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CAPÍTULO 3 – ESCOLA SERTANEJA-CAIPIRA DE ACORDEON

3.3 SANFONA CAIPIRA E SERTANEJA

Em uma cena do documentário OMSL episódio Sanfona caipira, em busca pela qual seria uma música caipira, quando interrogado se existe uma música caipira no acordeon, Nhozinho responde, dando a entender que a música caipira é a música sertaneja: “A música caipira? É a música sertaneja, né?” Um pouco adiante o mesmo diz que a música caipira fica “mais” pra viola (caipira), o que demonstra uma visão divergente da pesquisa e também de outros músicos que também são entrevistados durante o mesmo documentário.

E nós como “nascemo” no Triângulo Mineiro, nós faz uma fusão de tudo. (Nhozinho, Sanfona Caipira, OMSL).

Como característica dessa escola, encontramos todos os ritmos musicais citados nos capítulos anteriores e também de outros gêneros que ainda serão abordados em outros capítulos desse trabalho. Sendo assim, uma primeira característica apontada é justamente essa grande variedade de gêneros musicais presentes na região. Dentro da esfera sertanejo-caipira, encontramos, vanerão, baião, chamamé, valsa, rancheira, arrasta-pé e mais uma grande variedade de ritmos. Porém, obviamente, existem diferenças.

No episódio Sanfona caipira, após Nhozinho dizer que a música caipira se restringe mais à viola e a sanfona é uma coadjuvante, na próxima cena Jaime Gomide, músico da cidade de Ribeirão Preto, responde tocando o arrasta-pé

Feijão queimado, de autoria de José Rieli, com letra de Raul Torres. Na

sequência, David Saidel continua tocando a mesma música, deixando a entender a partir da troca de cena, que também concorda com Jaime. Posteriormente, Saidel complementa dizendo que, os gêneros musicais mais executados nos bailões caipiras do interior do estado de São Paulo são o xote, o arrasta-pé62 e a rancheira ganhando projeção através das composições de Mario Zan.

O xote, ritmo divulgado por Luiz Gonzaga nacionalmente, também era tocado na região sul desde a década de 1940 por Pedro Raymundo e os Irmãos

Bertussi. No caso da escola sertaneja-caipira, também se toca o xote, contudo,

a execução musical é diferente. No episódio Sanfona Caipira, o acordeonista David Saidel, faz uma demonstração de como seria o xote caipira paulista, que é muito parecido na forma de tocar de outros expoentes dessa escola, como o goiano Voninho e o mineiro Nhozinho. Contudo, é diferente do xote do gaúcho Edson Dutra ou do pernambucano Luiz Gonzaga.

No episódio Elias Filho, Dominguinhos aparece no vídeo junto com Dino Rocha e Elias Filho. Ao ouvir Elias Filho tocar um xote, o próprio Dominguinhos analisa de forma breve e destaca as diferenças, entre o xote nordestino e o xote sertanejo-caipira. Na demonstração, Dominguinhos toca o xote, Respeita

Januário de Luiz Gonzaga, no qual a harmonia passa por algumas funções do

campo harmônico maior como, dominante, sub-dominante, relativa menor, dominante secundária (V7/V7); em certos momentos até dá para perceber ele dando dicas da tonalidade por onde a música passa para que Dino e Elias possam acompanha-lo. Com um contrabaixo mais leve, em stacatto, no teclado a música passa por intervalos melódicos da escala maior, e do modo mixolídio no V7/V7. Do ponto de visto analítico, nada muito complexo. Harmonicamente o xote passa pelos três acordes maiores do campo harmônico. Um pouco adiante no mesmo episódio, aparece Dino Rocha solando um xote, no qual a harmonia se aproxima muito do xote de Elias Filho, ou seja, um tratamento harmônico mais tradicional na música sertaneja-caipira. Com uma característica que muda todo

62 O nome “arrasta-pé”, segundo Antônio Assalin seria porque ao ouvir esse ritmos não ficava

o contexto, os duetos dos baixos com as teclas, cantando como se fosse uma dupla sertaneja, de acordo com o que já trabalhamos na escola pantaneira.

Portanto, uma característica dessa escola é que a harmonia se restringe às funções principais da tonalidade, afirmação esta que em nada desmerece essa música, mas tem apenas o objetivo de diferenciar. Isso fica claro nos exemplos apresentados no episódio acima mencionados, mas pode-se também ser facilmente atestado numa escuta mais ampla do repertório63. Harmonicamente, boa parte das músicas trabalham com os três acordes maiores do campo harmônico maior, e muitas estão construídas em apenas dois acordes, fundamental e dominante, como por exemplo, a música Dois pra lá, dois pra cá de Voninho. Em algumas músicas, é incluída a função sub-dominante. Outras funções são menos frequentes e a utilização de acordes fora do campo harmônico ou modulações, são raras, assim como o uso do campo harmônico menor. O tratamento melódico também é bastante peculiar, com linhas melódicas que guiam a harmonia para os graus maiores do campo harmônico, basicamente na escala maior, majoritariamente em graus conjuntos. De um modo geral, esse tratamento harmônico é o mesmo empregado na música sertaneja de canção, que será abordada a seguir e nos ajudará a entender melhor o contexto em que a maioria dessas músicas foi composta.

Porém, existe uma outra faceta do instrumento, dentro do que chamamos de sertanejo-caipira, que é o estilo caipira de tocar de Mário Zan. Segundo Dominguinhos, no filme OMSL, quando se escuta o som da sanfona de Mario Zan, aí sim sabemos que estamos no estado São Paulo. "Quem mais aprimorou o estilo paulista foi Mario Zan”, afirma Dominguinhos, e essa não é uma opinião exclusiva dele. No documentário, houve outras afirmações nesse sentido deixando explicito a importância de Mário Zan para outros músicos.

Mário Zan se considerava um caipira, contudo, tinha o domínio do instrumento, músico, intérprete e compositor de diversas obras, dentre elas a música que ganhou o concurso de composições para comemorar o aniversário de 400 anos da cidade de São Paulo. A música Quarto centenário, embora

63 Fui criado e aprendi a tocar o instrumento ouvindo familiares que tocavam especificamente o

que aqui chamo de música sertaneja-caipira. Na cidade de Franca e região, era frequente a presença de expoentes dos gêneros sertanejos-caipiras, como Mário Zan, Voninho, Nhozinho, Elias Filho dentre outros, cuja performance tive a oportunidade de presenciar diversas vezes quando criança.

mantenha uma linguagem simples e intuitiva, é dividida em três partes: as partes A e C estão na tonalidade maior, passando por acordes de tônica, dominante e subdominante, mas a parte B apresenta um solo dos baixos no qual a música passa para o campo harmônico relativo menor. Zan demonstra uma maior desenvoltura, explorando recursos que outros representantes da mesma escola não apresentam. Não há aqui a pretensão de dizer que os demais não possuam esse tipo de conhecimento, e sim que esses conhecimentos ao menos não transparecem às claras nas principais músicas de suas respectivas obras. A utilização limitada dos recursos harmônicos disponíveis pode ser apenas uma opção estética e não implica necessariamente na falta de conhecimento técnico dos músicos. Afirmar o contrário – e muitas vezes as músicas que tem uma suposta simplicidade, são analisadas com certo menosprezo, percebidas como um gênero menos importante – seria cair num tipo de valoração estética da complexidade, que encontra seus adeptos, mas que também apresenta forte dose de autoritarismo.

O xote gaúcho, por exemplo, é bem marcado ritmicamente no primeiro tempo do compa/sso, e a virtuosidade também é marca gaúcha. Já o nordestino trabalha o fole de maneira diferente, na maioria das vezes não abre o fole em sua totalidade e usa muito do bellow-shake, “resfolego“ ou seja o abrir e fechar do fole, o que gera um swing natural do xote nordestino, harmonias que exploram pelo menos o campo harmônico maior. Os sertanejos, por sua vez, tocam de uma maneira simples, harmonia que geralmente gira em torno de dois ou três acordes e no andamento existem as duas vertentes, mais lento (78bpm) e mais rápido (88bpm); em alguns discos da época se encontra nas capas dos LP’s indicações do ritmo de xote um pouco mais rápido com o título de “corrido”. Portanto, as suas características são muito próximas do estilo das canções sertanejas, uma vez que esses estados são celeiros de duplas sertanejas do Brasil.

As característica exemplificada ao xote, na verdade se estendem aos demais ritmos, valsa, rancheira, arrasta-pé, batidão, bolero, rasqueados, guarânia, polca paraguaia. O batidão, como foi falado no início deste capítulo, se parece muito com o vanerão gaúcho. Arrasta-pés e dobrados são próximos, as maiores diferenças são percebidas quando muda o compositor. E quanto

mais o compositor se aprofundou em estudos, mais complexas ficaram as suas composições.