• Nenhum resultado encontrado

Cacau, segundo romance de Jorge Amado, foi publicado em 1933 pela editora

carioca Ariel e, nas palavras do autor, é resultado da sua infância, passada na cidade de

Ilhéus e nas fazendas de cacau: “Há muito que eu imaginava escrevê-lo. Tinha para isso uma grande

documentação. No entanto, foi o meu amigo Gastão Cruls quem me animou a fazê-lo.” (apud Táti, 1961,

Schimidt, tornou-se um dos best-sellers do ano, muito por conta do debate que suscitaram

sobre a questão do “romance proletário”.57

Não podemos nos esquecer que os anos 30 foram anos “ferozmente ideológicos”, cuja “radicalização político-ideológica que na Europa preparou terreno para a Segunda Guerra Mundial vem repercutir no Brasil sob forma de um anseio por reformas político-sociais de base”, no entender de José Paulo Paes (1991, p. 26 e 10).

O fato de ter sido apreendido pela polícia, mesmo que logo em seguida liberado, ajudou a alavancar as vendas do romance, conforme atestam as pesquisas realizadas por Hallewell (2005, p. 430):

A violenta mensagem social do romance – baseada na experiência do próprio Amado como trabalhador agrícola – resultou em sua apreensão pela polícia do Rio de Janeiro. Contudo, um pedido feito diretamente a Oswaldo Aranha, então ministro da Justiça, por Cláudio Ganns, amigo comum do ministro e dos editores, apoiado por uma campanha no jornal O Globo, acabou conseguindo a revogação daquela medida. A propaganda disso resultante garantiu a popularidade do livro: em quarenta dias, foi necessária uma reimpressão de três mil exemplares.

Tal como ocorreu com relação à apreensão de Cacau pela polícia, sob a justificativa de que o romance era pornográfico e continha linguagem chula, o apoio dos críticos de esquerda também foi decisivo para a popularização do romance. Receberam com entusiasmo o volume e trataram logo de debater a antológica nota introdutória assinada

com as iniciais do autor e não com as do narrador-protagonista: “Tentei contar neste livro, com

um minimo de literatura para um maximo de honestidade, a vida dos trabalhadores das fazendas de cacáu no sul da Bahia. Será um romance proletario?”(s/p).

Em entrevista concedida, em 1985, a Alice Raillard (1990, p. 55-56), o escritor baiano revela que a escritura de Cacau coincide justamente com a sua entrada para o Partido Comunista e com a descoberta da literatura de esquerda:

57

Em sua Nota sobre Cacau, publicada no Boletim de Ariel em setembro de 1933, o poeta Murilo Mendes (2001, p. 45) explica que: “o escritor que não encontrar motivos de inspiração na vida já em decomposição,

da sociedade burguesa, terá que observar a vida dos proletários, e, se quiser ser um escritor revolucionário, terá que se integrar no espírito proletário, do contrário fará simples reportagem” – como o fez Pagu em seu Parque industrial, e continua Murilo: “Já este livro Cacau tem outra consistência. O autor examina a vida dos trabalhadores de fazenda de cacau com uma visão ampla do problema, e não sacrifica o interesse humano do drama ao pitoresco. Do ponto de vista literário é bem escrito, sem abuso de detalhes descritivos; os quadros da vida das fazendas são apresentados esquematicamente. Tem movimento, naturalidade nos diálogos. Os personagens têm bastante realidade, se bem que a filha do coronel lá para o fim do livro dê uns palpites que a gente fica pensando que o autor quis fazer literatura”.

O país do carnaval apareceu em setembro de 1931. Depois começou a minha

militância, em 32 entrei para a Juventude Comunista, aí escrevi Cacau, em fins de 32 e nos primeiros dias de 33. Grande parte dele escrevi em Itabuna, em Ilhéus, já sob influência do dito “romance proletário”.

(...) Fazer um romance proletário era, evidentemente, pura pretensão de minha parte. A consciência proletária ainda estava em formação num país que apenas começava a se industrializar e onde não existia, propriamente, uma classe operária; o que havia era o trabalhador manual – e, neste ponto, a descrição da vida dos trabalhadores rurais é o que torna Cacau muito real; embora seja absolutamente idealista, do ponto de vista ideológico, a tentativa de aproximação entre os intelectuais e o proletariado ao qual corresponde o herói do livro.

Se a obra amadiana é, mormente, mal recebida por boa parte da crítica

universitária58, Cacau59 talvez seja um dos alvos mais visados. Três pontos desde sempre

suscitaram muita polêmica, no que se refere: a) ao discurso explicitamente engajado e datado; b) à visão maniqueísta do mundo (os ricos e a igreja são quase sempre maus e os pobres bons e alegres); c) à escolha de um jovem branco e nascido rico para encarnar o protagonista-trabalhador dotado de sensibilidade para a consciência política.

Luís Bueno faz uma leitura bastante interessante dessas questões em sua já citada tese sobre o romance de 30. Primeiro diz que Jorge Amado optou por fazer propaganda política de esquerda em Cacau e, por isso, achou conveniente marcar bem as distinções entre os que representavam a elite capitalista e a massa trabalhadora – deixando bem claro de que lado estava –, e tendo plena consciência do reducionismo que essa escolha acarretava:

Demonstração cabal de que este maniqueísmo é intencional é o fato de que uma das personagens ricas, Mária, a filha do fazendeiro, aponta o problema quando conversa com o personagem-narrador Sergipano: “Não seja tolo. – Enraivecia- se. – Vocês também odeiam a gente sem saber se há bons e maus”. (Bueno, 2006, p. 178).

Jorge Amado talvez tenha feito de Sergipano um sujeito branco e bem-nascido na tentativa de aproximá-lo de si próprio e tornar crível a possibilidade de um trabalhador da

58 Em sua História concisa da literatura brasileira, escreveu Alfredo Bosi (1977, p. 457): “Ao leitor curioso e

glutão a sua obra tem dado de tudo um pouco: pieguice e volúpia em vez de paixão, estereótipos em vez de trato orgânico dos conflitos sociais, pitoresco em vez de captação estética do meio, tipos “folclóricos” em vez de pessoas, descuido formal a pretexto da oralidade...”.

59 O próprio Jorge Amado considera Cacau e Suor “dois esboços de um aprendiz de romancista” (Raillard,

1990, p. 100). E em Navegação de cabotagem (1994, p. 183), termina um comentário sobre Cacau com a seguinte frase: “Livrinho maniqueísta, mas que livrinho retado!’’ Para maiores esclarecimentos sobre a recepção crítica da época ao romance, consultar Táti (1961).

roça de cacau, posteriormente tipógrafo, vir a escrever um livro. Isto se evidencia quando o protagonista procura justificar o porquê da escritura do romance:

Esse livro está sem seguimento. Mas é que elle não tem propriamente enredo e essas lembranças da vida na roça eu as vou pondo no papel á proporção que me vêm á memória. Li uns romances antes de começar “Cacáu” e bem vejo que este não se parece nada com elles. Vae assim mesmo. Quiz contar apenas a vida na roça. Por vezes tive impetos de fazer pamphleto e poema. Talvez nem romance tenha saído. (p.184).

Críticas à parte, não se pode deixar de falar da leitura rápida e instigante que o volume promove.60 Serve não só como testemunho61 de um período de grande agitação e polaridade política, mas encerra, em contrapartida, uma certa ousadia no que se refere ao foco na gente pobre e trabalhadora, no uso de uma linguagem que procura reproduzir o coloquialismo regional e, até, no que diz respeito à estrutura do livro em si. Encontramos capítulos de apenas cinco parágrafos; reprodução de cartas e impressos de propaganda com grafia fora da corrente; a ocultação, até o penúltimo capítulo, do nome do protagonista; o fechamento em aberto do enredo (não sabemos o que de fato acontece com Sergipano após a sua saída da Fazenda Fraternidade), entre outras coisas.

60

José Paulo Paes (1991, p. 7) nos revela sua experiência singular com a leitura do romance: “Li Cacau pela

primeira vez no começo da adolescência; foi por seu intermédio que descobri então poder a literatura ser, mais que um veículo de entretenimento, uma via privilegiada de descoberta do mundo; no caso especificamente, da realidade brasileira”.

61 Roche (1987, p. 74) enaltece o talento de Jorge Amado para “nos fazer ver e ouvir, para nos comunicar os

pensamentos, os medos, os sonhos dos trabalhadores (os do cacau, os do sexo, segundo sua fórmula admirável). E aí está o leitor estrangeiro iniciado nas tarefas específicas do cacau, no modo de sobrevivência dos operários, na organização econômica e social desse pequeno mundo, como também na beleza peculiar da plantação e da paisagem. Nenhum detalhe inútil, porém, nenhum floreio na frase. Palavras simples, grosseiras, quando necessário, fórmulas de impacto”. Já Álvaro Lins (1947, p. 136-7), em contrapartida,

critica justamente o tom de reportagem do romance e o uso de palavrões e termos de sentido pornográfico: “Em muitas páginas é um simples relatório, como no capítulo “Cacau”, em que o autor descreve uma