindo o aumento da tensão efetiva horizontal ( ) e, portanto, das tensões efetivas médias p’ = 1/3 ( + 2 ). Com base nessa abordagem, foram propostos os coeficientes de correção de NSPT, representados graficamente na Fig. 2.7 e expressos segundo:

onde CN representa a correção decorrente da tensão efetiva de sobrecarga (Liao; Whitman, 1985; Jamiolkowski et al., 1985; Clayton, 1993). A racionalidade no uso de CN para converter o valor medido de NSPT em um valor de referência N1, adotado para uma tensão de sobrecarga de 100 kPa (1 atmosfera), considerando-se o solo NA, é demonstrada por meio do uso da Eq. 2.10:

a] Correlações empíricas

Diversas correlações empíricas foram desenvolvidas com base nesse conceito, conforme reportado na Tab. 2.3 (Gibbs; Holtz, 1957; Marcusson; Bieganousky, 1977; Seed, 1979; Seed; Idriss; Arango, 1983; Skempton, 1986), sendo as propostas de Peck, Hanson e Thornburn (1974) e Skempton (1986) utilizadas como referência.

Re fe rê ncia CN Obse rvação

Skempton (1986) kPa Seed, Idriss e Arango (1983)

Dr = 40%-60% → Areias NA

Skempton (1986) kPa Seed, Idriss e Arango (1983)

Dr = 60%-80% → Areias NA

Peck, Hanson Thornburn (1974) kPa Areias NA

Liao e Whitman (1985) kPa Areias NA

Liao e Whitman (1985) - k = 0,4-0,6

Skempton (1986) kPa Areias PA → OCR = 3

Clayton (1993) kPa Areias PA → OCR = 10

NA = normalmente adensada PA = pré-adensada

b] Conceito de energia

Com base nas equações de energia anteriormente apresentadas, é possível determinar o valor de CN. Para tanto, a penetração permanente ∆ρ para o nível de tensões de 100 kPa é dividida por ∆ρ para a profundidade de estudo.

Ressalta-se que, na Eq. 2.11, o valor de CN é função do nível médio de tensão efetiva, da história de tensões, do ângulo de atrito interno e das características do equipamento de ensaio (martelo, haste e amostrador).

Valores típicos de CN para areias normalmente adensadas e areias pré-adensadas são apresentados na Fig. 2.7, para valores de ɸ’ que variam entre 25° e 45°, densidade relativa de 18 kN/m3, massa da haste por unidade de comprimento de 3,23 kg e coeficientes de eficiência anteriormente apresentados (Eq. 2.3). Para areias normalmente adensadas e níveis de tensões superiores a 100 kPa, observa-se que os valores de CN determinados pela Eq. 2.11 são ligeiramente inferiores aos valores obtidos segundo as correlações empíricas apresentadas na

Tab. 2.3. Essa diferença em relação à prática internacional provavelmente decorre da diferença de equipamentos (transferência de energia) e de considerações quanto ao valor da penetração permanente do amostrador.

FIG. 2.7 Valores de CN para areias (A) normalmente adensadas e (B) pré-adensadas Fonte: Schnaid et al. (2009).

É importante observar que os valores de CN apresentam um crescimento muito acentuado para níveis de tensões inferiores a 100 kPa e, por esse motivo, recomenda-se uma abordagem conservadora de adoção de um valor máximo de CN (≤ 1,5).

A influência do pré-adensamento no valor de CN é similar ao sugerido por Skempton (1986) e é insensível à magnitude de Ir e ɸ’ (Fig. 2.7B). Para solos pré-adensados, o desconhecimento dos efeitos de correção do nível de tensões acarreta a obtenção de valores de Dr e ɸ’ superiores aos valores reais, conforme discutido por Milititsky e Schnaid (1995) e apresentado na Fig. 2.8.

Para ilustrar o efeito do nível de tensões na medida de penetração, considere um depósito de areia normalmente adensada, com peso específico γnat de 18 kN/m3, nível d’água profundo e resistência à penetração de 5 e 16 golpes nas profundidades de 2 m e 20 m, respectivamente:

a] Profundidade z = 2 m e, portanto, = 36 kN/m2.

Para NSPT,60 = 5, tem-se (NSPT,1)60 = CN · 5 = (1,47 × 5) ∼7.

FIG. 2.8 Influência da história de tensões nos parâmetros de resistência de areias Fonte: Milititsky e Schnaid (1995).

b] Profundidade z = 20 m e, portanto, = 360 kN/m2.

Para NSPT,60 = 16, tem-se (NSPT,1)60 = CN · 16 = (0,43 × 16) ∼7.

Portanto, o depósito de areia tem, aproximadamente, a mesma densidade relativa, apesar dos registros de NSPT = 5 m a 2 m e NSPT,60 = 16 m a 20 m de profundidade.