• Nenhum resultado encontrado

Delimitando o lugar da voz pelas interações sociais

Educação Científica eTecnológica: a voz em ação, uma opção

Capítulo 2 Um novo lugar para a voz

2.1 Delimitando o lugar da voz pelas interações sociais

Diante dos avanços científicos e tecnológicos, o professor, hoje, dispõe de muitos meios e recursos pedagógicos para sua atuação em sala de aula. Muitas vezes, preocupa-se em acompanhar a evolução técnico-científica buscando incluir em sua prática essas novas invenções e descobertas. Não que essa atitude esteja equivocada, porém é importante, entre outras coisas, resgatar o papel essencial de outro recurso: a voz humana.

Segundo Brandi (2002), a voz pode ser compreendida como uma possibilidade de nos expressarmos ainda que sem palavras, ou mesmo sem dominar uma língua específica. Ela permite a comunicação através de sons vocais, considerados não- verbais pela autora como, por exemplo, chorar, gemer, gritar, suspirar, balbuciar, rir, tossir, bocejar, roncar, espirrar, soprar entre outros, incluindo os sons que imitam as vozes dos animais.

Analisando essas expressões, podemos considerar que a voz acompanha o sujeito desde seu nascimento, como afirmam Behlau e Pontes (1993). O choro, manifestação vocal relacionada à função respiratória, é uma manifestação que indica sinal de vida no bebê, independente da época em que veio ao mundo.

Na época das cavernas, os sons vocais, gritos e expressões faciais, acompanhados dos aguçados sentidos do olfato, audição, visão, tato e paladar, serviam para a comunicação entre os homens – utilizando-se da voz sem palavras.

Com o passar dos anos as invenções (do próprio ser humano) contribuíram para aprimorar esse processo, lembrando aqui, entre outros eventos, a evolução dos pictogramas para a escrita, e também a sua associação com a fala – voz na forma de palavra. Nesse sentido, é importante compreender o que referem Perrota, Martz e Mansini (1995, p.14) a esse respeito:

Transformar o som em palavras exigiu do homem em sua história a adaptação e o refinamento de movimentos que possibilitassem a distinção

mais sutil dos sons e seu encadeamento significativo em enunciados; a transformação da voz em palavras é, pois, a história do homem em seu esforço, orgânico inclusive, por dizer o mundo, por criar realidades que correspondam às suas necessidades de compreensão na vida, no relacionamento em sociedade. É uma história que carrega em si as transformações do próprio homem, de suas civilizações e de seus valores, dos objetos que construiu e destruiu, das dúvidas, dos conhecimentos e perplexidades.

Com o aperfeiçoamento do sistema de comunicação humano, aprendemos a utilizar a voz para produzir palavras e expressarmos o pensamento, nos comunicando de maneira verbal (no nível da fala), utilizando um código específico ao grupo a que pertencemos.

A aquisição da fala, o aprendizado de uma determinada língua, parte dos sons não-verbais, uma vez que, conforme Brandi (2002) esses comunicam intenções e estados emocionais. Retomando a questão do choro, é possível perceber que o bebê utiliza diferentes entonações, que a mãe interpreta como se o filho estivesse comunicando, além de sua chegada ao mundo as sensações de fome, sono ou prazer, como mencionam Behlau e Pontes (1995)12.

No decorrer desse processo, o bebê também brincará com sua voz caracterizando o balbucio, e descobrirá ruídos que pode produzir com a língua e lábios. Mais adiante passará a imitar os sons que ouve dos adultos e assim, gradualmente vai aprendendo a falar e conhecer os nomes das coisas e seus significados, evidenciando a organização do pensamento.

O bebê embriaga-se com os sons e depois com as palavras, saboreia-as, repete-as uma e muitas vezes, alheio ainda a significados, normas e funções. Concentrado em sua capacidade de ‘fazer soar’, canta, encantado, fascinado por sua própria voz como instrumento mágico. Produz uma grande variedade de indiscriminados sons, riqueza que depois orientará e reduzirá para ajustar- se aos que são significativos dentro do sistema fonológico de sua língua. (REYZÁBAL, 1999, p. 54).

Sendo o bebê um novato dentro de um grupo social, ele passará pelo processo de aquisição da linguagem, sendo a função inicial deste, a comunicação social, até que

12

Segundo esses autores, o estudo mais detalhado sobre choro de bebês é o de Wäs-Hockert e col. (1968) no qual foram identificados esses quatro sinais vocais característicos. (In: BEHLAU, M. e PONTES, P. Avaliação e Tratamento das Disfonias. Lovise, SP:1995)

gradualmente possa ser capaz de utilizá-la como instrumento do pensamento. É essa comunicação, através da interação com adultos e crianças mais velhas, que impulsiona o desenvolvimento da linguagem, no decorrer do desenvolvimento da criança que irá se ajustando e aproximando cada vez mais do padrão predominante (Oliveira, 2000).

Nesse sentido, Vygotsky (1984) refere-se ao desenvolvimento de uma criança considerando a capacidade de realizar certa (s) tarefa (s) sozinha sem ajuda nenhuma - o nível de desenvolvimento real da criança (etapas que ela já alcançou), bem como a capacidade dela em aprender a realizar sozinha aquilo que ainda precisa fazer contando com a ajuda dos membros mais experientes - nível de desenvolvimento potencial. Entre esses dois níveis, existe a zona de desenvolvimento proximal, caracterizada pelas funções (brotos do desenvolvimento) que ainda não amadureceram, e que estão em fase embrionária.

Para ele, o aprendizado é que impulsiona o desenvolvimento. A escola (professor e grupo heterogêneo de crianças) também terá papel essencial nesse processo, tendo como meta as etapas ainda não alcançadas, investindo diretamente na zona de desenvolvimento proximal dos alunos. De fato, as interações sociais são promotoras de aprendizado, podendo ser utilizadas nas situações escolares, e será

entre outras coisas, através do mecanismo de imitação13 (reconstrução individual

daquilo que é observado no outro) que a criança terá seu amadurecimento promovido. Com esse entendimento sobre desenvolvimento e aprendizado, valorizando as interações sociais, encontra lugar o conceito de voz trazido por Behlau e Pontes (1995, p.17), “A voz é [...] nosso sentido de inter-relação na comunicação interpessoal, um meio essencial de atingir o outro [...] só existe, porque existe o outro”.

É esse outro que, presente, interpretará os sons vocais, dando sentido a eles; é esse outro, quem mediará as transformações dessas vocalizações naquilo que reconhecemos como a fala humana; e será também esse outro, quem posteriormente “julgará” o desempenho do falante, avaliando entre outros aspectos a boa qualidade de suas emissões vocais, ou mesmo o domínio de sua língua materna.

13

Essa é uma das razões pela quais há preocupação quanto à voz de professores apresentarem padrões inadequados. Existe registro de situações nas quais crianças imitam o padrão vocal de seus professores, trazendo prejuízos ao seu desenvolvimento.

Pelas interações, emergirão no sujeito, sua linguagem/pensamento, sua voz, sua fala, aderindo aos padrões de certo código (língua materna) para manter e aprimorar suas relações sociais, crescer e evoluir. Então, compreender a comunicação (oral), implica em entender que tais aspectos que a compõem, estão co-relacionados e indissociáveis, afinal, a estruturação da linguagem permite nosso amadurecimento intelectual e emocional e a organização constante do pensamento. (Reyzábal, 1999).

A importância da linguagem (enquanto língua) reside em permitir que as idéias e a informação sejam transmitidas de uma pessoa para outra. A linguagem provê o meio pelo qual o pensamento pode ser expresso e, [...] o próprio uso da linguagem e a contínua experiência de estar entre os usuários desta, influi não só na forma em que a criança utilizará a linguagem, mas – o que é mais importante – na forma em que pensará e o tipo de interpretação que fará de suas experiências (TOUGH, 1987, p.87)

Para expor nossas idéias e pensamentos, mudanças incessantes dos movimentos de língua, dos lábios e de outros componentes do aparelho fonador, como da própria laringe, ocorrem e permitem realizar ajustes que modificam os padrões da

voz14. (Pinho, 1998). Porém, não bastam os aspectos orgânicos e assim, segundo

Freire (1990, p.70), “[...] falar não é um ato verdadeiro se não está ao mesmo tempo, associado ao direito à auto-expressão e à expressão da realidade, de criar e recriar, de decidir e escolher, [...] de participar do processo histórico de sua sociedade [...].

Nesse sentido, o presente trabalho, em muitos momentos utilizar-se-á do termo voz e a este, deve-se associar as questões de fala e linguagem já comentadas especialmente quanto às interações sociais.

Na seqüência, serão então abordados pontos importantes com relação à voz, foco central das discussões deste trabalho.