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CAPÍTULO 3 – TESTEMUNHOS E DESEJOS FEMININOS

3.3 As mulheres e seus depoimentos

3.3.2 Segunda entrevista

É aquele ponto de cada uma... (Madalena)

Madalena tem 56 anos, é viúva, dona-de-casa e mãe de dois filhos. A entrevistada é filha única entre três irmãos homens. Na sua infância, conta que gostava de jogar bola e soltar pipa, brincando de boneca até os quinze anos de idade. Hoje, costuma se ocupar de atividades consideradas culturalmente do universo feminino, tais como fazer bijuterias e crochê.

A primeira, das três cirurgias plásticas a que a entrevistada se submeteu, foi feita aos 40 anos de idade, quando aconselhada por indicação médica para fazer uma segunda cirurgia de vesícula, ela aproveita a ocasião para reduzir o abdômen e refazer as cicatrizes, tanto da primeira cirurgia de vesícula quanto de suas cesáreas. Segundo Madalena, nessa primeira cirurgia plástica, ela uniu o útil ao agradável.

Na segunda intervenção estética, fez suspensão de mama. Acrescentou que sua mama estava desarrumada e que acha muito bonito uma mama arrumada. Para Madalena, este foi o presente de aniversário dos seus cinqüenta anos de idade. Na terceira plástica, enfim, fez lifting nos braços, uma cirurgia para retirar o excesso de pele e gordura que neles havia.

Recentemente, refez também a cicatriz dessa última cirurgia, pelo fato de ter ficado insatisfeita com ela, que, segundo sua opinião, ficou de aparência grosseira. Madalena se diz exigente quanto a isso.

A entrevista de Madalena foi breve. Suas respostas foram, de modo geral, significativamente objetivas.

3.3.2.1 Breves considerações psicanalíticas

Para Madalena, o corpo pode ser traduzido por um sentimento de estar bem consigo mesma; uma certa aceitação de si. Assim, aquilo que incomoda no corpo deve ser retirado dele. É o que a entrevistada nomeou como aquele ponto de cada uma, que para ela, era o formato de seu braço – uma herança materna, tal como disse. Isso significou, ao longo da vida de Madalena, um certo incômodo.

Assim, afirmou:

Não me incomodo de dizer assim: ah! Você tem perna fina! Você é aquilo que lhe incomoda. O que me incomodava era o meu braço. Então, eu tirei um pedacinho do braço, entendeu? E o corpo eu acho que é... Você se sentir bem, estar bem... [...] O rosto, eu não me incomodo, a pele também não me incomoda, entendeu? O nariz não me incomoda, o cabelo não me incomoda sabe? É assim, aquele ponto de cada uma.

É possível supor a partir desse fragmento, que a entrevistada concebe seu corpo a partir de um olhar escrutinador sobre as partes que o compõem, analisando-as e avaliando-as separadamente, como se fossem partes do corpo independentes entre si, mas em cujas significações psíquicas reside ou não a correspondência ao desejo inconsciente de cada uma ou às particularidades dele.

Além disso, se considerarmos que esse incômodo faz referência a certa angústia, podemos supor, que em Madalena, algo parece tocar o campo daquilo que é impossível nomear; ou, em palavras psicanalíticas – o inapreensível que constitui o real

do corpo emerge, evocando o estranho em cada mulher. É disso que parece depender para Madalena, a aceitação de si; ou seja, a aceitação do que é estranho em seu corpo.

Em vista do exposto, podemos dizer que a imagem do corpo para Madalena parece veicular uma certa fragmentação simbólica. Ilustrativamente, podemos destacar uma passagem de seu relato que parece fazer referência à construção da imagem de seu corpo, suposta e inconscientemente atualizada no tempo da adolescência. Assim, conta que ao ir à missa, tinha que usar um véu, não usar calça comprida, manga cavada ou saia curta.

De fato, Madalena parece referir-se a um movimento inconsciente entre mostrar e esconder o corpo feminino, a partir dos rigores da educação que recebeu e que na adolescência devem ter adquirido um novo sentido para seu corpo. Hoje, Madalena tenta se adaptar às suas medidas corporais. As roupas, que veste, indicam para ela a adequação ou não deste corpo.

Assim, entre os acontecimentos da infância, quando era muito magrinha e os de sua adolescência, quando não tinha tempo de olhar para seu corpo por causa de sua vida corrida, Madalena parece ter constituído inconscientemente alguns sentidos para sua história corporal. Hoje, sua opinião atual é que o corpo, ao ser mais valorizado, deve ser submetido às intervenções que forem necessárias, para promover o bem estar em cada um.

Dessa forma, as possíveis significações em torno do formato de seu braço ganham um traço de certa inquietude e passa a regular, de certa forma, sua dinâmica feminina. Em função disso, observamos aqui, as implicações psíquicas de uma característica física herdada da mãe e o desejo de apagá-la pela intervenção estética. Nessa empreitada, no entanto, Madalena refaz a cicatriz dessa cirurgia, como em um desejo inconsciente de ainda continuar interrogando a marca desse traço materno.

Madalena se diz uma mulher muito vaidosa. Para ela, o corpo feminino precisa de cuidados cotidianos de beleza; segue com afinco diário esses cuidados corporais, permanecendo sempre às voltas com cremes, batons, caminhadas e ginásticas. Para ela, são esses cuidados que indicam como é ser mulher com seu corpo. Diz Madalena:

Espere aí, vou ajeitar... Ih espere aí! Vou ajeitar a sobrancelha, vou ajeitar, entendeu? Você tem mais tempo disponível... A cobrança é grande, na sua apresentação, no seu visual.

Ao discorrer sobre seu corpo, o faz através de outras mulheres, as quais representam, por suas formas consideradas perfeitas, modelos ideais de corpo e de mulher. Como se o saber de Madalena sobre seu corpo estivesse atravessado pela imagem dessas mulheres perfeitas, situadas em um plano inalcançável de protótipos femininos. São suas as seguintes palavras:

Não vou querer ser uma Gisele Bündchen, não vou querer ser uma Adriane Galisteu, mas... Por que... Não é... Não, é um... Estereótipo das mulheres... Do que se fala, do que se faz, não é?

Madalena enfatiza, além disso, a relação que a mulher estabelece entre seu corpo e os cuidados que se deve ter com ele. Ela considera a existência de uma

vigilância acirrada em relação a tais cuidados. Como uma espécie de cobrança

imaginária. Sobre isso, fala sobre o que ela chamou de uma obrigação estética:

Eu acho que você tem a obrigação de... Esteticamente, se você acha que aquilo lhe agride, você tem que... O homem é engraçado, quer dizer nós, somos mutantes, né? A gente sempre tá vendo a vida de um outro jeito, os valores mudam, né? Então eu acho que agora estou com mais tempo de me olhar e tô vendo mais defeito... [...]

Atualmente, Madalena considera que atingiu seu objetivo; se diz satisfeita com os resultados das cirurgias a que se submeteu. Fala sobre o resultado de suas cirurgias, afirmando que foi satisfatório, assim como ela imaginava. Quanto à cirurgia dos braços, revela prontamente: A do braço que estava feia eu refiz!