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Candomblé de Nação Angola

1. OS CANDOMBLÉS NOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS

1.4 Candomblés Angola e Queto: uma história de co-relação

1.4.2 Candomblé de Nação Angola

As co munidades religio sas de Cando mblé de Nação Ango la são também conhecidas co mo angola-congo ou congo-angola (doravante, Cando mblé Ango la). Esse cando mblé chegou ao Brasil através dos primeiros povos oriundos de algumas regiõ es da África Austral, os ant igos reino s de Ango la (Ndongo), do Congo, de Loango, de Matamba, de Kakongo, dentre outros.

Para se co mpreender a formação dos Cando mblés Ango la, é preciso considerar os grupos étnicos, lingüíst icos e as prát icas rit uais que fora m trazidas por esses povos da área banto. Segundo Mattoso, (apud Bo nvini & Petter, 1998:72-73) esses povos pertencem ao "ciclo do Congo e de Ango la, no sécu lo XVII". Ela registra os grupos étnicos e as línguas transplantadas:

a) quicongo: falada pelos bacongo, numa zona correspondente ao antigo reino do Congo;

b) quimbundo: falada pelos ambundo, na região central de Angola, correspondendo ao antigo reino de ;

c) umbundo: falada pelos ovimbundo, na região de Benguela, em Angola. Essas línguas africanas eram, provavelmente, faladas nos rituais dos primeiros tempos, ainda nos espaços contíguos às senzalas. Elas se const ituíram, naqueles tempos, em u m dos elementos estruturadores da recriação africana, co mo fator de reco nstrução do modus vivendi de povos que vivia m uma situação de apagamento de sua ident idade através do processo escravista.

a) Com plexo banto

Embora se considere, conforme atesta Mattoso, a predominância, entre os povos trazidos, ao Brasil, da área banto: os ambundos, do reino de Ndongo; os bacongos, do reino do Congo e os ovimbundos, do reino de Benguela, é possível constatar a presença de outras etnias, po is muit as pessoas eram capturadas mais para o int erior e levadas para a costa e para a principal região do tráfico de escravos: Calumbo, no rio Cuanza.

A área dos povos do grupo banto correspondia a ant igos e grandes impérios: Congo, Luba, Kuba, Lunda, dentre outros, cujas fronteiras geográficas, lingüíst icas e cu lturais eram bastante próximas.

Os império s Luba e Lunda são estreitamente ligados, visto ter sido o império Lunda fundado, no século XVI, por um grupo Luba exilado, sob a

liderança de Ilunga Tshibinda, um dos filhos do rei Luba, Kalala Ilunga. O reino Kuba expand ia seus limites através da co nquista de territórios viz inho s e possuía uma fronteira co mum, ao sul, co m os Lunda. E suas relações nem sempre foram pacíficas, havendo muitas guerras entre os do is reinos.

O reino do Co ngo do minava uma vasta região, formada por outros reinos: Ndongo, Loango, Matamba, Mpemba, Kakongo, Mpanzu, Soyo, Dembos, Quissama, dentre outros; alguns desses reinos eram seus vassa los e lhe pagavam tributos.

Ao sul do reino do Congo se situavam os reinos de Ndongo e de Matamba, sendo esse últ imo fundido ao primeiro através da sua conquista pela ra inha Jinga no final do século XVI.

Todos esses império s e reino s possuía m diversas pro víncias e inúmeros grupos étnicos. Os ambundos, por exemplo, const ituíam um grande e ant igo grupo étnico, que se subdividia em outros grupos: Ndongo, Songo, Lenge, Libolo, Hungu, Pende, Ndembu, Mbaka, Mbondo, Imbangala; todos esses grupos ambundos pertenciam ao reino de Ndongo. Cada um desses grupos era co mposto por clãs e as línguas faladas era m variantes do quimbundo (cf.Coelho, 1987; Hagenbucher-Sacripant i, 1973; Randles, 1968).

A vasta extensão do reino do Congo, com os limites dos reino s que se situavam em seu território, os limites das províncias e a fronteira lingüíst ica quicongo-quimbundo podem ser observados no mapa de Randles, (1968:22):

No século XVI, os portugueses encontraram esses reino s bem estruturados,

cujas fronteiras, observadas no mapa, na verdade, eram bastante elást icas. O reino de Ndongo, por exemp lo, se loca lizava entre o reino do Congo e o império Luba9, favorecendo as suas relações po lít icas e co mercia is, em alguns mo mentos, e, em outros, provocando os conflitos interétnico s. As guerras entre os reinos se sucediam, algumas vezes, buscando a expansão de seus territórios, e, em outras, lutando pela ema ncipação.

Alguns desses reino s possuíam inst it uições governamentais bastante avançadas e seus reis eram invest idos pe lo poder real através de um processo elet ivo. A base da eco no mia era, so bretudo, a agricu ltura, havendo também a caça, a pesca, a confecção de objetos de arte.

Os povos de línguas do grupo banto possuíam um co mplexo cult ural, religioso e lingüíst ico aparentado e uma cosmogonia bastante similar. Do is aspectos são considerados co mo elementos maiores do seu sistema religio so: o culto aos ancestrais e a divindades ligadas à natureza.

Pode-se constatar, no Brasil, em diversas co munidades de Cando mblé Ango la, termos e ele mentos mito lógicos oriundos não so mente dos povos trazidos dos reinos de Ndongo e do Congo, mas também de outros povos, co mo por exemplo, o mito do herói fundador do império Luba.

Esse império era um vasto território, cujas origens se referem ao mito de Nkongolo, divindade cultuada nos Candomblés Ango la so b a deno minação de Angorô.

b) Nkongolo: O m ito do herói civili zado r

Esse mito é uma epopéia das origens do Estado Luba e é narrado pelos depositário s da palavra, sendo reproduzido e publicado por alguns pesqu isadores.

Heusch (1972:19-39), acena para uma dezena de versões sobre o mito do heró i civilizador Nkongolo, a part ir de narrativas co lhidas por pesquisadores. Ele diz que, embora haja várias versões, elas concordam em mu itos pontos e se co mplementam. A mais ant iga delas data de 1913, co lhida por Père Co lle e as mais atuais datam de 1954, 1962 e 1964, recolhidas por Theeuws. E apresenta a versão de 1950, reco lhida por Orjo de Marchovelette: A Epopéia Nacional Luba co mo a mais detalhada. Segundo o autor, essa versão tem o

mérito de ter sido narrada por um depositário qualificado das tradições orais da chefia de Kabongo, Inabanza Kataba.

De acordo com essa narrat iva Nkongolo é o primeiro rei sagrado dos Luba ; ele possuía o [bulopwe] ‘poder sagrado’. Seus ancestrais são kiubaka-Ubaka ‘aquele que co nstrói inú meras casas’ e Kibumba-Bumba ‘aquela que faz mu ita cerâmica’. De sua união, nasce um casal de gêmeos de sexos diferentes que se unem incestuosamente. A part ir dessa união, vão acontecendo outras da mesma forma incestuosas. Nkongolo é originário de uma dessas uniões incestuosas e, ele próprio, une-se em inc esto com suas duas irmãs: Mabela e Bulanda. Ele submete sua autoridade por todas as terras do Oeste, porém sem herdeiros. Um dia, em seus do mínio s, aparece um estrangeiro, um caçador de no me Ilunga Mbidi Kilu we que vem a desposar as duas irmãs de Nkongolo. Após algum tempo de convívio, os dois se desentendem. O caçador desaprova o comportamento primit ivo de seu cunhado, principalmente, sua maneira de se alimentar, e seu riso aberto, mostrando os dentes, o que cons idera indigno de um re i sagrado. O caçador parte dos domínio s de Nkongolo, deixando as duas mulheres grávidas. Antes de partir, porém, encarrega o adivinho Mijibu de olhar pelas mulheres e, conseqüentemente, pelas crianças. Elas deram à luz dois meninos: o filho de Mabela se chamou Kisula e o de Bulanda, Kalala Ilunga. Algumas tramas engendradas pelo adivinho, logo colocam Nkongolo e Kalala Ilunga co mo inimigos. Kalala Ilunga, ajudado pelas tropas de seu pai, invade a cidade e Nkongolo, vendo-se sem saída, refugia-se numa caverna úmida, de onde sai, todas as manhãs, para tomar so l; por isso, é descoberto, capturado e decapitado. Sua cabeça e as partes genit ais foram co locadas dentro de um cesto em cima de um pequeno monte; na manhã seguinte, a cabeça havia desaparecido sob a terra e seu corpo fo i lançado nu ma cova oca no leito de um rio.

Baseando-se nas diferentes versões, Heusch analisa o mito da seguint e forma:

1. Nkongolo funda seu império entre do is cursos d’água: o lago Lwembe a Oeste e o rio Luabala a Leste. Assim, o trajeto percorrido entre o lago e o rio remete, imediatamente, à imagem do arco-íris reunindo dois cursos d’água;

2. A oposição entre úmido/seco: a parte superior do corpo de Nkongolo é co locada num pequeno mo nte, no alto; a parte inferior, enterrada de maneira

3. A decapitação de Nkongolo separa o ele mento seco, o arco-íris (na crença popular representa o fogo celeste) e o elemento úmido, associado às águas terrestres. O arco-íris apresenta as oposições: ele é, ao mesmo tempo, macho e fêmea; e une o fogo e a água;

4. A separação da cabeça do corpo de Nkongolo, o arco-íris, separa o fogo e a água; o céu e a terra. Isso inaugura a dialét ica das estações, a alt ernância das estações (estação das chuvas/estação das secas);

5. O arco-íris é associado também a uma enorme serpente de duas cabeças. Segundo uma crença Luba-Hemba, o arco-íris não é outro senão o vapor, a fumaça que sai da garganta de uma enorme serpente vermelha chamada kongolo.

O autor analisa o mito também em relação às diferenças entre o prime iro rei sagrado Nkongolo e o segundo, Kalala Ilunga da seguinte forma:

- Nkongolo: incesto / riso / maneiras alimentares primit ivas;

Kalala Ilunga: casamento hiperexogâmico / uso discreto da boca / maneiras alimentares refinadas.

Assim, Heusch faz uma reco nstrução, através da narrat iva dos depositário s da palavra, do passado histórico do império Luba. E as aventuras de Nkongolo, Mbidi e Kalala Ilunga remetem ao ciclo das estações, à oposição lua/so l/arco-íris, à cozinha ritual, ao incesto, cujos símbo los mít icos estão associados ao mundo da natureza, de onde tiram seus temíveis poderes.

c) Angorô: a divind ade do a rco-í ris no B rasi l

A (re)int erpretação desse mito, dentro das co munidades de Cando mblé Ango la, pode ser observada pelas transformações e associações que lhe são atribuídas.

As transformações ocorrem sob do is pontos de vista:

• do po nto de vist a lingü íst ico , o co rr e m muda nç as na su a de s ig nação de origem: nkongolo > kongolo > > hongol ô > ango lô > ang orô ; e adquire uma designação secundária, aparece na figura de angoromea, a fêmea.

• do po nto de vist a a nt r o po ló g ico , Nkong ol o pas sa d e her ó i fu nd ado r do império luba à divindade ligada às águas das chuvas; e, devido ao seu caráter andrógino, adquire dupla ident idade: masculina e feminina. A

sua metamorfose numa grande serpente de duas cabeças o liga ao poder da transformação.

As associações à chuva, ao arco-íris e à serpente de duas cabeças permit irão estabelecer as oposições entre os grandes ciclos da vida e da natureza: so l/lua; terra/água; macho/fêmea; vida/morte. No Brasil, serão essas associações que farão de Angorô uma divindade tanto temida quanto respeit ada dentro das co munidades de Candomblé Ango la.

Ele é cultuado como o dono das águas do s céus (chuva), do arco-íris; está ligado aos mo vimentos de subida e descida das águas. É também ident ificado co m a serpente de duas cabeças, cuja simbo logia é a ligação entre o céu e a terra. Por isso, as saudações lhe são feit as se despejando água de uma quart inha, geralmente, da chuva, no centro do barracão10; todos tocam as

mãos na água e na testa em sinal de reverência à divindade.

d) Divindade s cultuada s no B rasil

No item anterior fo i abordado o mito de uma das divindades cultuadas nos Cando mblés de Nação Ango la: Angorô. Além dessa divindade, há outras, cuja mito logia de origem africana não será abordada neste trabalho, por dificuldade de loca lização das fo ntes africanas. Entretanto, as divindades serão ident ificadas na apresentação de duas co munidades part iculares de Cando mblé de Nação Ango la no capítulo 2.

e) O culto ao caboclo

Nos Cando mblés Ango la e em algumas casas de Cando mblé Queto, é possível se observar além do culto às divindades, também o culto a ent idades encantadas.

A ent idade de caboclo, em transe de possessão nos adeptos, canta e dança cant igas e m português ao som dos atabaques. Algumas das cant igas entoadas vêm entremeadas de termos de outras línguas e, por vezes, até termo s ameríndio s.

Minhas observações são confirmadas pelas pesquisas bibliográficas e de campo quanto ao modo particular das Casas de Nação Ango la e algumas de Queto cultuarem o elemento indígena brasile iro.

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Essa cant iga é, geralmente, cantada pelo s adeptos numa festa-de-caboclo, fazendo uma saudação a todas as entidades de caboclo. Ela evidencia característ icas do indígena bras ileiro “caboclo guerreiro”; e le não pertence a uma nação indígena, mas à brasile ira; trata-se do indígena catequizado pelo s jesuít as.

Quando a própria ent idade de caboclo incorpora num dos adeptos, costuma fazer uma louvação à Casa.

Na cant iga abaixo, pode-se o bservar a inserção de termos de línguas africanas e a evocação de ele mentos da lit urgia católica.

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Gonçalves Silva (1994:121) apresenta alguns fatos históricos em relação aos índio s brasileiros para exp licar o seu culto nas religiões afro-bras ileiras:

Os ca boclos r epr esen tam o in dígen a enaltecido n a literatur a r omân tica e popular izado n a pajelan ça, n o catimbó e n o can domblé. /.../ Quan do in cor por ados, apr esen tam-se com o " católicos", e fr eqüen temen te abr em seus tr abalh os espir ituais com or ações do tipo pai-n oss o e ave-mar ia.

O culto ao caboclo nos Cando mblés Queto caracteriza mais uma influência dos ritos dos Cando mblés Ango la já abordados anteriormente.

Apesar do culto aos caboclo s ser uma marca dos Cando mblés de Nação Ango la, não tratarei dele neste estudo, podendo ser tema de um traba lho no futuro.

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