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Fonoaudiologicamente falando de voz

Educação Científica eTecnológica: a voz em ação, uma opção

Capítulo 2 Um novo lugar para a voz

3.1 Fonoaudiologicamente falando de voz

Até o presente momento, este estudo, propôs-se impulsionar as discussões atuais sobre voz, enfatizando as pesquisas em sujeitos sadios, escutando o que têm a dizer os professores, a respeito da participação de sua voz na vida profissional, pelas “interações pedagógicas” com seus alunos, deixando um pouco, as questões orgânicas comumente trazidas nas investigações fonoaudiológicas sobre a voz do professor.

É possível perceber a mudança de paradigma que se constrói com essa nova perspectiva de olhar para a voz do professor, no sentido da relação dialógica entre este e seus alunos, porém, é inegável o ímpeto fonoaudiológico de informar, orientar e “ensinar o que fazer” para cuidar da voz.

Deixar de dizer o que sempre se diz, constitui-se numa “sensação de vazio”, de “falta alguma coisa”, que encontra, neste caso, a justificativa de se estar escutando pela primeira vez professores da Licenciatura em Biologia, Física, Química e Matemática. E também, por se tratar de uma pesquisa em Educação Científica e Tecnológica, que busca enfatizar questões relativas ao processo ensino-aprendizagem, aceitando de maneira inovadora a abordagem da voz nesse contexto, que é também de transformação educacional, uma vez que não se pode mais conceber que o saber fique centralizado no professor.

Então, optou-se por manter no escopo deste trabalho, não só na escuta dirigida (questionário), mas também neste capítulo, abordagens específicas da Fonoaudiologia (orgânicas), mais fortemente voltadas a saúde, porém necessárias a compreensão da voz em sua integralidade de aspectos, pensando naqueles que pouco leram e conhecem sobre a voz e seu funcionamento. De acordo com o órgão máximo responsável pelo exercício desta profissão no Brasil:

A Fonoaudiologia é a ciência que tem como objeto de estudo a

comunicação humana, no que se refere ao seu desenvolvimento,

aperfeiçoamento, distúrbios e diferenças, em relação aos aspectos envolvidos na função auditiva periférica e central, na função vestibular, na função

cognitiva, na linguagem oral e escrita, na fala, na fluência, na voz, nas funções orofaciais e na deglutição. (CFFa, 200418)

É importante aqui destacar que, para eleger estratégias terapêuticas eficientes relacionadas à voz, fala e linguagem, a audição, e aos aspectos referentes à motricidade oral, todos esses serão avaliados separadamente, porém sem perder de vista a visão global do sujeito. Após esse procedimento, ficará evidenciado o ponto central para o qual serão dirigidas as ações fonoaudiológicas - para uma dessas áreas e/ou às vezes, para mais de uma.

Vamos nos ater às questões da voz. Segundo Simão e Chun (1997), a voz é um som tipicamente humano, uma forma de expressão, um precioso, poderoso e, muitas vezes, desconhecido recurso em nossas mãos com possibilidades inesgotáveis. Para as autoras,

A voz de cada um possui características próprias, que interligadas a compõem: a respiração, o ritmo, a articulação, a altura e extensão vocal, a ressonância e a intensidade. Cada qual exerce e sofre influências de aspectos anátomo – fisiológicos, emocionais e sócio-culturais. Estas características formam conjuntamente a qualidade vocal [...] característica pessoal de cada voz. É como um “cartão de visitas” - pessoal e intransferível, o qual fornece dados individuais biopsico emocionais [...]. (Ibid. p. 67).

Elas reafirmam, então, a noção de que a voz é como a impressão digital de cada um (Behlau e Pontes,1993), identificando-se as pessoas através da “boa” audição, especialmente quanto à origem e a fonte produtora de determinada voz humana. Pela qualidade vocal, reconhecemos vozes familiares, diferenciamos mesmo à distância (sem contato visual) vozes masculinas de femininas, identificamos quando a voz é de uma criança ou de um idoso, e por vezes até quem nos fala ao telefone, ou seja, percebemos inúmeras características da voz, apenas ouvindo.

De acordo com Pinho (1998), nossa voz assume muitas variações, modificando- se a todo o tempo, conforme o contexto e carga afetiva envolvida na situação.

Quando estamos felizes elevamos nosso tom e produzimos inflexões vocais em direção aos agudos, por outro lado, quando estamos deprimidos, baixamos o tom de nossa voz direcionando-a para os graves. Quando externamos afeto, lançamos mão do recurso da nasalidade; quando estamos irritados, aumentamos a intensidade da voz; e uma infinidade de outras situações em que alteramos nossas vozes com finalidades específicas (Ibid, p.03).

18

Texto aprovado pelo Plenário do CFFa realizado em março de 2004, disponível no site www.fonoaudiologia.org.br

Todas essas informações, e muitas outras são percepções subjetivas pertencentes a cada ouvinte, considerando-se em geral um padrão socialmente aceitável. É importante dizer ainda que apresentar alterações vocais, conforme descrito acima, nem sempre é sinônimo de apresentar uma disfonia.

Nesse sentido, Pinho (1998) faz referência à definição de disfonia proposta por Tarneaud (1941)19, compreendendo-a como satisfatória até os dias atuais, e do mesmo modo, Behlau e Pontes (1995, p.19) partilham também deste entendimento sobre a disfonia, com uma “dificuldade na emissão da voz com suas características naturais”

Além do conceito de disfonia, esses autores acrescentam uma série ilimitada de situações, as quais, se manifestadas, indicam a presença de disfonia. Entre elas estão: “esforço à emissão, dificuldade em manter a voz, cansaço ao falar, [...] rouquidão, falta de volume e projeção, perda da eficiência vocal, entre outras” (Ibid, p.19).

De acordo com Pinho (1998) é necessário esclarecer que disfonia também não é sinônimo de rouquidão. A disfonia pode apresentar-se como um sintoma secundário presente dentro de um quadro clínico maior, ou até mesmo como sintoma principal, podendo-se classificá-la de diferentes formas.É válido lembrar, que a ausência total da voz é conhecida como afonia.

Para Behlau e Pontes (1995) a classificação mais comum é a que separa as disfonias em orgânicas e funcionais:

- a disfonia funcional é aquela decorrente do próprio uso vocal: pela utilização incorreta da voz (desconhecimento sobre a produção vocal e de noções básicas); por inadaptações vocais (discretas alterações que

comprometem apenas a função “adaptada”20 da produção vocal); e /ou por

alterações psicoemocionais (influência de nossas emoções em nossa voz). A intervenção fonoaudiológica nesses casos é eficaz e de caráter preventivo, através de programas de higiene vocal e orientação para um melhor uso da voz;

19

Autor citado por Pinho (1998) ; Behlau e Pontes (1995)

20

“(...) não existe nenhum órgão ou aparelho desenvolvido especificamente para a fonação (...) a espécie humana teve de adaptar várias estruturas – o aparelho fonador - para desenvolver essa função. (...) superposta, de recente aquisição filogenética e suscetível de apresentar inadaptações, apesar de os órgãos estarem sadios e aptos para a função primária”.(Behlau e Pontes, 1995, p.23)

- as disfonias orgânico-funcionais são as disfonias funcionais detectadas tardiamente, pela demora de buscar solução para os problemas, ou por desconhecer a possibilidade de desenvolver lesões secundárias. Nesse grupo, é imprescindível o trabalho conjunto entre Fonoaudiologia e Otorrinolaringologia, pois em algumas situações poderá optar-se pela conduta cirúrgica;

- a disfonia orgânica caracteriza-se como sendo decorrente de manifestações orgânicas como malformações, inflamações, traumatismos, fissura lábio- palatina, disfunções do sistema nervoso central ou mesmo um simples quadro gripal. Não há muita tradição no atendimento fonoaudiológico dessas disfonias, porém não se podem negar seus benefícios, seja na reabilitação ou na manutenção da qualidade de vida do sujeito.

Considerando, como referem Ferreira, Oliveira, Quinteiro e Morato (1998, p.03) que a voz está “[...] presente na representação dos vários papéis sociais que desempenhamos no nosso dia-a-dia [...]”, concordo com as autoras quando afirmam que “[...] todos os sujeitos que trabalham, que desempenham determinada profissão, apresentam uma voz que poderíamos chamar de voz profissional [...] ”.

Nesse sentido, há duas preocupações importantes: primeiramente com o que afirmam Rodrigues, Azevedo e Behlau (1996) quando comparam os profissionais da voz aos atletas, considerando que sua demanda física elevada torna-os mais sujeitos a lesões do que a população em geral: aos profissionais da voz destina-se maior probabilidade para o desenvolvimento de disfonias. E, num segundo enfoque, trazido por Ferreira, Oliveira, Quinteiro e Morato (1998), a necessidade de que especialmente esses profissionais (da voz) cada vez mais adquiram a consciência de que a voz é um instrumento básico de trabalho.

Retomando a abordagem específica das disfonias funcionais e orgânico- funcionais, é preciso mencionar que os profissionais da voz são presença quase certa na prática clínica fonoaudiológica diária. Nesse contexto, vamos dirigir nossa discussão especialmente aos professores, profissionais da educação e da voz, abordando o que pode ser feito para manter uma boa relação com sua própria voz!

Assim sendo, para aprimorar este trabalho e também com o intuito de divulgar conhecimentos específicos da Fonoaudiologia, compartilho dados que considero

básicos e relevantes ao professor, na tentativa de evitar que necessitem chegar aos consultórios, às licenças, aos afastamentos e troca de função profissional. Acredito, sobretudo, que pesquisas são fontes de revelações e informações valiosas, a serem lidas e aproveitadas nesse caso nos meios educacionais.

Na seqüência, será tratado o processo terapêutico referentes às alterações vocais. Behlau e Pontes (1995) denominam esse conteúdo, ligado à reabilitação vocal como “abordagem global”, referindo que possui uma natureza bastante eclética. Este termo, segundo Ferreira (1995), pode indicar um método que reúne, justapõe, unifica sistemas diversos, diferentes formas de conduta e proporcionar liberdade de escolha para alcançar um fim.

O processo envolve três trabalhos interligados: orientação vocal, psicodinâmica vocal e treinamento vocal. Os dois primeiros são considerados trabalho de base, essenciais a todos os “pacientes”, uma vez que remetem à investigação do uso que o sujeito faz de sua voz. Quanto ao treinamento, este atua sobre o padrão mecânico da voz, pela realização de exercícios com diferentes ajustes motores.

Aqui falaremos apenas do trabalho de base (pois o treinamento vocal é exclusivo e único para cada sujeito) e de suas metas terapêuticas, com apoio do diagnóstico médico, tanto para fins de tratamento de lesões específicas como para o aperfeiçoamento quanto ao uso vocal, principalmente no caso dos profissionais da voz. A realização de alguns desses exercícios sem a devida avaliação e orientação poderia trazer ao sujeito mais comprometimento do que benefícios.