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3.2 O Campo do Controle do Crime

3.2.2 Campo do controle do crime em Garland

O sociólogo britânico David Garland (2008) ressignifica o conceito de campo bourdiano e o aplica para o seu objeto de estudo: o crime. Ele utiliza o termo “campo do controle do crime” para apresentar a relação entre os diferentes subcampos ou agências que se relacionam no manejo das infrações legais – judicial, policial e penitenciário.

Garland (2008) entende que, na modernidade tardia, os problemas de controle social reconfiguraram as respostas ao crime, fazendo deste um fenômeno de alto custo e enfrentado com punições cada vez mais rígidas. Para o autor, a maneira de elucidar esse campo é “através do mapeamento da distribuição de seus elementos, dos princípios organizacionais que se relacionam a tais elementos e dos locais nos quais os conflitos estão dispostos” (GARLAND, 2008, p. 365). Assim, segundo ele existiria um entrelaçamento de antigas e novas distribuições, funcionamento estratégico e significações sociais no controle do crime, uma vez que a história não se deu pela substituição do velho pelo novo, mas sim pela modificação (em diferentes escalas) de um pelo outro. No caso das polícias, o autor aponta que essa substituição aconteceu mais no nível pós-burocrático do que no prático, uma vez que, apesar da

alteração dos discursos utilizados pela polícia (como o da polícia comunitária e outros), as práticas utilizadas se alteraram de forma limitada.

Dessa forma, Garland (2008) destaca o seu interesse pelo desenvolvimento da forma de gerir o crime e os criminosos, principalmente pelo aparato de prevenção e pela segurança. Assim, o autor entende que as mudanças ocorreram no nível da cultura do controle, que é responsável por dar vida às estruturas, e orbita em três elementos centrais: a) a transformação do previdenciarismo penal para a ênfase na modalidade penal, em detrimento de outras estratégias, priorizando-se os fins retributivos, neutralizadores e intimidatórios; b) uma criminologia do controle – o estudo do crime em suas diversas correntes teóricas, desde o entendimento da origem do crime como resultado da privação social, até os estudos situacionais do crime, entre outras correntes teóricas; c) um estilo econômico de pensamento.

Transportado esta situação para o Brasil, destaca-se que após a década dos anos oitenta a política criminal brasileira desenvolveu-se de maneira a lidar com o aumento das taxas de crime por meio do número de prisões e da severidade nas punições. Certas condutas, como o crime hediondo e o crime organizado, receberam uma conotação penal de exceção (SILVA, 2009). Cifali (2014) aponta que não apenas no Brasil, mas também na América do Sul, o endurecimento penal acompanhou a criminalização de novas condutas, o incremento do uso das forças policiais, o aumento das penas de certos delitos, a redução das possibilidades de livramento de imputados durante o processo penal, o aumento da população carcerária, a superlotação de presídios, a insalubridade, entre outros aspectos. A autora considera que devido às conexões entre as diferentes esferas do poder político, as ideologias e as instituições públicas - e sendo o chefe do executivo o responsável pela nomeação de membros do judiciário, dos ministros e de outros cargos - não há autonomia para o enfrentamento d certos tipos de delitos (como a corrupção). Dessa forma, o sistema de administração da justiça brasileira faz-se seletivo e contribui para a manutenção da desigualdade social, do clientelismo e do patrimonialismo no trato da coisa pública. Isto faz com que a existência de alguma lei não seja garantia de obediência e cumprimento. Na visão de Cifali (2014, p. 70):

A lei nunca é geral, sempre tem sua vigência e aplicabilidade particularmente definidas. A própria elaboração de leis diferentes para sujeitos considerados diferentes (recuperáveis e irrecuperáveis) demonstra a institucionalização da desigualdade. Em uma sociedade que se pretenda democrática, aberta e

plural o controle da violência não pode ser marcado pela divisão entre os “cidadãos de bem” e os supostos inimigos, ou seja, pela inequidade. (CIFALI, 2014, p. 70).

No que tange à dinâmica relacional específica do campo do controle do crime, Garland sustenta que ele se caracteriza por dois eixos entrelaçados e mutuamente condicionados: os controles formais exercidos pelas agências estatais do sistema penal e os controles sociais informais (GARLAND, 2008). Nessa perspectiva, a reconfiguração do campo do controle do crime, vivenciada nas últimas décadas, não se reduz à mera mudança nas respostas sociais frente ao crime, na medida em que compreende, também, a emergência de objetivos e prioridades societários diferentes, especialmente o surgimento de novas ideias sobre a natureza do castigo, do crime, e dos criminosos.

Garland enfatiza que, a despeito de as estruturas da justiça criminal terem mudado significativamente nas últimas décadas, as alterações mais importantes giraram em torno da representação cultural que lhes dá vida (GARLAND, 2008). Essa ênfase do autor quanto à dimensão cultural aparece explicitamente no conceito de “A Cultura do Controle”. Com efeito, a nova Cultura do Controle orbita em torno de três elementos centrais: um novo conceito de previdência penal; uma nova criminologia do controle; e um modo econômico de tomada de decisões (GARLAND, 2008). Esses três eixos fundamentais podem ser desmembrados nas tendências que marcaram as modificações no campo penal nos últimos trinta anos: o declínio do ideal de reabilitação; o ressurgimento de sanções retributivas e da justiça expressiva; as mudanças no tom emocional da política criminal; o retorno da vítima; a proteção do público; a politização e o novo populismo; a reinvenção da prisão; a transformação do pensamento criminológico; a expansão da infraestrutura da prevenção do crime e da segurança assumida pela comunidade; a comercialização do controle do crime; os novos estilos de gerenciamento e de rotinas de trabalho; e, por fim, uma perpétua sensação de crise (GARLAND, 2008).

4 O CAMPO DE CONTROLE DO CRIME E O SUBCAMPO DAS AGENCIAS