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CAPÍTULO 3 – TESTEMUNHOS E DESEJOS FEMININOS

3.1 Caminhos da pesquisa

Nos capítulos anteriores, seguimos um percurso psicanalítico, no qual o corpo e sua imagem, ao compor uma complexa trama inconsciente, constroem um campo psíquico, em que a feminilidade definirá as muitas possibilidades de seus ensaios e arranjos subjetivos. Nestes, reconhecemos e propusemos certos elementos teóricos importantes que, em alguma medida, são convenientes para pensar o modo como se articula o desejo feminino nas cirurgias plásticas.

Neste capítulo, em especial, temos a finalidade de apresentar os depoimentos de três mulheres e seus relatos pessoais, acerca das experiências subjetivas pelas quais passaram, quando se submeteram às cirurgias plásticas. É preciso ressalvar, no entanto, que o olhar psicanalítico e as conseqüentes suposições e inferências sobre tais depoimentos, não pretendem fazer um estudo exaustivo sobre isso. Todavia, eles podem oferecer um solo fértil a novas conjecturas teóricas, acerca do feminino e a imagem do corpo submetido à cirurgia plástica.

É importante observar, antes de qualquer coisa, que o encontro com as participantes da pesquisa não se configura aqui, como uma experiência clínica propriamente dita. Isso porque, em se tratando de entrevistas, previamente elaboradas e submetidas a autorizações, inexiste a demanda pessoal própria da situação analítica e em função disso, inexiste também a transferência enquanto objeto de intervenção. Por esse motivo, prescindimos do uso de pontuações, intervenções e interpretações

sobre o discurso das depoentes – dentre outros elementos próprios do fazer clínico psicanalítico.

Mas, ainda assim, o conteúdo dessas entrevistas não deixa de oferecer sua contribuição, ao apresentar, em última análise, um discurso impregnado de elementos inconscientes acerca da problemática que por ora cuidamos de apresentar.

E é com base nesses elementos que desenvolveremos nossas considerações psicanalíticas sobre o assunto. Isso não nos impede de considerar, no entanto, a possibilidade de que nosso estudo possa contribuir para pensar a clínica do feminino, bem como, suas intervenções clínicas.

Assim posto, faz-se necessário dizermos de qual ponto de vista nos lançaremos na análise psicanalítica dessas entrevistas. Em suma, deixar claro por qual método abordaremos o discurso de nossas entrevistadas. Começaremos falando sobre isso, tomando emprestadas as palavras de Silva (1993):

[...] o método da psicanálise caracteriza-se por abertura, construção e participação. Diria também que se trata de um método receptivo, valorizando mais a escuta do que a fala, mais a espera do que a indução de um sentido. Porque seu objeto é esquivo, não se deixando apanhar por táticas experimentais ou técnicas de laboratório, admitindo apenas furtivas observações de sua presença. A força dessa presença quando sentida, compensa a delicadeza do processo e a insegurança de alcançar resultados, pela clareza com que ilumina a situação vivenciada (1993, p. 20).

Esta autora diz, além disso, que a transposição das condições de investigação do consultório para o campo de pesquisa, sofre ajustes em função da fonte do material em estudo. Tal como acontece em nosso caso, quando propomos a análise das entrevistas, realizadas em contexto diferente da clínica. Mas, apesar disso, e para que a pesquisa possa continuar a lançar mão de um método considerado psicanalítico, algumas características precisam ser conservadas para a preservação da possibilidade de emergência do significado oculto. (Silva, 1993).

Uma dessas características, continua esta autora, diz respeito, principalmente, ao fato de que a investigação não pode se pautar em conhecimentos ou teorias pré-estabelecidas. Não pelo menos, ao ponto de tomar todo o cenário da pesquisa, antecipar a descoberta ou mesmo impedir a busca do desconhecido. O que situaria a questão de pesquisa eminentemente na seara consciente. Seria, segundo Silva (1993), deixar livres as representações surgidas a partir das observações, permitindo que elas se organizem gestalticamente.

Assim sendo, nossa pesquisa tem a intenção de, ao mesmo tempo, abrir-se à possibilidade do novo e referenciar-se pelo já conhecido e instituído. De tal sorte, que os preceitos teóricos possam ser analisados e discutidos de um outro lugar, daquele de onde possamos – pelo menos em nosso caso – propor algumas contribuições psicanalíticas, no sentido de atribuição de sentidos à problemática que ora colocamos em destaque.

Além desse posicionamento de pesquisa, tomamos também a idéia de Rezende (1993), quando afirma que “investigar em psicanálise, é interpretar a polissemia das situações observadas.” (p. 105). Essa perspectiva muito nos chama a atenção e nos interessa de perto, adotá-la como método psicanalítico investigativo. É por onde nossa pesquisa finca suas escoras metodológicas.

Isso porque, à investigação psicanalítica não se deve negar a possibilidade das diversas suposições. São elas que seguem à frente abrindo os caminhos da pesquisa; muito embora - devamos dizer – que essas suposições nem sempre são confirmadas. O importante é que permaneçam na sua função pensar as manifestações do feminino, sem se fechar em aspirações interpretativas em si mesmas.

Desse modo, trabalhamos na intenção de apreender os sentidos das entrevistas, tendo como pano de fundo, realidades concretas, ou seja, a mulher, seu corpo, a cirurgia plástica, bem como o que ela mesma diz do seu desejo. E tentando

dar este sentido, faremos o papel do hermeneuta tal como nos lembra Rezende (1993) quando afirma que:

[...] o hermeneuta envolve-se com o sentido do texto, a tal ponto que também sua ética passa a ser caracterizada pela autenticidade em viver o que entendeu. É vivendo que o hermeneuta “comenta” o sentido do texto. Sua leitura-viva completa o sentido dado pelo autor, e vice-versa. (p. 110).

E se assim é possível, vale dizer que consideramos texto como sendo aquilo que escrevemos sobre nossas entrevistas. Incluindo então, todas as considerações que nos foi possível fazer. Desse modo, destacaremos mais uma vez o que diz Rezende (1993) sobre a hermenêutica: “É a tentativa de interpretar o sentido da história como sendo o sentido de um texto de que somos ao mesmo tempo autores e leitores.” (p. 111).

Assim fazendo, destacaremos o sentido inconsciente que articula a relação entre feminino e corpo, que nos instiga e nos convoca a pensar.

Diante disso, é possível dizer que as entrevistas são aqui, os instrumentos dessa orientação hermenêutica. Na análise dos depoimentos colhidos nas entrevistas vamos distinguir, então, elementos que se apresentaram com certa ênfase.

Dessa forma, consideramos primeiro as particularidades daqueles elementos que marcaram, eminentemente, o campo do singular: ou seja, o discurso que caracterizou cada entrevistada de modo muito peculiar, segundo sua dinâmica inconsciente e as especificidades de sua história de vida; enfim, aquilo que marcou cada entrevistada como Uma – ainda que conteúdos semelhantes tenham perpassado as três entrevistas. É importante observar que tais conteúdos não serão explorados de modo aprofundado, uma vez que não nos propusemos a fazer deles estudos de caso.

Em seguida, consideramos tais conteúdos de modo mais abrangente, explicitando-os por meio de três importantes configurações psíquicas, a saber; A

relação mãe-filha e o corpo feminino; Os excessos e as faltas no real do corpo: os destinos da castração simbólica; e As cicatrizes: o real do corpo e seus efeitos simbólicos. Assim, a despeito das singularidades de cada discurso, estes conteúdos

mostraram-se possíveis de nomear, sob certo ponto de vista, a realidade das três mulheres entrevistadas.

Assim disposto, narraremos, primeiramente e de modo breve, a história pessoal das entrevistadas e a vivência das cirurgias plásticas por que passaram. O objetivo dessa narrativa é o de apresentar, em linhas gerais, o cenário, no qual as motivações psíquicas inconscientes para o desejo de fazer a cirurgia plástica se destacaram de algum modo.

Em outro momento, faremos recortes desse material de entrevista, tanto com o intuito de ilustrar algumas proposições teóricas apresentadas nos capítulos que antecederam a este, bem como, e numa medida essencial, possibilitar a construção de sentidos subjetivos dessas proposições. O que é feito, partindo de fragmentos do discurso dessas entrevistadas de modo a propiciar, por sua vez, alguns posicionamentos psicanalíticos acerca dos destinos da feminilidade hoje.

Entendemos, com isso, que a investigação em psicanálise, em alguma medida, deixa sempre em aberto a possibilidade de novas significações acerca de suas proposições teóricas. Assim, o debruçar-se sobre os depoimentos de nossas entrevistadas permite-nos certa retomada de suas marcações teóricas, ao mesmo tempo em que acena para a construção de um novo lugar, de onde olharemos agora nosso objeto de pesquisa.

Enfim, o eixo que nos conduz na análise desses depoimentos, pode ser entendido e descrito como uma abertura ao campo das significações; o que torna possível a construção de sentidos psicanalíticos aos fragmentos dos relatos das entrevistadas. Isto significa um rico campo semântico, se pensarmos nas representações dos sentidos, implícitas nos discursos dessas mulheres.