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CANCIONEIRO GAÚCHO: CANTO ALEGRETENSE E INFLUÊNCIAS EM OUTROS GÊNEROS.

CAPÍTULO 1 – ESCOLA GAÚCHA DE ACORDEON

15 Gineteada: Cavalgar bem, com elegância; montar em cavalo arisco ou ainda não domesticado; incentivar o animal para corcovear; sustentar-se na cela enquanto o animal

1.3 CANCIONEIRO GAÚCHO: CANTO ALEGRETENSE E INFLUÊNCIAS EM OUTROS GÊNEROS.

A música cancioneira gaúcha de certo modo é focalizada em seu próprio território, não exerce grande influência no gosto musical do restante do país. É muito comum ouvir canções gaúchas e não entender com clareza o sentido das letras, em parte, devido ao léxico e à fala típica do gaúcho.

Música que eu mais gosto de escutar é a música fandangueira gaúcha, por exemplo, Tchê Barbaridade e as música véia gaúcha: Xirú Missioneiro, Mano Lima e assim por diante. Essas música véia gaúcha mesma, as fandangueiras. Telmo Lima de Freitas eu adoro as músicas dele e só essas músicas mais gaúcha mesmo que eu gosto. (Anônimo, Ep. Bagre Fagundes. OMSL).

No início do episódio Bagre Fagundes, o diretor do seriado OMSL, pergunta a um rapaz, que estava em cima de um cavalo, aparentando ser um peão que trabalhava na fazenda onde realizavam as gravações. E a resposta, talvez para os gaúchos, ou, alguns gaúchos seria uma resposta de senso comum. Entretanto diante da grande extensão do território nacional, trata-se de vários nomes que não são conhecidos do grande público. Portanto, demonstra a necessidade de se abordar um pouco da cultura cancioneira para nos ajudar a entender um pouco mais do universo que estamos pesquisando.

No episódio Bagre Fagundes, o início do documentário é um trecho da música Canto Alegretense, canção mais famosa dos Irmãos Fagundes, que tem

como compositores o próprio Bagre Fagundes e o seu irmão Nico Fagundes21. Luiz Carlos Borges, no episódio intitulado com seu nome, faz um paralelo comparando a música sulista Canto Alegretense à música nordestina Asa

Branca, dada a popularidade de ambas em suas respectivas regiões e o contexto

vinculado a fatos reais das duas músicas. Segue a letra da música:

Canto Alegretense

Não me perguntes onde fica o Alegrete22

Segue o rumo do teu próprio coração, Cruzarás pela estrada algum ginete23

E ouvirás toque de gaita e violão. Prá quem chega de Rosário24 ao fim da tarde

Ou quem vem de Uruguaiana25 de manhã,

Tem o sol como uma brasa que ainda arde Mergulhado no Rio Ibirapuitã26.

Ouve o canto gauchesco e brasileiro Desta terra que eu amei desde guri; Flor de tuna27, camoatim28 de mel campeiro

21 Nico Fagundes: Antonio Augusto Fagundes nasceu no Inhanduí, interior do município do Alegrete. É jornalista, advogado, pós-graduado na História do Rio Grande do Sul e mestre em Antropologia Social. É autor de dezessete livros, a maioria com várias reedições. A serviço da cultura do Rio Grande do Sul, já cruzou o mundo várias vezes. Ganhou prêmios e distinções importantes, como a Medalha do Pacificador, do Exército Brasileiro, a Comenda Osvaldo Vergara, da Ordem dos Advogados do Brasil, da qual é também advogado jubilado. É poeta, compositor, premiado inúmeras vezes, autoridade em indumentária gauchesca, História do Rio Grande do Sul e folclore gaúcho. Apresentou por trinta anos o programa Galpão Crioulo na RBS TV, o que já lha rendeu três prêmios internacionais: em Buenos Aires, em Nova York e na Cidade do México.

22Alegrete é um município localizado na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul às margens do

Rio Ibirapuitã. Está localizada a 506 quilômetros de Porto Alegre. Tem uma população de 84.338 pessoas, conforme o censo do IBGE mais recente. Foi a terceira capital farroupilha, de 1842 a 1845.

23Ginete: quem é bom cavaleiro, que sabe andar bem a cavalo, cavalariano, domador de cavalo,

que participa de gineteadas (concursos de doma).

24Rosário do Sul é uma cidade localizada 105km a leste de Alegrete. Por isso, quem chega de

Rosário a Alegrete no fim da tarde vê o sol se pondo sobre o Rio Ibirapuitã.

25Quem vem de Uruguaiana (cidade localizada na fronteira com a Argentina, a oeste de Alegrete)

de manhã vê o sol nascendo sobre o Ibirapuitã.

26 Ibirabuitã: rio que banha o Alegrete. É afluente do Rio Ibicuí e nasce em Santana do

Livramento.

27 Flor de tuna: Flor de um tipo de cacto.

28Camoatim: É uma espécie de abelha ou vespa, que existe na região da Campanha. É de cor

preta e mede cerca de 11 mm de comprimento com dois traços amarelados transversais. Além de camoatim, também existe a lichiguana, que igualmente produz mel.

Pedra moura29 das quebradas do Inhanduí30.

E na hora derradeira que eu mereça Ver o sol alegretense entardecer, Como os potros vou virar minha cabeça Para os pagos31 no momento de morrer

E nos olhos vou levar o encantamento Desta terra que eu amei com devoção Cada verso que eu componho é um pagamento

De uma dívida de amor e gratidão

Ao escutar essa canção pela primeira vez, é possível que alguém não familiarizado com essa cultura regional, não entenda sua mensagem geral. Talvez precise da ajuda de um dicionário de expressões gaúchas. Termos como “ginete”, ”flor de tuna”, “camoatim de mel campeiro”, “inhanduí”, “pagos”, por não serem palavras utilizadas em outras regiões do país, podem ser de difícil entendimento; mesmo com o dicionário de expressões gaúchas em mãos, não foi fácil para o autor deste trabalho entender o sentido, dificultado pela pronúncia, não só dessa canção mas também de várias falas no documentário, e foi necessária a ajuda da internet e de amigos gaúchos. Durante as observações dos episódios que envolvem este capítulo da pesquisa houve muitas palavras que não foram fáceis de entender, e isso demandou um pouco de tempo para que fosse realmente apreendido o sentido.

Essa canção é muito popular no Rio Grande do Sul, e diversos artistas quando fazem apresentações em cidades gaúchas cantam-na como uma forma de homenagear o território32. A música foi regravada dezenas de vezes, inclusive

29 Pedra moura: tipo de pedra existente na Campanha, geralmente na margem de rios. É

chamada de moura devido à cor escura. A relação com o nome deve provir da lembrança da época em que os árabes (mouros), de cor escura, dominavam a península ibérica.

30Inhanduy: rio em cujas margens surgiram as primeiras casas do que viria a ser o Alegrete. A

capela existente no local acabou sendo incendiada em 1814, e a população se mudou para as margens do Ibirapuitã, onde está localizada hoje a cidade.

31 Pagos: Conterrâneos.

32 De acordo com Edson Dutra e Bagre Fagundes, na época da composição Nico trabalhava em escritório de advocacia, junto com Edson Dutra, e, por ser nascido em Alegrete, e por falar sempre da cidade que nasceu, Nico foi indagado por um companheiro de serviço que precisava ir defender uma causa em Alegrete, dizendo: “Mas tú Nico, que vive falando desse tal de Alegrete, onde fica esse Alegrete?” E a resposta de Nico: “Não me pergunte onde fica o Alegrete, segue o rumo do teu próprio coração”. Depois de aproximadamente 40 minutos, e o Nico passou na mesa onde outro advogado e músico Edson Dutra mexia nos seus papéis, e entrega-lhe a letra, pronta, e pede para o Dutra que musique a letra. Já tinha o título de Canto Alegretense.

com traduções em alemão, inglês e, recentemente, em francês. No site Youtube é possível ver com facilidade nomes de grande popularidade cantando essa música, dentre eles Chitãozinho e Xororó, Alcione, Michel Teló, Fresno, Gaúcho da Fronteira, entre outros.

A letra foi composta por Nico Fagundes33, que era um gaúcho tradicionalista, advogado por profissão membro do grupo Os Fagundes. Nico foi apresentador por 30 anos do programa de televisão Galpão Crioulo, que era exibido para toda a região Sul por emissoras filiadas à Rede Globo de Televisão. De acordo com Edson Dutra e Bagre Fagundes, na época da composição Nico trabalhava em escritório de advocacia, junto com Edson Dutra, e, por ser nascido em Alegrete, e por falar sempre da cidade que nasceu, Nico foi indagado por um companheiro de serviço que precisava ir defender uma causa em Alegrete, dizendo: “Mas tú Nico, que vive falando desse tal de Alegrete, onde fica esse Alegrete?” E a resposta de Nico: “Não me pergunte onde fica o Alegrete, segue o rumo do teu próprio coração”. Depois de aproximadamente 40 minutos, e o Nico passou na mesa onde outro advogado e músico Edson Dutra mexia nos seus papéis, e entrega-lhe a letra, pronta, e pede para o Dutra que musique a letra. Já tinha o título de Canto Alegretense. Edson levou então a letra para casa e “matutou” muito e não quis colocar a melodia, porque na época o seu grupo chamado Os Serranos, tocava por várias cidade do estado, fazer uma música para o Alegrete, depois ele se colocaria na obrigação de fazer música para outras cidades, e assim recusou. Aí Nico mostrou a letra para o irmão dele, Bagre, que tentou primeiro com o violão e não deu certo; posteriormente, fez a melodia na sua gaita de 4 baixos.

Outro grande cancionista gaúcho, o cantor e compositor Teixeirinha, sempre teve como foco de suas composições a música gaúcha. Dentre seus sucessos, estão Tordilho Negro, Gaúcho de Passo Fundo e Coração de Luto,

Edson levou então a letra para casa e “matutou” muito e não quis colocar a melodia, porque na época o seu grupo chamado Os Serranos, tocava por várias cidade do estado, fazer uma música para o Alegrete, depois ele se colocaria na obrigação de fazer música para outras cidades, e assim recusou. Aí Nico mostrou a letra para o irmão dele, Bagre, que tentou primeiro com o violão e não deu certo; posteriormente, fez a melodia na sua gaita de 4 baixos.

ambas músicas de muito sucesso, viraram filme, obtiveram dezenas de regravações, algumas como: Milionário e José Rico, Sérgio Reis, Gaúcho da Fronteira e até a banda Engenheiros do Hawaii, dentre outras gravações. Outra música muito lembrada quando se fala em Teixerinha é Querência Amada que, assim como Canto Alegretense, são vistas como hinos informais do Rio Grande do Sul. Em uma breve passagem pelo Youtube é fácil ver artistas como Chitãozinho e Xororó, Daniel, Zezé di Camargo e Luciano, Luan Santana, Michel Teló, Wesley Safadão, entre outros, cantarem Querência Amada quando fazem shows no rincão gaúcho.

Querência Amada (Teixeirinha)

Quem quiser saber quem sou Olha para o céu azul

E grita junto comigo Viva o Rio Grande do Sul

O lenço me identifica Qual a minha procedência Da província de São Pedro

Padroeiro da querência Oh, meu Rio Grande

De encantos mil Disposto a tudo pelo Brasil Querência amada dos parreirais

Da uva vem o vinho Do povo vem o carinho Bondade nunca é demais Berço de Flores da Cunha E de Borges de Medeiros

Terra de Getúlio Vargas Presidente brasileiro Eu sou da mesma vertente Que Deus saúde me mande Que eu possa ver muitos anos

O céu azul do Rio Grande Te quero tanto, torrão gaúcho

Morrer por ti me dou o luxo Querência amada

Planície e serra Dos braços que me puxa

Da linda mulher gaúcha Beleza da minha terra

Meu coração é pequeno Porque Deus me fez assim O Rio Grande é bem maior Mas cabe dentro de mim Sou da geração mais nova Poeta bem macho e guapo Nas minhas veias escorre O sangue herói de farrapo

Deus é gaúcho De espora e mango Foi maragato ou foi chimango

Querência amada Meu céu de anil Este Rio Grande gigante Mais uma estrela brilhante

Na bandeira do Brasil

A letra claramente aborda temas que foram discutidos na sessão anterior deste trabalho, dedicada ao gauchismo. No que se refere especificamente à canção, a música gaúcha apresenta limitações para atingir um caráter nacional, até porque esse nunca foi um objetivo, conforme dito anteriormente, embora algumas delas ultrapassaram a fronteira rumo a outras regiões brasileira, principalmente via gênero sertanejo. Mas falando das características musicais que serão abordadas no decorrer da pesquisa, com certeza a música gaúcha influenciou bastante outros gêneros populares, principalmente o sertanejo.

Se abordarmos os principais ritmos, sempre teremos algumas canções que percorreram boa parte do país, com sotaque instrumental da gaita. Por exemplo a vanera É disso que o velho gosta, de Berenice Azambuja, foi gravada por Chitãozinho e Xororó no disco Raízes Sertanejas, no ano de 1996; eles são paranaenses e também regravaram ainda na década de 1970 a música

Barbaridade, que antes tinha sido gravada pelo grupo Os mirins, do gaiteiro

Albino Manique. O ritmo de xote com Panela Velha, de Sérgio Reis, ou Adeus

Mariana, de Pedro Raymundo. Até mesmo a música Milonga para as missões

que é a principal composição do gaiteiro Gilberto Monteiro, foi gravada por Renato Borghetti, mas a vendagem e popularidade maior veio através da gravação da dupla Victor e Léo, em 2007. Seria possível mencionar e comentar mais inúmeros exemplos, porém, não faz parte do objetivo desta pesquisa adentrar a fundo nesse âmbito; com estes casos, se quis apenas indicar que a música gaúcha, embora seja bairrista, atravessou as fronteiras para outros estados brasileiros. Em minha atividade musical, e no contato com outros

profissionais do instrumento, percebo que há pelo menos 15 anos o estilo gaúcho de tocar vaneiras vem sendo procurado em estúdios para gravações com o subgênero sertanejo universitário. Dentro deste segmento, um dos gêneros mais gravados na atualidade é a vanera, que veio com muita força na época da antiga banda de Michel Teló, Grupo Tradição, que tinha o repertório focado nas músicas gaúchas e sul-mato-grossenses sertanejas. Após o “boom” do Grupo Tradição, a vanera passou definitivamente a fazer parte da base do sertanejo universitário, que, não há como negar, tem grande popularidade no território nacional.

1.4 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS GÊNEROS MUSICAIS