• Nenhum resultado encontrado

Diferenças de percepção sobre a violência policial entre os níveis hierárquicos

5 ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EMERGENTES DA PESQUISA

5.3 As polícias como ferramentas políticas dos governos

6.1.2 Diferenças de percepção sobre a violência policial entre os níveis hierárquicos

Ao se agrupar as entrevistas de acordo com o tipo de cargo e posição ocupada dentro da instituição, constatou-se que a percepção sobre a violência ou excesso policial varia de acordo com a posição do entrevistado na hierarquia funcional, no sentido de que o reconhecimento da existência de ilicitudes é mais comum entre os ocupantes de postos superiores (que também possuem maior escolaridade) do que entre os de nível inferior. Vejam-se, por exemplo, os trechos abaixo, organizados conforme o nível hierárquico do emissor.

(1) No momento em que tem pessoas desfavoráveis, que o Estado não tá presente, como é que tu vai obrigá-las a cumprir a lei? Como é que tu obriga elas a cumprir a lei? Entende? Então nesse contexto o policial vai acabar entrando em atrito, muitas vezes. Ele é muito hostilizado muitas vezes. E aí, nesse contexto de violência social, eventualmente acontece excesso por parte do policial militar, e ele deve ser corrigido, deve ser apurado e responsabilizado. Esse é o nosso dever [...] E eu tô mostrando uma consciência, mas eu não tô te dizendo que o policial não deva ser responsabilizado por uma conduta irregular. Porque a gente fala muito em violência policial, como se só o policial cometesse violência e esquece do demais (PM3, em entrevista)

(2) O policiamento por questão de violência, envolvimento com o crime, essas questões mais práticas, como a gente chama muito de operacional, na brigada. [Pesquisadora: qual tipo de violência? ] Violência policial, lesão corporal, a grande maioria, porque está intrínseco, né. Claro que a gente vai olhar e grande parte dessas lesões são decorrentes de ações legítimas, mas

tem algumas partes que são excesso. Então há uma tentativa de controlar

isso. (PM1, em entrevista, grifos nossos)

(3) Pesquisadora: Então, nesse sentido que essa categoria de violência

policial é...

PM: É um exagero. Já teve caso de violência policial, existe sim, mas a

grande maioria é invenção da mídia [...] É, que nem na manifestação. Como

é que tu vai na manifestação e tu não vai dar tiro de bala de borracha, não vai [...] não tem como, só quem fica no meio, sabe, não tem. Daí eles falam assim, 'pô, usou de violência'. Pô, não tem como tu não usar de violência pra dispersar uma ação, não tem como, o pessoal não entende. Chego lá, o governador não diz, o comandante geral não diz que foi ordem do político tal

que não pode ter manifestação. Eles não falam. Eles só falam, 'Ah a BM fez

uso excessivo da força' (PM2, em entrevista, grifos nossos).

As primeiras duas entrevistas, fragmentos (1) e (2), referem-se a oficiais da BM, denotando uma preocupação para com os agentes que tenham cometido algum desvio, no sentido de que eles sejam investigados e, se provada a culpa, sejam responsabilizados. Por outro lado, no caso dos praças da BM (trecho 3), essa percepção não é a predominante, uma vez que só um dos praças inqueridos falou abertamente sobre o assunto; e, ao fazê-lo, apontou que violência policial enquanto uma categoria é um exagero, oriundo do desconhecimento da prática policial e da influência midiática.

Em contrapartida no caso da Polícia Civil, onde existe a exigência de curso superior para o ingresso de qualquer agente há mais de 20 anos, percebeu-se que o assunto é tratado como certa uniformidade entre os agentes, sendo a violência policial considerada uma prática que ainda perdura, mas que tem que ser debatida para a sua superação e para que ocorra a melhoria do serviço prestado pela instituição: “[...] aquela polícia por vocação a partir de 1997 ficou mais raro, isso fez com que a instituição tenha melhorado, a corregedoria não deve ter tido muito mais problemas [comparado à antigamente].” (PC5, em entrevista). O entrevistado PC5 enfatizou que, com a elevação do nível educacional dos policiais da Polícia Civil gaúcha, a partir da exigência de formação superior para ingresso na corporação, houve uma redução dos problemas que antes eram direcionados à Corregedoria.

Tal posicionamento sugere que, com o passar do tempo e com a exigência do nível superior nos processos seletivos, ocorreu um aperfeiçoamento dos integrantes da policial civil, e por consequência da própria Polícia Civil, a partir da aquisição de

capital cultural e competências profissionais. Um dos policiais entrevistados assinalou outro fator que teria contribuído com a mudança de perspectiva em relação ao uso da violência policial, e da existência de corrupção na instituição, frequentemente associada àquela, conforme se verifica no depoimento a seguir.

(4) foi naquela época que se introduziu, que se falava em novidade em falar em equipamentos menos letais, a prática de tiro na época mudou. Teve uma famosa portaria na Secretaria [SSP-RS] que era polêmica, que se exigia que o policial se identificasse pra atirar. Foi deturpada a portaria, mas foi um grande diferencial, e era uma época que tinha um enfrentamento muito grande, principalmente, na instituição, enfrentamento contra a corrupção. Na época o secretário era o Bisol e ele dizia que tinha uma banda podre dentro da Polícia. O que tinha na verdade era um bando, era uma orquestra [risadas]. Era um festival, era o quadro da dor, isso aí pode registrar. E isso a instituição aprendeu, hoje ela mudou muito. Aquilo foi um ataque, eu me lembro que causou uma enorme revolta na Polícia quando se falou aquilo. Mas acabou hoje se olhando para o passado, tem gente que não gosta de olhar muito para o passado, mas se olhar para o passado, hoje é uma coisa que vê bons resultados. A Polícia institucionalmente não tolera mais condutas que na época em que eu ingressei eram aceitas. Então, os alunos mais novos, essa mentalidade dos novos policiais [...] Teve uma evolução, modificou muito a instituição, são pessoas, que, sem desmerecer os policiais mais velhos, mas eles foram criados em uma outra época. Até o próprio ordenamento jurídico da época era menos repressivo a determinadas condutas. Isso mudou muito. (PC3, em entrevista).

O PC3 afirma que a valorização do que vamos chamar de especialização do serviço da BM adveio como resposta institucional à declaração do secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul da época, José Paulo Bisol (e respaldada pelo informante), que afirmara que a Polícia, da maneira em que se encontrava, era composta por uma “banda podre”.