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Para a 6ª edição de Menino de engenho, eleita para esse estudo, Luís Jardim concebeu 22 imagens originais: cinco ilustrações de página inteira; onze vinhetas

retangulares de abertura e seis vinhetas de encerramento de capítulo, sendo estas últimas repetidas inúmeras vezes ao longo do livro, conforme o padrão da coleção dos títulos reeditados em 1956.

É importante esclarecer que o uso de vinhetas de encerramento de capítulos era bastante usual nessa época. A editora José Olympio explorava assiduamente esse recurso e contratou Luís Jardim inúmeras vezes para projetá-las (Figura 128). Para Hiléia

Amazônica, de Gastão Cruls (1958, p. xvi), por exemplo, Jardim compôs vinhetas que

foram reimpressas ao longo do livro e as quais o escritor agradece por atuarem estas satisfatoriamente no “aspecto material do volume”.

Figura 128. Vinhetas de Luís Jardim para Hiléia Amazônica, de Gastão Cruls; Arruar, de Mário Sette; Tutaméia, de Guimarães Rosa;

Cangaceiros, de José Lins do Rego; e Guia de Olinda, de Gilberto Freyre.

Na maior parte dos volumes da coleção ilustrada de José Lins o que vemos são vinhetas ilustrativas baseadas nas primeiras passagens dos romances ou então desenhos mais genéricos, passíveis de serem reproduzidos em qualquer trecho do livro. Padronização que não deixa de ter um preço, pois pode soar desagradável aos olhos do leitor revisitar duas, três, até sete vezes a mesma imagem. Em Menino de engenho, por exemplo, temos 22 ilustrações originais e um total de 68 imagens reimpressas ao longo do livro.

Além da repetição exaustiva de algumas imagens, ficamos com a sensação de que muitas passagens marcantes da narrativa mereceriam um comentário visual à parte, como no caso da cheia do Paraíba narrada no capítulo 13, ou então o namoro de Carlinhos com a prima Maria Clara ou o casamento da tia Maria.

É de se destacar também a ausência de qualquer menção visual às precoces experiências sexuais de Carlinhos, iniciadas com os abraços e beijos da professora Judite; com as conversas com Zé Guedes e os moleques do engenho; com a visão dos bois e porcos

copulando; com os primos fazendo “porcaria no curral”; e com as negras maliciosas.

“Virilidade adiantada” que quase o fez abusar de uma criança – “João Rouco me deu uma

carreira por causa do filho pequeno, que eu quis pegar” (p. 215) e que levou o protagonista a contrair doença venérea aos doze anos. Naturalismo literário que, aliás, não deixou de inquietar muitos leitores da época, como bem pressentiu João Ribeiro em sua nota no

Jornal do Brasil de setembro de 1932:“Eis um romance que não podemos aconselhar a todos os lei-

tores. É um livro de naturalismo feroz, que talvez repugne às almas tímidas e às leitoras da Bibliothèque

Rose”.82

A técnica utilizada pelo artista para ilustrar os 13 títulos de Zé Lins (Figuras 129,

130, 131 e 132) foi bico de pena e nanquim, com possíveis toques a pincel83. As imagens,

repletas de traços e hachuras, apresentam uma caligrafia expressiva, rústica até, em possível alusão as xilos dos cordéis. Se Gilberto Freyre prefere as paisagens de Jardim à representação da figura humana, pode-se acrescentar uma nova observação. Sua figuração, um tanto dura e angulosa, no que tange ao conjunto das obras ilustradas para o escritor paraibano, cabe melhor na reprodução da figura masculina. Às suas mulheres, mormente, falta um pouco de delicadeza e sensualidade, com exceção de alguns retratos, como o de Eurídice (Figura 132).

82 Nota jornalística reproduzida na presente edição de 1956 de Menino de engenho, p. 9 e 10.

83 É possível notar uma identidade visual nesse projeto ilustrativo de grande porte, embora com uma certa

variação no que tange à delicadeza/rusticidade do traços e acréscimo de detalhes, sendo a profusão linear a marca mais característica do mesmo.

Figuras 129 e 130. Ilustrações de Luís Jardim para Pureza e Pedra Bonita, de Lins do Rego.

As vinhetas de abertura de capítulos de Manoel Bandeira (homônimo do poeta) para

Nordeste (Figuras 133 e 134), de Gilberto Freyre, publicado em 1937, bem como as de

Santa Rosa para O Bangüê das Alagoas (Figuras 136 e 137), de Manuel Diegues Junior, de 1949 – com foco nas vistas e vida dos engenhos de açúcar –, bem poderiam ter inspirado Jardim na sua busca de referências iconográficas. Mesmo que as imagens retangulares de Bandeira e de Santa, por sugerirem uma maior aproximação com a realidade, tenham sido concebidas num registro um tanto divergente do traço mais expressivo, anguloso e decorativo de Jardim.

Figura 133. Vinheta de Manoel Bandeira para Nordeste, de Gilberto Freyre.

Figura 135. Vinheta de Santa Rosa para O Bangüê das Alagoas, de Manuel Diegues Junior.

Figura 136. Vinheta de Santa Rosa para O Bangüê das Alagoas, de Manuel Diegues Junior.

Baseado em vasta pesquisa bibliográfica, calcula-se que antes dessa 6ª edição, de 1956, Menino de engenho não foi editado em versão ilustrada. A edição com gravuras de Portinari (Figura 137) para os Cem Bibliófilos do Brasil foi trazida a público somente em 1959 e resultou num trabalho de grande impacto e requinte gráfico. Observa-se uma ressonância entre o traço do pintor de Brodósqui e a palavra sombria e nostálgica de Lins do Rego, especialmente pelo fato do “retorno” ao mundo da infância ser uma constante em suas produções artísticas.

Não há, evidentemente, uma aproximação patente entre as ilustrações de Portinari e as de Jardim, mesmo porque os projetos tinham intenções diferentes. Portinari dedicou-se a dissecar o romance em dezenas de gravuras líricas e monumentais, que se sobrepõe com toda a sua expressividade e presença física ao texto. Já Jardim ilustrou a nanquim, num só fôlego, toda a edição comemorativa de Lins do Rego, cuja ideia era pontuar algumas cenas

do livro, criar referências gerais à civilização do açúcar e estabelecer uma correspondência com o seu discurso neorrealista e telúrico.

Curiosa ainda é a versão em quadrinhos de André Le Blanc (Figura 138), editada pela EBAL em 1955, com feição gráfica em proximidade com o universo das histórias em quadrinhos americanas, distante formalmente, portanto, dos desenhos de Jardim, ainda que a escolha das cenas para ilustrar seja bastante similar.

Figuras 137 e 138. Ilustração de Portinari para Menino de engenho, 1959. Água-forte, 36 x 28 cm. Col. Projeto Portinari e desenhos de André Le Blanc para Menino de engenho (em quadrinhos).

Não podemos nos esquecer, ainda, de Meus verdes anos, livro de memórias de Lins do Rego, também ilustrado por Luís Jardim (Figuras 139 e 140). Se José Lins praticamente reescreve Menino de engenho, de 1932, em Meus verdes anos, de 1956, Jardim, ao

contrário, ilustra as duas obras no mesmo período, mas com resultados gráficos um tanto diferenciados. Ou seja, entre as duas obras há uma maior aproximação verbal no que tange aos fatos narrados do que propriamente uma ressonância visual. Embora a técnica seja a mesma, desenho a nanquim, em Meus verdes anos os traços são menos rápidos e estilizados e as ilustrações, de tamanho avantajado, apresentam um número maior de detalhes e um realismo mais acentuado no que se refere à proporção, à perspectiva e à concepção da figura humana. Diferenciação movida possivelmente pelo fato do mesmo se tratar de um texto cunhado em fatos verídicos.