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IV. Construção Estratégica da Imagem de Lula

IV. 3. Campanha Presidencial de 1989

IV. 3. 1. CONTEXTO BRASILEIRO

33 consequentemente, social. No plano socioeconômico, o país exibia inflação crescente,

déficit público irrefreável, aumento do nível de desemprego e um aperto salarial sem

precedentes. Além disso, as manifestações de violência e de criminalidade tornavam- se constantes.

No âmbito político-institucional a crise alcançara as instituições políticas, como por exemplo, o Congresso Nacional, os partidos políticos e os Poderes Judiciário e Executivo, ocorrendo uma desconfiança generalizada nessas instituições. A atuação do Poder Judiciário era vista de forma bastante crítica e o governo vigente, de José Sarney, era acusado de incompetente por não atender aos anseios básicos da população.

É sob esta conjuntura que em 1989 foi feita a primeira eleição direta da história do país, após trinta anos, que indicariam os rumos que a sociedade brasileira iria tomar para a implantação e consolidação de uma democracia no país. Esse acontecimento é tido como um dos mais importantes na história política do Brasil.

Para que isto fosse possível, os media tiveram o seu mérito. A divulgação das imagens dos candidatos a presidente da República e a tomada de posição por alguns desses veículos também tiveram grande influência nessas eleições e nas que estavam por vir.

IV. 3. 2. PRINCIPAIS CANDIDATOS

Vinte e dois candidatos pleitearam ao cargo mais importante do Brasil. Entretanto, o destaque foi apenas para o economista Fernando Collor e o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva.

Ambos convergiam ao apontar uma mesma pessoa como responsável pela péssima situação pela qual o país vivenciava, no entanto, os adversários estamparam identidades distintas ao discurso. À medida que o economista construiu as relações de oposição em termos pessoais, o metalúrgico, por sua vez, construiu em termos classistas e procurou pôr ao seu lado os trabalhadores contra a classe dominante.

34 Fernando Collor construiu sua imagem de forma especial. O candidato, com muita habilidade, soube obter proveito da saturação do eleitor e do péssimo período político que o país enfrentava. Investiu intensamente em si mesmo, conduziu sua campanha no perfil antipolítico, distanciando-se dos partidos e dos políticos, expondo ideais incorruptíveis e, logo foi apelidado de "o caçador de marajás". Para corroborar suas qualidades, Collor deu ênfase às suas qualidades pessoais: firmeza de caráter, jovialidade, coragem e honestidade.

Ao contrário do seu principal adversário, Lula teve sua identidade sempre muito associada ao PT. A imagem do candidato foi construída por meio do destaque atribuído à probidade do Partido, fundamentada na integridade de seus militantes. O candidato petista prometia adotar uma política contra o despotismo, prestando solidariedade incondicional às lutas em defesa da soberania nacional, e a todos os movimentos em prol da luta dos trabalhadores pelo Estado Democrático, pelo desenvolvimento social e pelo socialismo.

IV. 3. 3. IMAGEM LULA ATRAVÉS DA VEJA

No início da década de 80, Lula deixou o sindicalismo, constituiu o Partido dos Trabalhadores (PT) e se tornou um político. Seu mundo não era mais o das indústrias e das reuniões sindicais, mas o das reuniões políticas. Nada obstante, seu comportamento pouco foi alterado.

Embora se apresentasse em alguns compromissos políticos de forma bem trajada, na maioria das vezes conservava a singeleza de um metalúrgico. Em apenas duas das imagens analisadas vestia-se de terno. O que predominou foram as camisas, geralmente, abertas e desensacadas, as camisetas e os moletons. O cabelo e a barba eram vastos.

Já suas ideias, eram revolucionárias e talvez não passassem de utopias. Muitas delas, relativas à reforma agrária, à redistribuição de renda e à dívida externa, por exemplo, causaram medo em grande parte da população e da classe empresarial.

35 Durante a campanha eleitoral, a revista produziu pelo menos uma grande matéria com cada candidato à presidência. A grande matéria sobre o candidato Lula, foi publicada no dia 06 de setembro.

Figura 1. Capa da Veja (1989)

Foto: Revista Veja, ano 22, n.35, ed. 1095 06/09/1989, capa

A capa desta edição traz uma imagem de Lula com o braço direito levantado e o pulso cerrado, na frente de uma bandeira do Partido dos Trabalhadores, em sinal de luta. A luz desta imagem indica que foi tirada, provavelmente, num comício ao ar livre. Nesta matéria, foram publicadas seis páginas sobre o candidato, descrevendo seu cotidiano e mostrando algumas das suas propostas.

A matéria possui duas imagens: a primeira está no índice e é uma imagem de comício, onde Lula está falando para várias pessoas; e a segunda, já dentro da revista, ocupa mais ou menos o espaço de meia página e mostra o candidato em plena campanha num bairro mais popular. Lula atravessa as tábuas de madeira que são

36 provavelmente o acesso entre as casas, sendo ajudado por alguém. Na imagem ainda se vê um menino pendurado na passagem e sua expressão corporal destoa da de Lula, que precisa ser ajudado para não cair na viela.

Figura 2. Lula em campanha

Foto: Revista Veja, ano 22, n.35, ed. 1095 06/09/1989, p. 34 – 35

Este contraste corporal entre o menino e Lula não condiz com a legenda que acompanha a imagem: “Lula em campanha: de herói da novela das oito e o menor patrimônio financeiro entre os candidatos à cadeira de Sarney.” Primeiramente a idéia de um heroi das novelas globais jamais careceria de ajuda para caminhar e nem usaria uma camisa que denunciasse sua forma física comprometedora.

As demais imagens publicadas na revista, em sua maioria, mostram Lula desalinhado e suado. Quando aparece alguma imagem em que esteja de terno, como aquelas dos debates ou da gravação do programa eleitoral, ele está se movimentando, nunca com uma postura ereta e forte.

A revista explicitou em suas páginas a imagem de um suburbano, sem cultura, sem trato, sem postura de presidente. E era, constantemente, comparado ao seu principal opositor, Fernando Collor de Melo, que, como vários estudos apontam, fez

37 uso de todos os meios publicitários para evidenciar uma imagem positiva diante dos eleitores.

Figura 3. Lula em maus trajes

Foto: Revista Veja, ano 22, n.32, ed. 1092 16/08/1989, pág. 45

Pelas imagens analisadas tem-se a impressão de que não trata-se de um líder político com forças suficientes para vencer uma eleição, haja vista que geralmente aparece sozinho; aparece poucas vezes entre a multidão ou em comícios. Mesmo quando está acompanhado ou cercado de pessoas, a imagem o evidência dos demais, criando uma impressão de distanciamento.

As imagens, pouco criativas neste período, talvez demonstrassem que a campanha também não caminhava bem. As imagens expressavam passividade, uma inalterabilidade, que podiam representar o estado de entusiasmo da campanha. A falta de uma postura firme do candidato também contribuiu. Desta maneira, podiam ser interpretadas pelo receptor, o leitor, como falta de articulação política e até inexperiência.

Mesmo nas imagens em que o candidato aparecia em meio a campanha não era esse o sentido dada pela revista. Podemos perceber este fato na imagem em que Lula aparece tomando um cafezinho, possivelmente após um comício ou caminhada. Da forma como foi colocada, desviava a atenção deste fato. As expressões pouco

38 felizes, resultante de cansaço ou preocupação, completaram a cena para que a interpretação da imagem fosse, talvez, diferente da realidade.

Figura 4. Lula em comício (1989)

Foto: Revista Veja, ano 22, n.32, ed. 1092 16/08/1989, p. 42-43

Quando a revista trazia matérias de Lula e de seu principal adversário, Fernando Collor de Melo, dava preferência a este. As respostas de Collor para as questões eram mais fundamentadas e consistentes; as de Lula, mais inseguras e embaraçadas. As imagens eram parecidas, mas a de Fernando Collor expressava um semblante sereno. Além disso, havia outra pequena, mas significativa, vantagem por sua imagem sempre estar disposta à esquerda e assim ser privilegiada devido a maneira de leitura ocidental.

Figura 5. Lula x Collor Figura 6. A aparência dos presidenciáveis

Foto: Revista Veja, ano 22, n.65, ed. 1106 Foto: Revista Veja, ano 22, n.47, ed. 1107 22/11/1989, p.48-49 29/11/1989, p.48-49

39 Neste período, Lula não se importava com aparência; muito pelo contrário, orgulhava-se da sua origem humilde. E não se intimidava por não saber outros idiomas, ou ser menos letrado que os outros candidatos. "Por que eu tenho que mudar minha vida se for eleito presidente da República?", perguntava. "O meu povo quer que eu seja o que eu sou, e é isso o que eu tenho que ser", respondia.

Figura 7. O atleta Lula Figura 8. Lula e sua família Figura 9. Lula e o povo

Fotos: Revista Veja, ano 22, n.46, ed. 1106 22/11/1989, p. 58

Figura 10. O atleta Collor Figura 11. Collor e sua família Figura 12. Collor e o povo

Fotos: Revista Veja, ano 22, n.46, ed. 1106 22/11/1989, p. 64 - 65

Segundo Duda Mendonça, publicitário considerado como um dos melhores do Brasil, esta campanha eleitoral de Lula careceu assessoramento. Não apenas com relação à imagem, mas em como agir aos ataques articulados pelos outros candidatos. Mendonça afirma que:

Lula não poderia jamais ter desperdiçado aqueles preciosos minutos para falar que, ao invés de caçador de marajás, Collor era um caçador de maracujás. [...] Mas se, em vez disso, tivéssemos visto, naquela noite, um Lula emocionado, falando com a alma e com o coração (..) (MENDONÇA, 2001, p.61).

40 Em 1989, com imagens em que o candidato surgia só, pouco expressivo em pequenos ajuntamentos de pessoas ou desvalorizado, a revista de maneira intrínseca assumia que preteria Lula em detrimento de seus adversários, especialmente o economista Fernando Collor de Melo, que havia surgido e se estabilizado como a escolha mais viável para a resolver os problemas da economia brasileira.

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