• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 – ESCOLA SERTANEJA-CAIPIRA DE ACORDEON

3.1 SERTANEJA-CAIPIRA

A respeito do título dessa escola, é importante ressaltar que o assunto é amplo e existem vários estudos, especialmente no campo das Humanidades e Ciências Sociais, tanto sobre a música caipira tradicional, como acerca da música sertaneja atual. Poderíamos chamar apenas de "escola sertaneja", porém, esse nome também poderia ser utilizado para certas músicas do nordeste, que também foram chamadas de sertanejas, ou então para aqueles que moram no sertão. Um exemplo disso é a música Lamento Sertanejo, de Dominguinhos, letrada por Gilberto Gil, que narra particularidades da vida do povo que vive no sertão nordestino. Além disso, o nome "sertanejo" ganhou outras conotações depois que passou a ser utilizado pelas duplas que queriam apresentar uma imagem mais moderna, como alternativa à expressão "caipira". De fato, o termo caipira, mais identificado com a tradição da cultura rural, especialmente do estado de São Paulo, teve uma associação com uma imagem pejorativa e um tanto preconceituosa do homem do campo. Porém, o termo caipira nos ajuda, no caso desta pesquisa, associado com a ideia de “sertanejo”, a situar o gênero musical que tem como berço os estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, que engloba tanto vertentes mais modernas, muito influenciadas pela música popular internacional, com aquelas mais tradicionais, que chamaremos assim de "sertanejo-caipira".

O episódio Sanfona Caipira foi gravado no interior de São Paulo, com acordeonistas das cidades de Franca, Batatais, Ribeirão Preto e São Carlos. Além do mineiro de Ituiutaba Nhozinho, durante o episódio, o entrevistador estimula um diálogo entre alguns músicos, com perguntas como: Você se considera caipira? O que seria essa sanfona caipira? Qual música seria a música caipira? E as respostas nos permitem fazer algumas observações importantes. Para o acordeonista David Saidel, de São Carlos, que mesmo tendo estudado e morado em São Paulo-SP se considera um caipira, “o termo caipira

é às vezes mal empregado, coloca-se o caipira como aquele que não sabe das coisas, ou atrasado”. Saidel continua a dizer “o termo caipira é ser brasileiro nato, gostar das coisas da natureza. Todos ‘nós’ temos um pouco do caipira. O caipira paulista, mesmo o caipira da cidade. Esse estigma de que o caipira é aquele do mato, não é bem por aí que se deve encarar o termo caipira”. Já Zé Miguel, outro músico entrevistado no documentário, residente na cidade de Batatais-SP, quando interrogado se ele é um caipira, ele responde com todas as letras e muita empolgação dizendo “eu sou caipira”.

Ah ser caipira é a coisa mais gostosa do mundo, não tem vergonha de falar tudo errado perto “dos outro”, e “vamo que vamo”. Os “outro” não acha ruim, porque a pessoa que é estudada sabe, a pessoa que é inteligente sabe que aquela pessoa, num tem o nível dele, não estudou igual ele. Então acaba sendo até “bão”... Não digo que os “home” estudado não é puro, mais o caipira é mais puro, com aquele jeitinho de burro dele né?! Acaba sendo mais gostoso ainda. (Zé Miguel. Sanfona Caipira. OMSL)

Já a musicista Martha Figueiredo, da cidade de Franca, quando recebe o mesmo questionamento responde:

Pra ser bem sincera pra você, eu sou até muito erudita e muito intelectual, porque psicoterapeuta e tal. Mas a minha raiz é caipira. Eu fui criada na fazenda, meu espirito é todo mineiro, eu comungo com a alma da terra. Você entende? E sinto que minha voz é a voz sertaneja, por mais que eu seja erudita, é o lado simples e sincero do caipira que me atrai. O simples fato de você pegar uma sanfona, você comunga com a alma do caipira. O acordeon te leva para o mundo do grupo, das festas populares, do encontro da dança, então, o simples fato de você manusear o acordeon, você já estaria revelando este lado caipira que todos nós temos (Martha Figueiredo. Ep. Sanfona Caipira, OMSL).

Poderíamos pensar essa escola como duas grandes vertentes. Por um lado, a sertaneja, ligada ao gênero musical que ficou associado ao termo sertanejo a partir dos anos 1970, no qual vários acordeonistas possuem suas obras ligadas a esse estilo musical, seja tocando com duplas, trios, ou como compositores de músicas sertanejas. Do outro lado, poderíamos pensar em uma escola ligada à música caipira mais tradicional, por vezes chamada "de raiz”. Uma vez que essa música foi a origem da música sertaneja atual, parece adequado incluir as duas vertentes numa única escola, devido à sua proximidade

musical, além de regional; ambas linguagens musicais possuem afinidades e derivam de um mesmo ramo da produção musical brasileira. Ambas estão muito ligadas.

A sanfona, junto ao violão e à viola caipira, faz parte de um tripé, um conjunto principal de instrumentação para a música sertaneja-caipira, que, ao longo do tempo, passou por diversas modificações. Em diversos momentos tiveram outros instrumentos, vistos como intrusos, como a guitarra elétrica e o teclado, porém, esse tripé instrumental se manteve firme e nunca saiu em definitivo do cenário. Houve sim, por influência de outros gêneros musicais, a entrada da guitarra elétrica em músicas de Léo Canhoto e Robertinho, Tião Carreiro e Pardinho e outros mais. As cordas friccionadas também marcaram presença nos anos 1980, sem contar a movimentação musical dos anos 1990, quando o sertanejo se tornou a música de maior vendagem no Brasil, liderados pelos Amigos61, Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó e Zezé di Camargo

e Luciano. Na mesma década, apareceu uma grande quantidade de duplas que dominaram as paradas de sucesso, tais como de Chrystian e Ralf, Gian e Giovani e João Paulo e Daniel. Os acordeonistas que acompanharam e gravaram com a maioria dessas duplas citadas acima eram Pinochio, Marinho e Marcelo Voninho. Embora, nesse momento, a sanfona e a viola caipira não estivessem em papel de destaque na linha principal de instrumentos no gênero sertanejo, era comum encontrar em CD’s e LP’s músicas com identidade da “raiz” sertaneja, porém as músicas que se destacavam nos veículos de divulgação, chamadas popularmente de “carro chefe”, nem sempre eram com sanfona e viola. Importante ressaltar que, ainda que essas faixas não fossem as principais músicas de trabalho, elas também não deixaram de existir. Por fim, nos períodos mais recentes, surgiu ainda o chamado “sertanejo universitário”, no qual a sanfona voltou ao lugar de protagonismo na formação instrumental caipira-sertaneja, da mesma forma que já havia acontecido outrora.

Para pensarmos desde quando a sanfona passou a fazer parte do contexto sertanejo, seria necessária uma pesquisa mais verticalizada para chegarmos a um momento específico. Segundo Marta Ulhôa,

61 AMIGOS foi um especial exibido pela Rede Globo de televisão, nos finais dos anos de 1995, 1996, 1997 e 1998. Durante esse período houve até um programa de entrevista e música sertaneja que era apresentado pelas três duplas: Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó e Zezé di Camargo e Luciano.

Em meados dos anos 1940 surgem modificações na música sertaneja com a introdução de instrumentos (harpa, acordeon), estilos (duetos com intervalos variados, estilo mariachi) e gêneros (inicialmente a guarânia e a polca paraguaia, e mais tarde o corrido e a canção rancheira mexicanos). Surgem novos ritmos como o rasqueado (andamento moderado entre a polca paraguaia e a guarânia), a moda campeira e o pagode (mistura de catira e recortado). A temática vai ficando gradualmente mais amorosa, conservando, no entanto, um caráter autobiográfico. (2004, p.60).

Porém, de acordo com o dicionário Cravo Albin, Antenógenes Silva gravou, no ano de 1937, com Alvarenga e Ranchinho, uma das primeiras duplas desse gênero, a música Cantiga Doída, de sua autoria com Alvarenga. Ou seja, difícil afirmar quando iniciou, mas desde essa época o acordeon se faz presente no gênero caipira mais tradicional e, depois, no sertanejo.