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O caminho para desvendar, na voz, uma opção para construção de conhecimentos

Educação Científica eTecnológica: a voz em ação, uma opção

Capítulo 4 Construindo conhecimentos na relação Voz e

4.1 O caminho para desvendar, na voz, uma opção para construção de conhecimentos

Com a intenção de contribuir para promover mudanças que incentivem ainda mais a construção de conhecimento em sala de aula, esta pesquisa procurou enfatizar outros vínculos entre o professor e a voz. Procurei evidenciar novas razões que oportunizem ao professor valorizar ainda mais sua voz como instrumento de trabalho - que pode ser avaliado, “cuidado” e aprimorado, no sentido de facilitar não só as interações deste profissional com seus alunos, mas também, possivelmente, a aprendizagem, num sentido mais amplo.

Busquei apontar e esclarecer nos capítulos anteriores, aproximações entre voz e ensino, não apenas a partir da experiência de ser fonoaudióloga, mas também utilizando outras fontes, que enriqueceram a elaboração deste trabalho: as leituras e releituras da literatura disponível e pertinente, as discussões com os professores- orientadores, as trocas de idéias entre colegas do programa, e também com outros

grupos em que mantive contato como professora ou palestrante30, explorando sempre

que possível, suas percepções em relação ao papel da voz na atuação docente.

Inserida no contexto da Educação Científica e Tecnológica, propus dois

movimentos distintos ao elaborar minha dissertação:

- primeiramente dirigir meu olhar aos professores formadores de futuros professores, nas áreas de Biologia, Química, Matemática e Física. Entendendo que estão postos alguns objetivos relevantes em sua ação: uma direta, a partir da ação na graduação universitária, como “direcionador” do processo de ensino-aprendizagem, e outra indireta, exercida no momento em que ajuda a formar novos professores para atuarem no ensino fundamental e médio, como uma espécie de “modelo”.

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Em uma oportunidade, ministrando palestra a um grupo de Licenciandos da Matemática, pude constatar em seus depoimentos e registros escritos, novamente o quanto à voz é um tema presente em suas atividades como discentes /docentes.

- um segundo movimento se orientou em relação a mim mesma, no sentido de

assumir a responsabilidade como profissional, avaliar minha construção em relação à (pré) conceitos e “verdades”. Questões que organizei diante de experiências, informações e conhecimentos adquiridos tanto na vida pessoal como no exercício da profissão, a respeito do professor, da “convivência” deste com sua voz.

Quanto à questão pessoal, quero aqui me referir aos comportamentos, julgamentos e critérios que elaborei internamente para definir os melhores professores, que participaram de minha formação até a conclusão da graduação, durante o tempo em que fui aluna. Por um conjunto de fatores, variáveis constantemente, eles próprios, com suas atitudes e palavras, demonstravam seu estado físico e de “espírito” a cada encontro na sala de aula, ou mesmo pelos corredores da escola.

Hoje, resgatando algumas situações do período escolar pergunto-me como esses aspectos ficavam tão evidentes num simples: - Bom dia!... hoje posso encontrar algumas respostas a partir da voz.

Um ‘ Booom Diiiaaa!!!’ vibrante, intenso, alongado e animado ecoava para nós, alunos-ouvintes, diferente de um ‘bom dia.’ seco, forte, alto, ríspido. Isto interferia no andamento das interações daquela aula, gerava mais ou menos disposição para assistir à aula, prestar atenção, cochichar com os colegas, mandar bilhetinhos, contribuir com outras informações/conhecimentos, fazer as tarefas de outra aula, copiar o que estava na lousa num certo ritmo, estudar para a prova da aula seguinte, participar da aula como mero ouvinte ou como sujeito ativo na construção conjunta dos conhecimentos.

Havia professores que, na maioria de suas aulas, mantinham constantemente um desses tipos de saudação. Os mais comentados eram os mais secos, ríspidos, ‘mal- humorados’. Tentava-se descobrir suas razões. Talvez sua vida não estivesse tão boa, ou que não gostasse da turma? Estaria aborrecido porque as notas foram péssimas? Financeiramente não estava tranqüilo? Teria dificuldades com a esposa ou outro familiar? Problemas com o carro? Incompatibilidade com colegas ou direção da escola? Teria trabalhado até tarde, ou dormido pouco? Talvez sofresse de insônia? Estaria insatisfeito e desmotivado com sua escolha profissional? Não estava vencendo o conteúdo previsto? Sua saúde estaria debilitada?

É certo que todos esses motivos também podem envolver a vida fora da escola do professor do ‘Booom Diiiaaa!!!’. Sabemos que cada pessoa reage e visualiza de maneiras diferentes os seus problemas “comuns”. O importante, então, é reconhecer que, em certos momentos, todos esses fatores poderão interferir nas interações ocorridas no processo ensino-aprendizagem (essa interferência também pode ocorrer no sentido aluno-professor).

Dessa maneira, a opção por realizar a escuta (em forma de questionário e entrevista semi-estruturada) dos professores das Licenciaturas de Biologia, Física, Matemática e Química, formadores de futuros professores, foi ao meu ver, parte imprescindível dessa trajetória metodológica. Ao mesmo tempo, proporcionou a superação da “rotina” de muitos consultórios fonoaudiológicos com seus pacientes- professores, e a circulação das propostas da Educação Científica e Tecnológica, especialmente quanto à construção de conhecimento.

Esse novo lugar de escuta, sem necessariamente haver problemas vocais em questão, longe do consultório e de suas determinações, mostrou-se um espaço importante para avançar nas aproximações entre voz e ensino, caracterizando a etapa de pesquisa de campo que designei de “escuta interativa”.

Quanto à escolha por realizar as entrevistas semi-estruturadas, concordo com Lüdke e André (1986, p. 33) uma vez que:

[...] na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma influência recíproca entre quem pergunta e quem responde. Especialmente nas entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há a imposição de uma ordem rígida de questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele detém e que no fundo são a verdadeira razão da entrevista.

Segundo Triviños (1987) esse tipo de entrevista valoriza o investigador, ao mesmo tempo em que oferece ao informante a liberdade e espontaneidade que enriquecerão a pesquisa. Ela parte de conhecimentos básicos, com apoio em teorias e suposições de interesse da investigação, oportunizando novas interrogações, que emergem no desenrolar das primeiras respostas do entrevistado, que tem certa autonomia, guiando-se por sua linha de pensamento e experiências, dentro do foco principal enunciado pelo entrevistador.

O propósito aqui, da utilização das entrevistas semi estruturadas, é também, sair do monólogo entre profissões distintas, favorecendo aproximações num encontro de benefício mútuo, substituindo-se um pensar e agir sobre, por um pensar e agir com, desta forma ampliando espaços e oportunidades para falar e ouvir com alternância de turnos.

Ao realizar esse procedimento metodológico, pude conhecer as percepções que o professor tem da voz a partir de sua vivência profissional e opinião pessoal, valorizando seus relatos e as referências quanto aos aspectos do dia-a-dia em relação à voz, na sala de aula. Concomitantemente enfatizando as interações pedagógicas, ampliando assim, a possibilidade da construção de conhecimentos, pelo uso vocal.