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Rogério Duprat O maestro da banda tropicalista

No documento pablodemelopeixoto (páginas 76-83)

I.5 Música pop e comunicação de massa

I.5.1 Rogério Duprat O maestro da banda tropicalista

Rogério Duprat era o alfaiate que vestiu a roupa de gala da Tropicália, a chamada orquestração, o arranjo. Mas o que ele fez foi muito mais do que um arranjo. A gente nem se reconhecia após as intervenções, ou melhor, ele iluminava detalhes que a gente

nem imaginava que estavam nas

composições. Era um iconoclasta, que não fazia pose de músico erudito. Aparecia com a camisa aberta e o cigarro no canto da boca. 50

Rogério Duprat fez parte de uma geração de músicos eruditos que estavam cansados da conformidade, da formalidade e das regras rígidas de escolas de música clássica. Influenciados pelas idéias de vanguarda de John Cage51, Karlheinz Stockhausen52 e as idéias de Pierre Boulez53, Duprat e outros maestros como Júlio Medaglia e Damiano Cozzella foram estudar na Europa no início da década de

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TOM ZÉ, 2006 entrevista para o site G1 http://g1.globo.com/Noticias/Música/0,,AA1326932- 7085,00.html

51 Compositor musical experimentalista e escritor americano.

52 Compositor alemão de música contemporânea. Foi colega de Pierre Boulez. 53

sessenta, onde entraram em contato com a música clássica do século XX e composição de vanguarda54.

Esses maestros voltaram ao Brasil e logo estavam agitando o campo cultural brasileiro com manifestos anárquicos, música eletrônica e poesia pós-moderna, unindo-se aos poetas concretistas Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos.

Medaglia e Duprat já eram parceiros antigos. No início dos anos 60, junto com Damiano Cozzella, tinham ido a Darmstadt, na Alemanha, para freqüentar cursos de férias ministrados por medalhões da música

contemporânea, como Karlheinz

Stockhausen e Pierre Boulez. Numa das turmas, por sinal, estava um debochado roqueiro norte-americano chamado Frank Zappa, que só veio a se tornar conhecido em meados da década, após formar a banda The Mothers of Invention. (CALADO 2004:122)

No início da década de 1960, antes de sua participação no Tropicalismo, Duprat já havia atuado em diferentes campos musicais. Como arranjador, em 1962, assinou três discos: “Natal bem brasileiro” (coletânea de temas natalinos arranjados ao estilo de marcha rancho) e, no ano seguinte, os discos “Dedicado a você” (novos arranjos para o repertório popular da década de 60) e “Clássicos da Bossa Nova” (temas de música erudita arranjados ao estilo de Bossa Nova). Ainda em 1963, além de sua participação no movimento Música Nova, havia sido premiado com o filme “A ilha”, como melhor

54 Música de vanguarda, com o francesismo avant-garde, refere-se às obras dos indivíduos que levam a

música ao próximo passo do seu desenvolvimento ou que, pelo menos, levam a música por um caminho divergente.

trilha sonora, e também incursionado na música para computador com a peça “Klavibm II”.

Em 63, os maestros Duprat, Medaglia e Cozzella lançaram o manifesto Música Nova, ao lado de outros compositores e músicos brasileiros, como Gilberto Mendes, Sandino Hohagen, Willy Corrêa de Oliveira, Régis Duprat e Olivier Toni. Estava claro que o campo musical era um espaço hierarquizado onde sempre havia vantagens diferenciais em declarar-se.

Ambiciosa, de modo geral, a plataforma do grupo continua soando pertinente, três décadas depois. Entre seus pontos básicos, o documento propunha a compreensão do fenômeno artístico como parte da indústria cultural, a releitura do passado como instrumento para entender o futuro (em vez da costumeira nostalgia) e a necessidade de

uma arte participante. (CALADO

2004:123)

Em 1965, Duprat e outros adeptos do manifesto Música Nova juntaram-se ao poeta concretista Décio Pignatari para fundar o irreverente grupo Marda (Movimento de Arregimentação Radical em Defesa da Arte), que se divertia prestando “homenagens” aos monumentos e estátuas de mau gosto que infestavam a cidade de São Paulo.

O roteiro do Marda incluiu a enorme bandeira paulista na fachada do atual edifício da Rádio e TV Gazeta (na Avenida Paulista), a réplica do avião 14-Bis (na praça homônima) e a estátua do bandeirante Borba Gato (na Avenida Santo

Amaro). Nem mesmo os imponentes jazigos do Cemitério do Araçá escaparam. Depois de promover uma espécie de pi- quenique sobre os túmulos, com toalhas e devidos apetrechos, os abusados militantes do Marda foram devidamente expulsos do local por policiais. (CALADO 2004, 123)

Polêmicas e bate-bocas eram freqüentes na carreira de Duprat e seus parceiros. Ainda em 63, quando ele e Cozzella resolveram fazer os primeiros experimentos musicais com um computador (um IBM 1620, da Universidade de São Paulo, que ocupava um imenso salão e era operado com o auxílio de cartões perfurados), os dois foram achincalhados tanto por músicos eruditos como populares, que os chamaram de alucinados e alienados, entre outros termos nada elogiosos.

Rogério Duprat fora indicado a Gil por Júlio Medaglia, que colaborava com a equipe de produção do festival da TV Record. A seleção das canções para as três eliminatórias aconteceu na casa do maestro, no bairro da Lapa. Na verdade, Medaglia até já começara a escrever o arranjo orquestral de “Domingo no Parque”, mas ao ser convocado para integrar o júri do evento, teve que interromper o trabalho. Assim, acabou indicando Duprat, assegurando que ele tinha bagagem musical e criatividade de sobra para desempenhar o papel de George Martin, na linha beatle que Gil imaginara para sua composição.

Na verdade, quando Gilberto Gil o procurou, Duprat já se considerava um antimúsico. A idéia de combinar sete notas musicais não o estimulava mais. “A música acabou”, dizia, argumentando que a criação sonora nos moldes tradicionais já não representava um desafio. Porém, com

mulher e filhos para sustentar, o maestro não podia se dar ao luxo de deixar de ganhar a vida com o que sabia fazer melhor. Ainda mais depois de renunciar a seu cargo de professor na Universidade de Brasília, junto com outras centenas de profissionais de ensino, quando o campus, invadido pelo Exército, foi transformado em praça de guerra. (CALADO 2004: 123)

Aos 34 anos de idade, depois de ter feito inúmeras experiências com música eletrônica, música serial ou mesmo aleatória, até chegar aos happenings idealizados pelo anarco-vanguardista norte-americano John Cage, não havia muito mais a fazer. Duprat só viu uma saída para fugir do tédio que já sentia em seus últimos trabalhos. O jeito era mudar de língua - trocar a música erudita pela música popular. Na visão de Duprat, não havia muito que revolucionar na música erudita, presa em seus teatros e salões. Porém, na música popular, muito trabalho ainda podia ser feito. Essa foi a causa principal desta ruptura, conforme explica o próprio maestro:

Chega desse negócio de coisinha da música erudita enfiada só dentro do teatro, para meia dúzia de milionários e tal. A gente tem é de sair, fazer música na rua com os meios que houver. Foi aí que cheguei perto da música popular (ShowBizz, 2000: 57).

Numa entrevista para Haroldo de Campos publicada posteriormente no livro “Balanço da Bossa, e outras Bossas”, Gilberto Gil comentou a participação de Rogério Duprat no processo criativo do arranjo de “Domingo no parque”:

Rogério tem, em relação à música erudita, uma posição muito semelhante à que nós temos em relação à música popular. Essa posição de insatisfação ante os valores já impostos. Ele quer desenvolver a música erudita, ele não quer sujeitá-la a um sentido acadêmico. Eu acho que é, precisamente, por essa coincidência de propósitos que a aproximação era inevitável. Por exemplo: quem procurar saber como foi feito o arranjo de “Domingo no parque”, fica sabendo que ele se processou nesse nível de aproximação, de programação conjunta, por nós dois. Eu mostrei a Rogério a música e as idéias que eu já tinha e ele as enriqueceu com os dados técnicos que ele manuseia e eu não: a orquestração, o conhecimento da instrumentação. Mas a decupagem do arranjo, a determinação de que climas funcionariam em determinadas partes, que tipos de instrumento, que tipos de emoção, todas essas coisas foram planejadas juntamente por mim e pelo Rogério. Inclusive, o arranjo foi feito gradativamente. Nós nos sentamos, durante quatro ou cinco dias, em tardes consecutivas e fomos discutindo, formulamos, reformulamos e até no estúdio ainda fizemos modificações em função das sonoridades que resultavam. Foi um

trabalho realmente feito em conjunto. (CAMPOS, 1993: 195)

Durante toda a atuação de Rogério no Tropicalismo, era como se houvesse uma alma única que trabalhasse todas as coisas. Era como se por um momento os maestros e os compositores estivessem em tal sinergia, que era impossível identificar onde terminava o trabalho de um e começava o do outro.

Nessa época, Duprat vislumbrou, juntamente com o produtor Solano Ribeiro, a possibilidade de realização de um projeto musical popular que se diferenciasse dos demais. “Pretendiam adaptar a música sertaneja ao ritmo do rock (1997, 103). No entanto, Duprat afirma que o projeto não se restringia apenas à música sertaneja, mas, “todo e qualquer ritmo brasileiro passível de integrar-se com as guitarras”. Ou seja, seu objetivo era transferir o instrumental do rock para a música popular brasileira. Outra inovação trazida pelo maestro foi a organização dos happenings, eventos artísticos coletivos e imprevisíveis, que de certa forma remetiam a mais uma faceta da arte participativa, tão em moda na década de sessenta e utilizada, como vimos anteriormente, pela Canção de Protesto: “O que importa, hoje, na música, é o que acontece quando ela é executada. Não queremos mais a tal da arte. Hoje ela deixou de ser um objeto do artista e passou a ser um resultado coletivo. Todo mundo cria. O que importa é o happening, o acontecimento.” 55 O uso da guitarra não era apenas um novo recurso dos instrumentos eletrônicos ao ambiente acústico musical da música popular brasileira. Para que seu projeto se realizasse, Duprat observou diversas bandas de rock da época, no entanto, apenas uma chamou-lhe a atenção.

Era o grupo O’Seis, que costumava apresentar-se em alguns programas de TV e ensaiava no fundo de um quintal, em um bairro da Pompéia, em São Paulo. Apesar desse projeto não ter se concretizado, para Duprat, o grupo O’Seis era melhor do que tudo o que tinha visto: “Parecia com os Beatles, com seu humor e seu jeito de cantar” (Vibrations, 1999: 43). Posteriormente, esse grupo tornou-se conhecido como Os Mutantes.

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De maneira geral, a maioria dos álbuns dos anos 60 (principalmente ligados ao movimento tropicalista) ou 70 (quando Duprat trabalhou com outros artistas como Erasmo Carlos e Chico Buarque) arranjados por Duprat são imediatamente reconhecíveis por suas interferências sonoras, citações de músicas, ruídos, diálogos, sons incidentais, mudanças de andamentos, enfim, um mundo de colagens sonoras que revela algo de novo a cada escuta, e como ele mesmo acrescenta:

Coisas que faziam parte da música erudita, a desordem sonora, todos os valores de Cage. Eu fazia happening com partituras escritas para aparelhos domésticos, com coro lendo jornais do dia. Era tudo o que os tropicalistas esperavam e que nós já praticávamos há 10 anos. (Vibrations, 1999: 42)

No final da década de 1960, Duprat chegou a experimentar um pouco de fama, vindo de um público mais abrangente, e foi nesse período que gravou, no estúdio Scatena, com produção de Manoel Barenbein, o LP “A banda tropicalista do Duprat” (1968). Nesse disco se destacam, além de algumas orquestrações para clássicos da MPB, como “Chega de saudade” de Tom Jobim e músicas do tropicalismo, como “Baby” de Caetano Veloso e “Bat Macumba” de Gilberto Gil, “Flying” de George Martin (música original do filme “Magical Mystery Tour” dos Beatles) e “Lady Madonna” de Lennon e McCartney.

Ao contrário do que se poderia pensar, o resultado final não agradou a Rogério Duprat, o projeto pareceu estar mais interessado em faturar com o fenômeno comercial do Tropicalismo.

No documento pablodemelopeixoto (páginas 76-83)