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2.1 – O presente perpétuo musical brasileiro

No documento pablodemelopeixoto (páginas 193-197)

Capítulo III – Panis et Serpentes, ou Tropicalismo toma o poder

III. 2.1 – O presente perpétuo musical brasileiro

Chegamos ao ponto crucial deste trabalho, que trata de investigar porque o Tropicalismo, como corrente vencedora no campo musical brasileiro ainda se mantém em evidência e é continuamente revalidado como movimento musical definitivo e referência obrigatória para novos artistas. Porque supostamente ocorreu a glorificação e mitificação do tropicalismo como verdade contínua e o porquê da sensação histórica do senso comum de que talentos como aqueles não surgem mais. Em outras palavras, emprestando Zuenir Ventura: porque o ano de 1968 não acabou122?

Houve neste século que já se esvai, outro ano tão importante para a cultura popular brasileira quanto o de 1968? Porque se passariam mais de três décadas desde então, e os preceitos fermentados naqueles violentos 366 dias parecem sempre e sempre se revalidar? Porque não geraram filhotes audaciosos os papas de 1968 na cultura popular brasileira? Haveria o tempo parado de passar naquele que dizem ser o ano que não terminou? (SANCHES 2000: 13)

Como vimos anteriormente, o Tropicalismo inaugura a era do pós-moderno na canção brasileira. Antes de desenvolver este raciocínio é preciso colocar em linhas gerais a definição clássica de pós-modernidade, principalmente do ponto de vista da estética pós-moderna. A chamada Pós-Modernidade tem início com a passagem das relações de produção industriais para as pós-industriais, baseadas principalmente nas trocas de bens simbólicos, como a informação. A Pós-Modernidade é o reflexo cultural da sociedade pós-industrial com seus próprios valores e critérios. Entre estes,

122 Referência ao livro 1968, o ano que não terminou: A aventura de uma geração. Rio de Janeiro: Círculo do Livro, 1988.

a multiplicidade, anti-referencialização, a fragmentação e a entropia – que prega a aceitação de todos os estilos e estéticas e de todas as culturas como mercados consumidores em potencial.

Em seu artigo “Comentários sobre a Sociedade do Espetáculo”, Guy Debord aponta como traços característicos da pós-modernidade “A inovação tecnológica permanente” (por exemplo, o produto de informática imposto, que transforma todo usuário em cliente rendido); a “fusão econômico-estatal” (a absorção do Estado pelo mercado); a “generalização do segredo” (as verdadeiras decisões são inacessíveis, o modelo mafioso triunfa no âmbito estatal); o “falso sem réplica” (pela primeira vez, os donos do mundo são também aqueles que o representam); o “presente perpétuo” (a abolição de toda consciência histórica, passado presente e futuro indistintos), este último:

Como numa grande ampola impermeável às necessidades do passado e insensíveis às aberturas do futuro, o homem que é a ponte criadora de sentido entre estes dois tempos irreconciliáveis (passado /necessidade versus futuro/liberdade), dorme, num “presente perpétuo” (DEBORD: 2003:175)

Frente a esse vácuo deixado pela história e pela ausência de memória, a pós modernidade trás uma nova sensibilidade encarregada de intermediar às relações do homem com o mundo, calcada em informações descartáveis, fugazes e descontextualizadas que duram um breve instante de uma notícia e que rapidamente se substitui por outra. Uma “Sociedade de espetáculo”, diria Debord, de realidades camufladas e maquiadas, de hiper-realidade, de simulacros. Imagens que seduzem, adestram e criam desejos, eles próprios confundem-se com o ato de consumir:

A diferença entre alta e baixa cultura se esfuma, e figuras abertas ao grande

mercado de consumo – Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, [...] são alçados ao pedestal de poesia de alta cultura; transformam-se em arautos da intelectualidade, em símbolos nacionais à estatura de Villa-Lobos ou Machado de Assis. (SANCHES, 2000: 27)

Em um modelo de produção, onde é privilegiada a informação acima da produção material, a indústria cultural ganha papel fundamental na difusão de valores e idéias do novo sistema. Os próprios critérios da estética moderna, do novo, da ruptura e da vanguarda são desconsiderados pelo Pós-Moderno. Já não é preciso inovar nem ser original, e a repetição de formas passadas é não apenas tolerada, mas encorajada. Daí chegamos ao conceito de presente perpétuo da MPB, que dificulta a renovação da música brasileira até hoje, como aponta Pedro Alexandre Sanches, e que vai dialogar diretamente com a teoria da Máfia do Dendê que será apresentada posteriormente:

Se a instalação tropicalista (que) inaugurou no Brasil o presente perpétuo, que se repete a si próprio a cada novo/velho segundo no relógio [...] for resultado de uma estratégia edificada, construção histórica de uma corrente determinada que provocou (por imenso) e vem provocando (por egoísta), anos após anos, a paralisia intelectual e criativa. [...] Se os homens-tropicalistas se encontrem, não numa espiral feliz de reafirmação de talento, saber, inteligência e preponderância, mas num processo

corrosivo de eternização e corrosão. (SANCHES, 2000: 14)

Aqui não faz mais sentido considerarmos um movimento tropicalista, e sim uma onda de estilhaços surgida em 1968 e que reverbera até hoje na música popular.

O conceito de um “movimento pós-moderno” prescindiria de certo nível de articulação, organização e intercâmbio que não existe entre os produtores desta estética. Se foi possível falar em movimento Tropicalista, isso era devido ao fato de haver grupos relativamente próximos e em certa freqüência de contato. Atualmente estes artistas até têm maiores possibilidades de se comunicar, mas as múltiplas tendências e linguagens tornam impossível uma unidade formal entre eles. Desta forma, podemos afirmar que o movimento tropicalista inaugurou o fim dos movimentos:

Era um movimento destinado a

impossibilitar quaisquer movimentos posteriores. Pois é, não aconteceram depois – ou se acontecera, replicavam de um jeito ou de outro, o tropicalismo -, nem devem acontecer enquanto grassar o estado vigente [...] Pós moderno não coaduna com a idéia de movimento, (SANCHES, 2000: 25)

Um dos efeitos reconhecidos da Globalização é a homogeneização das relações de produção e dos hábitos de consumo. Com o fim das ideologias, revoluções e ingenuidades, o que resta é a memória do último grande movimento. O Tropicalismo fica marcado como este último movimento, que foi planejado e executado imediatamente antes desta virada mercadológica da Indústria Cultural, foi em parte responsável por ela, e por isso permanece como ordem vigente ainda nos dias de hoje embebido em uma aura de saudosismo e melancolia.

No documento pablodemelopeixoto (páginas 193-197)