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CAPÍTULO 4. A PRÁTICA CLÍNICA: O MÉTODO

4.2 Campo de Investigação

Para a realização dos estudos desta tese, contou-se com o voluntariado dos trabalhadores da Associação de Catadores de Material Reciclável do Centro Norte de Palmas (ASCAMPA).

Palmas é a capital do estado do Tocantins, uma cidade nova, fundada em 20 de maio de 1989, logo após a criação do Estado pela Constituição de 1988. É uma cidade planejada, porém apresenta concentrações de populações desfavorecidas economicamente nos extremos norte e sul do município, o que tem levado a muita especulação financeira com preços abusivos para lotes e moradias (dos mais favorecidos economicamente) e ocupação irregular do solo com invasões (por parte dos menos favorecidos).

A ASCAMPA foi criada oficialmente em 25 de setembro de 2005 (Ata da Assembleia Geral de fundação da ASCAMPA, 2005). Iniciou com 16 catadores e chegou a ter 69 catadores vinculados (Ghizoni & Cançado, 2011), mas na época da realização deste estudo, primeiro semestre de 2012, contava com 34 catadores cadastrados, mas não todos depositando lá o seu material reciclável. Isto o caracteriza como um associado de direito, mas, ao não entregar seu material para a ASCAMPA vender, ele não contribui para o crescimento da Associação nem com o coletivo de catadores, pois age isoladamente, vendendo seu material para atravessadores – uma problemática já discutida no Capítulo 2 desta tese.

Observa-se que muitos catadores da primeira diretoria empossada permanecem até o momento atual, revezando-se nos cargos, embora na prática, todos se refiram somente ao papel do(a) presidente(a), os demais, algumas vezes são até esquecidos pelos próprios

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catadores membros. A primeira Diretoria, empossada para o biênio 2005-2007, foi: Maria Edileuza Soares Mendes (Presidente), Leni Ribeiro da Silva (Vice-presidente), Raimunda Lima Costa (1a Secretária), Terezinha de Jesus Lima de Souza (Tesoureira). E Conselho Fiscal teve como primeiros membros: Maria Conceição Santos Silva, Valdemar Alvarenga Ribeiro, Francisco de Assis da Silva (Ata da Assembleia Geral de fundação da ASCAMPA, 2005).

Em janeiro de 2012, quando iniciamos a Clínica Psicodinâmica da Cooperação, a Diretoria era composta por outros catadores, mas sob a presidência de uma das catadoras da primeira gestão. Em maio de 2012, houve assembleia e fizeram algumas trocas nos cargos assim como, em fevereiro de 2013, partiram para a criação de uma Cooperativa, a COOPCAMPA, que a princípio, segundo os catadores, vai coexistir com a ASCAMPA. Ressalta-se que os membros da ASCAMPA e da COOPCAMPA são praticamente os mesmos.

A ASCAMPA possui um estatuto que a institui como pessoa jurídica de direito privado com finalidade filantrópica sem fins lucrativos. O referido documento possui 23 objetivos, um capítulo exclusivo com requisitos para admissão, demissão e exclusão dos associados, outro sobre direitos e deveres dos associados, outro sobre as fontes de recursos e de manutenção da entidade e, por fim, um capítulo destinado aos órgãos administrativos e deliberativos (Estatuto da ASCAMPA, 2005). Observou-se que este documento não é utilizado, ou seja, não é seguido. Alguns catadores mais novos na Associação até o desconhecem.

Cunha et al., (2011) já pontuavam a falta de critério e formalidades com relação à documentação da ASCAMPA. Perceberam também irregularidades na organização da Associação, pontuando a inexistência de alguns documentos necessários para o funcionamento da mesma. Estes autores afirmaram não ter conseguido acesso a muitos documentos tendo em vista a medição dos indicadores realizada por eles ter sido feita na sede da Associação enquanto os documentos, quando existentes, ficavam guardados nas residências de alguns catadores devido à fragilidade da sede da ASCAMPA.

Observa-se que esta dificuldade com documentação foi pontuada desde 2011, inclusive alertando sobre a necessidade de participação dos catadores na construção de documentos desta natureza. Os autores acima perceberam que o Estatuto de fato,

não é colocado em prática pelos associados, o que indica desconhecimento e negação de um documento que existe, mas não foi produzido com eles. Pelo fato da maioria dos catadores não ter escolaridade, a metodologia adotada para estudo de

Ghizoni, L. D. (2013) 107 textos, como é caso dos estatutos e regimentos, deve ser pensada diante desta condição dos associados, eles precisam compreender o que estão fazendo, pois o que está no documento será vivido por eles no dia a dia da associação. Ressalta-se a importância deste ponto ser levado em consideração, no processo de constituição da cooperativa, momento que alguns catadores da ASCAMPA estão vivenciando (Cunha et al., 2011, p. 55).

Conhecendo esta realidade, verificou-se que na época da realização da Clínica (janeiro a julho de 2012) a ASCAMPA ocupava oficialmente um terreno particular de 100m2 (10X10), inicialmente alugado pela Prefeitura. Contudo, eles eram responsáveis pelo pagamento de uma área comercial na região norte da cidade de Palmas-TO; porém, utilizando uma área quatro vezes maior, considerando que os lotes do lado esquerdo encontravam-se desocupados. Não havia nenhum tipo de cerca ou muro neste espaço.

Figura 18. Vista dos terrenos ocupados pela ASCAMPA

Fonte: Arquivo da autora (maio, 2011).

Figura 19. Entrada da ASCAMPA

Fonte: Arquivo da autora (maio, 2011).

Como não possuem sede própria, improvisaram um galpão próximo a algumas árvores, com aproveitamento de materiais de construção, onde instituíram espaços de cozinha e banheiro (únicos locais fechados com paredes por todos os lados); espaço para prensa e balança para pesagem; espaço de convivência/escritório. Havia também uma espécie de repartição improvisada, onde moravam dois catadores de um lado e uma família (de não catadores) do outro. Ressalta-se que em 2012 a Associação oficializou contrato com a Prefeitura de Palmas, que fez a concessão de um terreno de dois mil metros quadrados nas proximidades desta sede.

Em janeiro de 2013, a Prefeitura concluiu a construção do muro neste novo terreno e, assim, os catadores mudaram para este novo espaço, maior, legalizado, mas sem infraestrutura. Novamente, reiniciam as atividades e o ano sem um galpão apropriado, trabalhando com a separação dos materiais em baixo de uma única árvore que havia no local.

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Neste novo espaço, construíram uma cozinha com os materiais da antiga sede e trouxeram geladeira, fogão, cadeiras, e armários. Improvisaram uma pia para lavar as louças, já que geralmente fazem três refeições no local. Com materiais recicláveis, adaptaram um banheiro, onde, além de atenderem suas necessidades fisiológicas, tomavam banho.

Figura 20. Fachada da nova sede da ASCAMPA

Fonte: Arquivo da autora (maio, 2013).

Figura 21. Banheiro construído pelos próprios catadores

Fonte: Arquivo da autora (maio, 2013).

Em março deste mesmo ano, ganharam de um convênio com uma empresa de refrigerantes um uniforme composto de camiseta com logotipo da ASCAMPA, calça e botas. Receberam também uma ampla tenda para abrigá-los da chuva e do sol durante a separação dos materiais.

Figura 22. Catadores com uniformes recebidos por uma empresa de refrigerantes

Fonte: Arquivo da autora (maio, 2013).

Figura 23. Tenda que abriga os catadores durante a separação dos materiais

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O ano de 2013 é bastante significativo para os catadores da ASCAMPA, pois além da mudança para o novo espaço, receberam da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), através do Convênio 663/2010, diversos equipamentos, tais como: prensa para latinhas de alumínio (que não tinham); prensa para papelão; carregadores para materiais de grande porte ou já enfardados; balança digital e um caminhão para coleta de materiais.

Figura 24. Carregador e prensas novos

Fonte: Arquivo da autora (maio, 2013).

Figura 25. Balança digital para controle dos materiais

Fonte: Arquivo da autora (maio, 2013).

Figura 26. Caminhão para coleta de materiais recicláveis

Fonte: Arquivo da autora (maio, 2013).

Diante destes equipamentos novos e da falta de segurança no local, os catadores decidiram que um deles deveria pernoitar na sede para cuidar. Um catador se dispôs a dormir na nova sede, mas todos perceberam que não havia condições para tal e, assim, decidiram pela construção de um barraco improvisado para este catador, que até então morava de aluguel.

Com estas informações sobre a sede da ASCAMPA, local de trabalho de alguns catadores e também espaço para a recepção e o depósito dos materiais recicláveis pelos demais catadores até o momento da venda, explicita-se, a seguir, o perfil dos catadores da ASCAMPA.

Participaram da Clínica da Cooperação 16 catadores, sendo 9 homens e 7 mulheres, além de 2 jovens auxiliares do Administrador, porém não catadores e não associados. A idade dos catadores variou entre 39 e 78 anos, sendo a média de idade 54 anos. A maioria possui poucos anos de escolaridade, mas três já concluíram o ensino médio e uma catadora o está cursando.

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Tabela 3:

Perfil dos catadores de materiais recicláveis que participaram da Clínica Psicodinâmica da Cooperação, 2012.

Dados Pessoais do(a) Catador(a) Relação com a ASCAMPA, Outras Atividades e Renda

Ad. Catador, 67 anos, separado, pardo, ensino médio incompleto, natural do Maranhão.

Já atuou como eletricista; renda familiar mensal de R$ 600,00; recebe benefício do INSS; tem casa própria; possui carro.

Ai. Jovem, 18 anos, ensino médio completo, auxiliar do administrador da Sede.

Não é catador, auxilia nas atividades da sede de modo geral. Não é registrado na ASCAMPA An. Catadora, 40 anos, solteira, branca, 3 filhos, 1

neto, cursando ensino médio, natural do Maranhão.

Conciliava a ocupação de catadora com a de diarista. Renda mensal de R$ 370,00; recebe Bolsa Família. Tem casa própria.

An. Catador, 59 anos, casado – a esposa é também catadora, foi com quem se iniciou na atividade.

Na ASCAMPA desde sua criação; anteriormente trabalhava na construção civil. Atualmente colabora com o coletivo gestor. É membro da atual diretoria.

Bi. Catador, 61 anos, separado, negro, ensino fundamental incompleto, natural de Fortaleza-CE.

Na ASCAMPA desde sua criação, quando se tornou catador. Antes havia sido cozinheiro, estivador e carregador de caminhão. Ocupou diversos cargos na Diretoria. Renda mensal de R$ 1.000,00. Tem casa própria.

Ch. Catador Morou na sede da ASCAMPA no ano de 2012.

Cl. Catador, 64 anos, solteiro, 3 filhos, negro, sem escolaridade. Mora de aluguel. Natural de Gurupi- TO.

Antes de ser catador, trabalhava na zona rural. Renda mensal de R$ 350,00. Tem clientes fixos onde faz a coleta dos materiais.

Ed. Catadora, 46 anos, separada, parda, ensino médio completo, natural do Maranhão.

É catadora desde 1999; está na ASCAMPA desde sua fundação e foi a primeira presidente. Antes, trabalhava como agricultora e doméstica. Renda de R$ 400,00. Representa o Estado no Movimento Nacional dos Catadores.

Ed. Catadora, 48 anos, viúva, 2 filhos. Casou-se com um catador que conheceu na ASCAMPA.

É catadora há 10 anos, desde que veio morar em Palmas. Está na ASCAMPA desde 2010.

Fr. Catador. Além de catador, é vigilante. É um dos catadores que mais deposita papelão na ASCAMPA.

Go. Catador, 78 anos, 5 filhos, mora com a esposa, também catadora. Mudaram de um assentamento para uma casa própria recebida do Governo.

Na ASCAMPA desde o início, quando se tornou catador, pela necessidade, pois não tinha onde morar. Recebe benefício da aposentadoria.

Jo. Catador, 44 anos, solteiro, sem filhos. Ensino fundamental incompleto, natural de Messejana-CE.

Na ASCAMPA desde o início, anteriormente era estivador.

Ma. Fr. Catadora, 63 anos, casada com um catador, moram em casa própria, branca, 5 filhos, ensino fundamental incompleto, natural de Caroatá-MA.

Na ASCAMPA desde sua fundação. Recebe beneficio da aposentadoria.

Ma. Catadora, mas os filhos não gostam que ela faça esta atividade.

Começou na ASCAMPA em 2012, mas nunca se associou.

Pa. Catador, 47 anos, chegou sozinho a Palmas, morou na antiga Sede da ASCAMPA, depois alugou um espaço. Tem ensino médio completo; é de São Paulo.

Na ASCAMPA desde dezembro de 2011. Antes, catava latinhas; vivia no trecho (sem moradia fixa).

Ra. Jovem, 18 anos, auxiliar do administrador da Sede.

Não é catador, auxilia nas atividades da sede de modo geral. Não é registrado na ASCAMPA. Ro. Catadora, 39 anos, casada, negra, 2 filhos, ensino

médio completo, mora em casa cedida, natural de Miracema do Tocantins-TO.

Na ASCAMPA há alguns anos, sua mãe e irmão são catadores também. Renda de 300,00. Recebe o beneficio do bolsa família. Antes de ser catadora, era doméstica.

Ghizoni, L. D. (2013) 111 Te. Catadora, 50 anos, parda, casada, 3 filhos.

Estudou até a 5a série. Natural de Parnarama-MA

Na ASCAMPA desde sua fundação. Ocupa segundo mandato como presidente. Antes, era agricultora; morava no interior.

Fonte: Elaborado pela autora com base em fichas cadastrais dos Catadores, gravações e reuniões (junho, 2013).

Não se fez nenhum tipo de ficha para catalogar os dados pessoais dos catadores, nem para mapear a frequência nas sessões, embora se tenha sentido falta de um norteamento para construção de um perfil mais consistente. Verificou-se, durante a escrita da tese, que isso pode ser importante não só para o pesquisador, que já os conhece, mas para que os leitores dos trabalhos a serem publicados em decorrência deste estudo também possam visualizá-los.

Observa-se que os catadores são oriundos de diversas cidades fora do Tocantins, sobretudo porque Palmas recebeu trabalhadores de diversas regiões do país; porém, com pouca escolaridade, as oportunidades de trabalho são escassas. Situação semelhante a que Medeiros e Macedo (2006) encontraram. Acabaram se tornando catadores pela necessidade de sobrevivência e pela extensa quantidade de material disponível para coleta, uma vez que a Prefeitura não faz coleta seletiva sistematizada na cidade toda.

Chama a atenção o fato de praticamente todos os catadores terem casa própria, caso incomum entre a categoria. Estes receberam muitos incentivos do governo municipal e estadual para moradia; porém, em regiões afastadas do centro da cidade. Alguns moram na região sul de Palmas e trabalham na região norte, uma distância que pode chegar a aproximadamente 30 kilômetros.

Diante deste perfil, pontua-se que se obteve a participação de 4 a 10 catadores por sessão de Clínica Psicodinâmica da Cooperação, praticamente o mesmo número de outros estudos, tais como o de Garcia (2011), que contou com 7 a 11 participantes por sessão; os de Castro (2010) e de Traesel (2007), que obtiveram a participação de 8 a 10 trabalhadores por sessão; de Medeiros (2012), que contou com 7 a 11 trabalhadores por sessão; e de Rosas (2012), que contou 7 participantes no total – participação oscilando entre 3 e 5 trabalhadores por sessão. Observa-se, também, variações maiores desse número: Walter (2012) teve entre 2 e 20 trabalhadores por encontro, bem como a ausência deste dado: alguns estudos (A. da S. Ferreira, 2013; Bottega, 2009; Magnus, 2009) não relatam a quantidade média de participantes por sessão.

Nesta Clínica com os catadores da ASCAMPA, aconteceram 12 sessões, totalizando 15h33m (uma média de 1h18 por sessão), além de uma reunião inicial antes das sessões como forma de convite e de exposição da Clínica (não foi gravada), uma reunião final, para apresentação e discussão dos dados levantados na Clínica (1h06m) e uma reunião de

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avaliação nove meses após esta reunião final (1h43m). Os procedimentos adotados nestas ações são descritos a seguir.

4.3 Descrição da condução da Clínica Psicodinâmica da Cooperação com os catadores