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Caetano Veloso Eu nasci pra ser o Superbacana

No documento pablodemelopeixoto (páginas 56-60)

I.4 O ovo da serpente

I.4.2 Caetano Veloso Eu nasci pra ser o Superbacana

Sétimo filho de Dona Canô, Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, nasceu em 1942 em Santo Amaro da Purificação, no recôncavo baiano. Educado musicalmente pelo rádio, talvez um dos mais interessados em música da família, com um gosto musical amplo que ia de Dorival Caymmi a Vicente Celestino. Graças à influência de uma prima do Rio de Janeiro, Caetano teve permissão de passar as férias de verão com ela, prometendo que voltaria em março para o início do semestre letivo. Acabou se matriculando em um ginásio carioca e passou aquele ano todo no Rio. Na cidade, o jovem Caetano pode se aventurar pelo mundo que só conhecia através do rádio, ir ao cinema, teatros, conhecer os auditórios da Rádio Nacional e ouvir, ao vivo, grandes nomes da época como Emilinha Borba, Marlene Isaurinha Garcia, Nora Ney, Jorge Goulart, Ivon Curi, Ângela Maria, Linda e Dircinha Batista e, é claro, o grande galã da Nacional, Cauby Peixoto.

No entanto, Caetano ainda não queria ser cantor. Até voltar para Santo Amaro, foram doze meses de fracasso estudantil, mas o menino de 14 anos freqüentou em 56 uma verdadeira universidade de arte e cultura.

O jovem Caetano gostava mesmo é de cinema. Freqüentador assíduo dos dois cinemas de Santo Amaro, o rapaz teve contato com grandes cineastas, como Frederico Fellini e atores consagrados como Antony Quinn. Quando se mudou para Salvador com a irmã Maria Bethânia, Caetano pôde se aventurar ainda mais no universo do cinema. Lia e assistia a tudo que podia sobre o assunto. Sonhava em ser cineasta, articulista e crítico de cinema, como Glauber Rocha, de quem lia as críticas e artigos publicados no Diário de Notícias. Chegou a escrever muito sobre o tema e ter muitas resenhas publicadas. No futuro, essa ligação de Caetano com o cinema, principalmente com o Cinema Novo41, iria definir profundamente sua própria maneira de ver a música popular.

Em Salvador, Caetano aprofundou sua ligação com as artes. A cidade vivia um renascimento cultural, especialmente no cinema e na arquitetura. A Universidade da Bahia investia pesado em artes e os alunos de teatro, dança e música tiveram a oportunidade de conviver com artistas de vanguarda famosos na Europa. Caetano, mesmo sem cursar as matérias, recebeu muitas dessas influências. Cresceu, ganhou respeito, prestígio e capital simbólico.

O interesse de Caetano pela carreira no cinema se enfraqueceu no dia em que conheceu a Bossa Nova pela voz de João Gilberto. Em sua biografia, “Verdade Tropical”, Caetano Veloso escreve sobre as primeiras impressões da Bossa Nova:

A Bossa Nova nos arrebatou. O que eu acompanhei como uma sucessão de delícias para a minha inteligência foi o desenvolvimento de um processo radical de mudança de estágio cultural que nos levou a rever nosso gosto, o nosso acervo e – o

41 Movimento cinematográfico brasileiro com influências do Neo-realismo italiano e a Nouvelle

que é mais importante – nossas possibilidades. (VELOSO, 1997:35)

Essa dualidade cinema/música acompanhou o artista por toda a sua carreira. O amigo e cineasta Álvaro Guimarães foi quem primeiro reconheceu o duplo talento do colega e o convidou para compor a trilha sonora de uma peça, depois de um filme. Caetano, como nunca havia composto nada além de algumas canções, se assuntou, mas aceitou o desafio. A partir daí, seu futuro ficou intimamente ligado à produção musical. Também o de sua irmã, a quem Caetano - que não cantava na época - chamou para dar voz às suas composições. Foi a primeira oportunidade que Maria Bethânia teve para cantar em público. Caetano ficou íntimo de toda aquela efervescência cultural que brotava em Salvador no início da década de sessenta. Foi em um sarau que Caetano e Gilberto Gil ficaram amigos. A paixão dos dois pela música de João Gilberto ajudou a aproximar os futuros parceiros. A devoção ao pai da Bossa Nova também cuidou de aproximar Caetano de Maria da Graça Costa Penna Burgos. Graças ao interesse comum, Caetano pôde mostrar suas composições para ela e ela pôde mostrar sua voz a ele. Caetano ficou maravilhado com a voz da menina que, mais tarde, viria a ser conhecida como Gal Costa.

Em 64, Caetano foi convidado a organizar um show de música popular brasileira, na inauguração do Teatro Vila Velha. Para o espetáculo, Caetano chamou boa parte dos amigos que fez nos muitos saraus e festas que freqüentava. O show foi chamado de “Nós, por Exemplo” e tinha a função de apresentar novos talentos da música popular. Substituindo o cantor Fernando Lona, entrou no grupo o jovem e irreverente um compositor baiano de Irará, Tom Zé. O show teve duas temporadas e, durante todo o tempo que esteve em cartaz, colecionou elogios e críticas favoráveis, como a do meticuloso crítico Carlos Coquejo:

Quando disse que, com o espetáculo anterior, se inaugurara uma nova fase na música popular na Bahia não exagerei, pois pela primeira vez, houvera o contato direto

do grande público com músicos e cantores que criavam um estilo novo, ao sabor da época, é verdade, mas impregnado de baianidade. As composições autênticas de Caetano Veloso mostravam o que afirmo. (CALADO, 2004:56)

Com tanto sucesso e reverência, espetáculo após espetáculo, a invasão do sudeste pelos baianos, semelhante a que os Beatles fariam no mesmo ano da Inglaterra para os Estados Unidos, era questão de tempo.

Maria Bethânia foi a primeira a chegar, convidada pela musa da Bossa Nova, Nara Leão, para substituí-la no show do Teatro Opinião. Nara estava brava com toda a pose e a soberba dos seguidores da Bossa Nova. Nos anos 50, seu enorme apartamento em Ipanema era uma espécie de quartel general onde os bossanovistas faziam suas festas e reuniões. Apoiada por amigos íntimos como Roberto Menescal, Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, ela era a primeira mulher a entrar na nova de bossa, e sua voz limpa e seu olhar misterioso a transformariam em um símbolo sexual da cena. Um pouco incomodada com essa situação, ela decidiu seguir seu próprio caminho na música. No mesmo ano em que o exército brasileiro assumiu o governo (1964), ela lançou o “Opinião”, um show onde ela executaria baladas populares, quase folk, em companhia de artistas de raiz da música brasileira, como o cantor nordestino João Faz Vale e o sambista Zé Keti. Aquele espetáculo sacudiu a cena cultural, visto que era o primeiro grande evento de música com constitutivo teor político, linha esta que o cinema e o teatro estavam lentamente adotando. Nara tinha conhecido Maria Bethânia em um dos shows dos baianos em Salvador e se encantou com a poderosa voz da adolescente. Foi o nome que Nara indicou para substituí-la no “Opinião” quando ela adoeceu, no início de 1965.

Mas Bethânia era menor de idade, dessa forma, o irmão mais velho dela, o jovem músico/crítico de cinema Caetano Veloso, veio junto. Na mesma época, Gil foi para São Paulo como funcionário executivo da Gessy Lever, mas acabou sendo descoberto por Elis Regina, que o colocou no show business.

O show “Opinião” era um espetáculo apresentado pelo grupo Arena de teatro. A próxima atração dessa companhia viria a se chamar “Arena Canta Bahia” que introduziria o grupo baiano como um todo. Além de Caetano, Gil e Bethânia, havia Gal Costa, Tom Zé e Torquato Neto (embora nascido no Piauí, ele estudou em faculdade de Salvador).

No documento pablodemelopeixoto (páginas 56-60)