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Línguas e linguagens nos candomblés de nação Angola

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Academic year: 2017

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(1)

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

LÍNGUAS E LINGUAGENS NOS CANDOMBLÉS DE NAÇÃO

ANGOLA

Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Lingüística e Semiótica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de doutora em Letras.

Orientadora:

Profª Drª Margarida Maria Taddoni Petter

(2)

A mameto Loabá, mulher de força e sabedoria, que tive o prazer de conhecer e sentir todo o seu encanto...

Ouça no vento o soluço do arbusto: é o sopro dos antepassados ...

Nossos mortos não partiram. Estão na densa sombra. Os mortos não estão sob a terra.

Estão na árvore que se agita, na madeira que geme, estão na água que flui, na água que dorme, estão na cabana, na multidão;

os mortos não morreram ... Nossos mortos não partiram:

estão no ventre da mulher no vagido do bebê e no tronco que queima. Os mortos não estão sob a terra:

estão no fogo que se apaga, nas plantas que choram,

na rocha que geme, estão na floresta,

estão na casa,

nossos mortos não morreram.

(3)

Agradeço, primeiramente, às forças divinas, à minha força interior e ao meu Orixá Oxum.

Ora iê iê Oxum ibuana mefé mil ogun afiderioman. Ora iê iê ô!

Agradecimento especial ao povo-de-santo das duas comunidades de Candomblé Angola: Inzó Inquice Mameto Dandaluna Quissimbi Quiamaze, na pessoa do tateto Roxitalamim e Centro Religioso e Cultural das Tradições Bantu Ilê Azongá Oni Xangô, na pessoa da mameto Indandalacata e ao povo-de-santo das outras comunidades que me receberam com cordialidade e atenção.

Agradeço à CAPES pela bolsa concedida em 2005 para o meu estágio no CNRS/LLACAN/Paris, no âmbito do projeto CAPES/COFECUB, n° 511/05: “A participação das línguas africanas na constituição do português brasileiro”.

Há muitas pessoas que me ajudaram em todo esse caminho no Brasil e na França.

Do lado brasileiro, agradeço:

à minha família que sempre me apoiou;

à minha querida orientadora e amiga Profª Drª.Margarida M T PETTER pelo incentivo e apoio em todos os momentos;

a todos os meu colegas do GELA (Grupo de Estudos de Línguas Africanas);

a todos os meus colegas da EMEF Danylo José Fernandes, especialmente, à diretora da escola Professora Angela Cristina SCHIESS.

(4)

E agradeço a todos os amigos que sempre me incentivaram.

Do lado francês, agradeço:

ao Profº Dr. Emilio BONVINI, meu co-orientador, pelo apoio em todos os momentos, amizade e incentivo ao trabalho.

a todos os colegas do LLACAN.

Agradecimento especial a Paulette ROULON-DOKO e a Nicolas QUINT pela amizade e incentivo ao trabalho.

(5)

Este trabalho apresenta as línguas e as linguagens utilizadas nos Candomblés de Nação Angola, por meio do estudo de textos orais registrados em duas comunidades particulares e específicas: o Inzó Inquice Mameto Dandaluna Quissimbi Quiamaze (Inzó Dandaluna) e o Centro Religioso e Cultural das Tradições Bantu Ilê Azongá Oni Xangô (Terreiro Loabá).

O estudo visa a estabelecer ligações entre a linguagem e a vivência das práticas rituais. Nesse sentido, os textos coletados são situados no contexto de sua enunciação e analisados em sua expressão e conteúdo. Nesses textos foi possível identificar apenas um léxico de origem negro-africana.

(6)

This work presents languages used in the Candomblés of “Angola nation” by a study of oral texts recorded in two particular and specified communities: Inzó Inquice Mameto Dandaluna Quissimbi Quiamaze and Centro Religioso e Cultural das Tradições Bantu Ilê Azongá Oni Xangô.

This study aims to establish a link between the language and the factual experience in the practice of these rituals. The collected texts are situated in the context of their statement and are analysed in their expression and their content.

Finally, it was possible to identify only a vocabulary of Negro-African origin.

(7)

Ce travail présente les langues et les langages utilisés dans les Candomblés de la “nation” Angola au moyen d’une étude de textes oraux enregistrés dans deux communautés particulières et spécifiques: l’Inzó Inquice Mameto Dandaluna Quissimbi Quiamaze et.le Centro Religioso e Cultural das Tradições Bantu Ilê Azongá Oni Xangô.

Cette étude a pour but d’établir un rapport entre le langage et le vécu dans la pratique de ces rituels. Dans ce sens, les textes recueillis se situent dans le contexte de leur énonciation et sont analysés dans leur expression et dans leur contenu.

Ainsi, dans ces textes, il n’a été possible d’identifier qu’un lexique d’origine négro-africaine.

(8)

INTRODUÇÃO ...1

1. OS CANDOMBLÉS NOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS...8

1.1 Da África para o Brasil: processos de aculturação ...8

1.2 O culto às divindades no Brasil ...10

1.3 Os candomblés no Brasil...11

1.3.1 Nações de candomblé...13

1.3.2 Características gerais das nações de candomblé...17

a) O aprendizado...19

b) Os rituais públicos ...19

c) Iniciação ...20

d) Obrigação ...21

e) O sagrado e o profano: tênue fio divisório ...22

1.4 Candomblés Angola e Queto: uma história de co-relação ...23

1.4.1 Origens ...24

1.4.2 Candomblé de Nação Angola ...28

a) Complexo banto...28

b) Nkongolo: O mito do herói civilizador...31

c) Angorô: a divindade do arco-íris no Brasil ...33

d) Divindades cultuadas no Brasil ...34

e) O culto ao caboclo ...34

1.4.3 Candomblé de Nação Queto ...36

a) Complexo ioruba...36

b) Divindades iorubas cultuadas no Brasil...38

1.5 Nações de candomblé: formas de resistência contra a intolerância...39

1.5.1 Perseguições e intolerâncias ...39

1.5.2 Resistência ...40

a) Comunidades no Maranhão...41

b) Comunidades na Bahia ...42

c) Comunidades em São Paulo ...43

1.5.3 O espaço do terreiro, a religiosidade e o compromisso político-social...44

1.5.4 Nomes iniciáticos: marca de identidade e de resistência ...46

Considerações finais ...48

2. DUAS COMUNIDADES DE CANDOMBLÉ DE NAÇÃO ANGOLA EM SÃO PAULO ...49

2.1 Inzó Inquice Mameto Dandaluna Quissimbi Quiamaze ...49

2.1.1 Histórico da casa ...49

a) O espaço físico...50

b) A organização...52

c) A família-de-santo ...52

d) As divindades ...55

2.1.2 Os rituais : estrutura e funcionamento...56

a) A festa de Ogum ...58

Plano do humano...58

Plano do sagrado ...63

b) A iniciação...83

(9)

d) Congoluandê: rito simbólico da colheita ...97

2.2 Centro Religioso e Cultural das Tradições Banto Ilê Azongá Oni Xangô...100

2.2.1 Histórico da casa ...100

a) Espaço físico...101

b) A organização...102

c) A família-de-santo ...104

d) As divindades ...106

2.2.2 Os rituais: estrutura e funcionamento ...107

a) A festa de Angorô ...108

Plano do humano – 1° momento...108

Plano do sagrado – 2° momento ...109

Plano do humano – 3° momento...111

Plano do Sagrado – 4° momento...111

Retorno ao plano do humano – 5° momento ...121

b) A iniciação...122

c) Renovação: o rito simbólico da colheita ...130

2.3 Comparação entre as duas comunidades...131

3. A TEXTUALIDADE NOS CANDOMBLÉS DE NAÇÃO ANGOLA...133

3.1 Inzó Dandaluna...134

3.1.1 Discursos ...134

a) Discursos no ritual ...135

Discursos de abertura ...135

Discursos de encerramento...138

b) Discursos fora do ritual...141

3.1.2 Preces ...147

3.1.3 Diálogos...150

3.1.4 Saudações às divindades ...152

3.1.5 Cantigas ...154

a) Cantigas referentes à defumação ...155

b) Cantigas de louvação à pemba...157

c) Cantigas de louvação à Bandeira da Nação Angola ...158

d) Cantigas para a divindade Aluvaiá/Exu ...159

e) Cantigas para a divindade Incosse/Ogum...162

3.1.6 Lenda ...164

3.1.7 Expressões utilizadas no cotidiano ...169

3.2 Terreiro Loabá ...171

3.2.1 Discursos ...171

a) Discurso 1: festa referente aos ritos de renovação...171

b)Discurso 2: Dia do Indumbe...173

3.2.2 Saudações às divindades ...176

3.2.3 Cantigas ...179

a) Cantigas para a divindade Inzila ...179

b) Cantigas para a divindade Mutacalombo ...181

c) Cantigas para a divindade Zaze ...183

d) Cantigas para a divindade Angorô...185

3.2.4 Expressões utilizadas no cotidiano ...186

3.3 Comparação entre os textos das duas comunidades ...189

Considerações finais ...204

4. O LÉXICO NOS TEXTOS DOS CANDOMBLÉS DE NAÇÃO ANGOLA...206

(10)

4.2 Terreiro Loabá ...236

4.3 Comparação entre as duas comunidades...261

Considerações finais ...261

5. AS LINGUAGENS NOS CANDOMBLÉS DE NAÇÃO ANGOLA ...263

5.1 Gestualidade ...263

5.1.1 Entrada...264

5.1.2 Atividades propiciatórias...264

5.1.3 Bênçãos e cumprimentos...265

5.2 Dança ...266

5.2.1 A dança para as divindades ...267

5.2.2 A dança das divindades ...268

5.3 Música ...272

5.4 Cores ...273

Considerações finais ...276

CONCLUSÃO ...277

(11)

INTRODUÇÃO

Os cando mblés, no Brasil, são espaços privilegiados de manutenção dos valores de povos africanos oriundos dos ant igos reino s localizados nas regiões onde ho je se situam os países de Ango la, Congo, Moçambique, Benim e Nigéria.

Dessas regiõ es foram trazidas pessoas de diferentes etnias, cujo modo de ser e exist ir fo i capaz de criar so brevivências culturais, sociais e lingüíst icas em co ndições abso lutamente adversas devido ao processo escravista.

Podem-se observar as manifestações culturais de inspiração africana em todo o território brasile iro. Mas é nas co munidades re ligio sas de matriz africana que se encontra o centro dos cult os prestados às d ivindades trazidas, majoritariamente, pelo s povos ambundos, bacongos, fo ns e iorubas.

No Brasil, o culto às divindades fo i (re)interpretado de tal maneira que os ritos foram reorganizados, adquirindo aspectos diferenciados e, embora, mantenha a mito logia de origem dessas divindades, não é uma religião africana, mas afro-brasile ira, em que as característ icas se reestruturaram, dando vida a uma re ligio sidade brasile ira de matriz africana.

A invest igação sobre as diversas manifestações de culto às divindades africanas possibilita não so mente co mpreendê-las enquanto manifestações religiosas, mas é o ponto de partida para se estudar as co munidades de cando mblé enquanto locais de res istência e sobrevivência das línguas negro-africanas, po is elas const ituem um dos elementos estruturadores dessas co munidades.

(12)

Quiamaze e Centro Religioso e Cultural das Tradições Bantu Ilê Azongá Oni Xangô.

O objet ivo é analisar os textos orais dessas duas co munidades e ident ificar termos de línguas negro-africanas que aparecem nesses textos, buscando co mpreender esse universo afro-brasileiro através da palavra co munit ária, aquela que veio, aquela que ficou e aquela que fo i reno vada pelo s mais variados processos dentro das co munidades.

Corpu s e metodologia

Os dados obt idos para esse trabalho foram reco lhidos em duas co munidades part iculares e específicas de Cando mblé de Nação Ango la: Inzó Inquice Mameto Dandaluna Quissimbi Quiamaze e Centro Religioso e Cultural das Tradições Bantu Ilê Azongá Oni Xangô, a primeira na cidade de São Paulo e a segunda na cidade de Osasco.

Essas duas co munidades foram a base deste trabalho, no entanto, visit e i outras co munidades em São Paulo, em Salvador/BA e em São Lu is/MA que ofereceram dados importantes para comple mentação de alguns po ntos relevantes.

Realizei filmagens e gravações em fita K-7 co m os diversos informantes; presenciei rituais e conversei informalme nte co m adeptos, fiéis e estudiosos do assunto; filmei várias cerimô nias.

As filmagens so mam 24 fitas, num total de 48 horas. Gravei em fita K-7 as entrevistas e registro de cant igas, num total de 20 horas. Alé m dos filmes e gravações em fita K-7, há também cerca de 60 fotos.

Há 120 laudas referentes às transcrições. A sistemat ização e organização dos dados em planilhas EXCEL possui 151 textos de cant igas e, em relação ao léxico, 416 termos extraídos dos textos co letados, dos quais fo i possíve l analisar uma pequena parte.

(13)

terceiro, analiso os textos orais das duas comunidades, em relação à forma, ao conteúdo e ao contexto, buscando levantar a sua t ipo logia. No quarto, analiso termos extraídos desses textos, buscando ident ificar a língua negro-africana à qual pertencem, co m base na bibliografia de referência. No quinto capítulo, descrevo as linguagens dos gestos, da dança, da música e das cores nos cando mblés.

As transcrições foram organizadas, para cada co munidade, em vários arquivos, de acordo com o tipo textual: cant igas, diá logos, discursos, entrevistas e léxico.

A análise dos dados orientou a consult a da biblio grafia especializada: dicio nário s, gramát icas, teses, epopéias, livros sobre mito logia africana.

A organização do texto se dará da seguint e forma:

- Palavras que designam as divindades, as co munidades, os cargos hierárquicos e no mes iniciát icos dos membros das co munidades serão destacadas em it álico;

- As co munidades poderão ser designadas co mo casa, terreiro, barracão, co munidade dependendo do caso e do contexto;

- Todas as palavras de origem quimbundo, quicongo, ioruba, eve-fo m que constem ou não nos dicio nários de referência da língua portuguesa aparecerão em itá lico, como por exemplo: maionga/maiongas, inquice/inquices,

orixá/orixás, axé/axés etc., escritas de acordo com a grafia o fic ial segundo a norma gramat ical do português.

- Palavras ou expressões co nsideradas importantes dentro da ritualíst ica serão também destacadas em it álico, como por exemplo, arrebate, toque,

fundamento etc.

- Os ele mentos de palavras consideradas co mpostas estarão ligadas por hífen, co mo por exemplo: mãe-pequena, quarto-de-santo etc.

- Palavras das línguas negro-africanas: quimbundo, quicongo, umbundo, ioruba, eve-fo m terão a grafia de acordo com os dicio nários de referência dessas línguas;

(14)

Adj. adjet ivo

Adv. advérbio

Cf. conforme

Cap. capítulo

Conj. conjunção

Contr. contração Corresp. correspondente

F. formação

F.p. formação provável

Ior. ioruba

LP. linguage m popular

Pl. plural

Prep. Preposição

Pron.pess. Pronome pessoal Pron.poss. prono me possessivo

PS. povo-de-santo

(15)

1. OS CANDOMBLÉS NOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS

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Este capítulo visa apresentar, sob o ponto de vista antropológico, os cando mblés, no Brasil, buscando ident ificar os elementos históricos, lingüíst icos, sociais e po lít icos para a base da sua formação.

Essa apresentação buscará também mostrar os cando mblés co mo uma das formas de resistência, do século XVI aos dias atuais; prime iramente, contra a escravidão, e contra outras formas de opressão, de acordo com as estruturas polít icas e sociais brasile iras.

1.1 Da África para o Brasil: processos de aculturação

(16)

Moçambique, Benim e Nigéria, de modo geral, t inham suas prát icas rituais ligadas à família, à a ldeia, ao clã ou ao reino e diz iam respeito, sobretudo, à co let ividade.

Essas prát icas, entretanto, sofrera m transformações significat ivas, ainda em so lo africano, devido a alguns fatores externos, so bretudo, as guerras int erétnicas e o sistema escravocrata. Os povos ambundos, por exemplo, tiveram seus do mínio s invad idos pelos portugueses e foram transformados e m escravos e m seu próprio território.

Segundo Coelho (1987:27-53), os ambundos passaram por um processo de aculturação, na região de Calu mbo, no antigo reino de Ndongo, antes de sere m trazidos para o Brasil. As populações desse reino const ituem-se, ho je, após uma co lo nização e um processo de escravidão seculares, em um sub-grupo de um conjunto étnico ambundo que vive ao lo ngo do rio Cuanza. A ma ior parte das aldeias dos ambundos ocupa as provínc ias de Luanda, Bengo, Cuanza-Norte e Malanje.

O tráfico de escravos nessa região fo i intenso. Em Calumbo, no rio Cuanza, havia um porto onde embarcavam e desembarcavam pequenos navio s repletos de escravos, trazidos das mais diferentes lo calidades, sobretudo do int erior do continente.

Coelho aborda também a imposição ao catolicis mo aos escravos, numa tentativa de fazê-los abando nar seus hábit os, seus costumes e suas crenças. A participação dos escravos, ainda no continente africano e depo is no Brasil, nas missas rezadas em lat im, nos bat izados das crianças pelo s padres da igreja católica, na realização de casamentos e na enco menda da alma dos mortos ao deus cristão, não os afastará de suas crenças primit ivas, ocorrendo adaptações e reestruturações dos ritos ancestrais.

Assim, esse processo de do minação tanto física quanto psico lógica provocará a perda de muitas de suas práticas rituais, po is o processo escravista e co lonizador, na África, destrói os seus locais de culto e as estruturas familiares, clânicas, aldeãs. No Brasil, o escravo passará por um outro processo de destruição de seus valo res sociais, familiares e lingüíst ico s e, ao longo do tempo, a perda de sua ident idade étnica.

(17)

permit ido ao escravo ter ident idade; ele era considerado co mo co isa, não co mo pessoa e recebia tratamento de mercadoria, sendo-lhe negado todo e qualquer valor humano.

Apesar dessa desvalorização co mo ser humano e das imposições sistemát icas quanto ao uso da língua portuguesa e à prát ica da re ligião católica, os escravos encontraram meios para cultuar as suas divindades.

1.2 O culto às divindades no Brasil

No Brasil, algumas divindades não enco ntraram mot ivação para culto, tais co mo as da agricultura, porque as pessoas não se encontravam mais em suas aldeias; o processo escravista destruiu-lhes a co munidade aldeã, sua organização po lít ica e seu modo de vida familiar, impedindo a subsistência de estruturas sociais próprias.

Co mo pedir prosperidade às divindades agríco las para o senhor de escravos dentro de um sistema patriarcal e escravista, o nde o escravo era uma mercadoria co mprada nos mercados e praças públicas? O senhor de escravos era um senhor feudal que t inha sob seu olhar o capelão, a capela, o sistema econô mico, os escravos, os parentes, a família etc.; dentro desse sistema, tudo a ele pertencia.

Assim co mo o senhor de escravos exist ia aos mo ldes medievais, também o catolicis mo português era parte integrante de um sistema que t inha uma estrutura social baseada em valores ainda da Idade Média. Exist ia, nesse catolicis mo, todo um arrebatamento em relação ao sagrado e a religião const ituía-se em uma experiência corporal, cujo s elementos eram: a crença nos santos, as medalhinhas, as fitas, a água benta, as procissões, a música, as ladainhas, a defumação, os santos óleos, a figura do padre. As fest ividades e a missa cantada em lat im envo lvia m toda a comunidade numa mágica, cujo s mo vimentos de levantar, sentar, ajoelhar, caminhar em procissão pro movia m uma dança sagrada. Os escravos vão assimilar esses valores, incorporando-os ao culto de suas divindades.

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Os índio s brasile iros haviam observado os valores católicos do século XVI. Os elementos estruturais indígenas são similares às festas co m música e dança; a int ercessão do pajé; o culto e a devoção às almas; o transe, em que se va i para o mundo dos espíritos, além do fumo, ervas, instrumentos musicais.

Então, pode-se atestar que as três matrizes das religiões cató lica, africana e indígena possuíam elementos que se encaixavam, tornando possível um "diálo go" entre elas. E será, nesse contexto, que a religio sidade afro-brasileira desenvo lverá as característ icas próprias dessa realidade.

1.3 Os candomblés no Brasil

Designa-se pelo no me de cando mblé algumas religiões de origem africana, estruturadas dentro de uma infra-estrutura social brasileira, que se caracterizam, principalmente, pelo transe de possessão em seus adeptos e pelos processos iniciát icos.

Os cando mblés, ao sere m criados, no Brasil, co mo sistemas religio sos, entram em confronto com outros sistemas, tanto relig iosos quanto polít icos e sociais; isso porque as suas prát icas cultuais são invest idas de uma dinâmica e de uma funcio nalidade, capazes de exprimir formas culturais vindas de lo nge no tempo.

Os primeiros ritos foram duramente pro ibidos pelos senhores de escravos e pelos padres da igreja católica. Mais tarde, entretanto, os escravos conseguem burlar as pro ibições, mudando a configuração dos rituais, assentando os objetos sagrados de suas divindades emba ixo da terra, colocando por cima os santos católicos, cujas característ icas a elas fossem similares.

Os escravos cultuavam suas divindades junto com os santos católicos, a fim de camuflar seus cultos e conseguirem a sua so brevivência; o que, possivelmente, tenha dado origem ao processo de sincret ismo.

Os padr es pr efer iam acr editar n a justificativa d os n egr os qu e diziam ser os “batuques” h omen agen s aos san tos católicos feitas em sua lín gua n atal e com dan ças de sua terr a.

(19)

Grupos étnicos, línguas africanas e prát icas rituais são elementos a serem considerados na formação das co munidades re ligio sas de cando mblé que, na época do Brasil co lô nia, ainda não tinham essa designação.

Os calundus antecederam as Casas de Candomblé do século XIX e as atuais. Inicia lmente, até o iníc io do sécu lo X VIII chamo u-se, indist intamente, de

calundu as manifestações religiosas afric anas no Brasil (cf.Go nçalves Silva, 1994:43).

As prime iras manifestações do calundu, no Brasil, deram-se em co ndições bastante adversas, po is as divindades só podiam ser cultuadas na escuridão, nas matas e roças, espaços co nt íguos à senzala.

Alé m disso, o culto a inquice1 estabelecia muit as int erdições que deviam ser respeit adas e as divindades era m cultuadas em recipientes especiais, contendo elementos naturais que as representavam: água, terra, vegetais, pedra, ferro. Era necessário que esses o bjetos recebessem, em lo cal consagrado, oferendas de alimentos e sacrifício s de animais, co m a finalidade de renovar tanto a força das divindades quanto a de seus cultores.

Soma-se a essa dificuldade para a realização dos ritos, também o culto ao ancestral: um dos aspectos mais significat ivos dos cultos bantos. Segundo Bast ide (1985), "havia uma so lidariedade étnica entre os ind ivíduos e uma co munhão co m a relig ião ancestral". Isso porque o culto ao ancestral era (e ainda é) prat icado, na África, pela ma ioria dos po vos e possuía estreita ligação co m as famílias, co m os clãs, co m as linhagens.

Co mo no Brasil, os senhores t inham o escravo por "co isa" e não pessoa, não era necessário dar-lhe um enterro cristão. Na maioria das vezes, ele não tinha uma fa mília, devido à destruição do regime familiar e muitos haviam perdido o contato com um clã ou uma linhagem ancestral de seu conhecimento. Entretanto, por estar enraizado em várias etnias, e mesmo não tendo encontrado ambiente propício para prática tal qua l na África, esse culto conservou importantes aspectos através de at itudes e co mportamentos dos escravos diante da morte.

Essas (re)co nstruções do mundo africano não só permit iram aos povos oriundos da área do grupo banto realizarem seus cultos, co mo també m

(20)

possibilitaram a abertura de um caminho para outras etnias que chegaram ao Brasil, um pouco mais tarde, poderem praticar a sua relig ião ancestral.

Essas etnias, sobretudo iorubas e fo ns, sofreram uma influência cultural e lingüíst ica das línguas do grupo banto: cultural em relação ao sincret ismo estabelecido com a religião cató lica e a indígena; lingüíst ica através da utilização de palavras importantes para a ritualíst ica, co mo por exemplo, a própria designação da religião: candomblé.

Assim, o cando mblé é uma parte da África transplantada para o Brasil e, numa reprodução brasile ira, buscou uma organização hierárquica sócio-religiosa, inserida num mundo afro-brasileiro, no qual a figura mais importante é a da mãe ou pai-de-santo, caracterizando-se pela incorporação das divindades ou ent idades em seus adeptos.

Nesse mundo afro-brasileiro, há u m repertório lingüíst ico diferenciando as modalidades de cando mblé, às quais se dá o no me de nações e, embora as cerimô nias públicas seja m muito simila res em sua estrutura, cada nação

cultua as suas divindades em sua língua, chamada de língua-de-santo, cujos falantes se deno mina m povo-de-santo.

1.3.1 Nações de candomblé

No início do processo escravista, o termo nação era ut ilizado para agrupar os escravos segundo a sua procedência (cf.Karasch, 2000 e Mattoso, 1989).

No século XIX, o termo nação servirá para ident ificar a população escrava, genericamente, de acordo com o local de nascimento. A esse respeito, Mary Karasch (2000:36-37), esclarece:

No s écul o X I X, as pr in cipais divis ões d os es cr avos n o Ri o estavam

bas eadas n o lugar de n ascimen to: Áfr ica ou Br asil /…/ Um cativ o br asileir o pod er ia ser An tôn io cr ioulo ou M aria par da, en quan to os afr ican os ser iam An tônio An gola ou Mar ia Moçambique. /.../ No Ri o d o século XI X, as pr in cipais "n ações br asileiras" er am a cr ioula, a par da e a

cabr a; escr avos cr ioul os e par dos man tinham iden tidades e comun idades tão separ adas umas das outras quan to das nações afr ican as.

(21)

expressões, relac io nadas a uma nacio nalidade; isso, de certa forma, segundo a autora, tem ajudado na ident ificação de suas procedências étnicas.

Quan do os s en h or es n ão sabiam a n acion alidade de um escr avo, empr egavam vár ios t er mos par a in dicar a or igem afr icana, sen do um dos mais comun s o acr és cimo da expr es são "d e n ação" ao pr en ome cr istão, como: "An tôn io de n ação An gola". Quan do o escr avo er a de n ação des con h ecida, a expr essã o er a "n egr o de nação", ou "um afr ican o".

Kar asch, (2000:42-43)

Kat ia Mattoso, (1982:146-153) discute os seguint es po ntos sobre o termo

nação:

- o espaço urbano das grandes cidades irá facilitar a sociabilidade e a so lidariedade cultura l e religio sa por nações ou etnias muito mais do que o espaço rural;

- as prime iras co nfrarias formadas pelo s africanos ou descendentes se caracterizam pela separação em nações. Por exemplo, a confraria dos ango lanos não aceit ava pessoas de outras etnias. A part ir do século XVII I, elas se tornam mais abertas, aceitando a mistura étnica;

- os jorna is anunciam a fuga de escravos, ident ificando-os através da nação:

“Fugiu da fazen da Timbo, p er ten cen te a Ign ácio Bor ges d e Bar r os, uma es cr ava de n ome Maria, da n ação n agô /.../” (Jornal da Bahia, 23-1-1855) Mattos o, (1982:153)

“N o dia 31 de jan eir o fugiu o es cr avo min a /.../” (Jornal da Bahia, 14.11.1857)

Mattos o, (1982:153)

Segundo Bast ide (1985:82), inúmeras co nfrarias surgiram no século XVIII, principalmente devido ao incent ivo que era dado aos escravos, tanto pelo governo quanto pelos padres da igreja católica, para cultuarem os santos e virgens negros.

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confrarias e entre os fiéis: Confraria do Rosário dos Negros e Co nfraria do Rosário dos Brancos. Isso provocava numerosas brigas entre as confrarias pela disputa de poder e prestígio.

Essas confrarias const ituíam-se em formas de organização social, permit indo a co nservação de valores africanos; entretanto, vão reproduzir não só valores africanos co mo também católic os, uma vez que o indivíduo está em dois espaços ao mesmo tempo.

Karasch (2000) cita algumas informações transmit idas pelos estrange iros na ident ificação, no Rio de Janeiro, das origens da ma ioria dos escravos: Cabinda, Congo, Benguela, Moçambique etc. E, em relação a esses lo cais de procedência, a autora registra a sua preservação, justamente, nos locais o nde se prat icam as religiõ es de origem africana, evidenciando uma passagem do termo nação enquanto ent idade po lít ica para nação enquanto ent idade religiosa.

Ao agr upar os or ixás n a sétima linh a, ou afr ican a, os umban distas dividem ess es espír itos em set e gr upos, cada um com s eu ch efe: Povo da Costa, Con go, An gola, Ben guela, Moçambiqu e, Loan da e Guin é. Em outr as palavras, os n omes das n ações d o sécul o XI X tor n ar am-se agor a

n omes de falan ges de espír itos.

Kar asch (2000:44)

Essas sete linhas da Umbanda de que trata a autora enco ntram a sua orige m principal nas festas, tanto do Rio de Janeiro co mo em São Paulo, em que se faziam (e fazem) representações sobre a coroação do rei e da rainha do congo, as conhecidas congadas, nas quais aparecem sete nações.

No que diz respeito aos Cando mblés, as confrarias servirão de núcleos para a sua formação, pois seus me mbros eram os mesmo s que, mais tarde, irão formar os prime iros terreiros, o que contribuirá para a difusão do termo

nação, definindo-o em diferentes mo dalidades de culto que podem ou não possuir vínculo s ét nicos. Lima (1984:19) faz a dist inção entre etnia segundo a modalidade de rito e etnia da qual descende a pessoa:

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nação-de-can domblé. Por que, n o cas o de An inh a, ela mesmo er a e se sa bia, etn icamente, descen den te de afr ican os gr un ces...

As nações de candomblé estão divid idas, principalmente, em: Angola,

Queto, Jeje-mahin, Ijexá, Caboclo. Entretanto, nenhuma delas é iso lada em s i mesma; há muitas semelhanças e correspondências no culto às divindades, além dos emprést imo s lingüíst icos, embora cada u ma possua a sua própria ident idade cultual e lingüíst ica, buscando manter um léxico que as possa ident ificar e diferenciar. Pessoa de Castro (1981:61) apresenta uma divisão das nações mais co nhecidas:

... VODUM (étimo fon) entre as “nações” JEJE; de ORIXÁ (étimo yorubá) entre as “nações”NAGÔ, QUETO, IJEXÁ; de INQUICE (étimo

banto) entre as “nações” CONGO, ANGOLA.

Essas nações de cando mblé passaram por processos de transformações ao lo ngo do tempo. Pelo menos do is desses processos são bastante discut idos na atualidade. Trata-se do “branqueamento” e da “(re)africanização”.

O “branqueamento” é um processo pelo qual, gradat iva mente, fo i ocorrendo uma presença, nos Cando mblés, de pessoas que não possuem, ou possuem em menor grau, uma ligação ou parentesco co m alguma etnia africana. Esse processo acontece muito mais nos Estados do sul e sudeste do Brasil, o que é co mpreensível, visto a grande mistura de descendentes de europeus nessas regiões. Na cidade de São Paulo, por exemplo, pode-se encontrar mães e pais-de-santo de origem européia, co mo portuguesa, espanho la, italiana, alemã, dentre outras.

A “(re)africanização” é um processo bastante discut ido entre os adeptos do cando mblé. Consiste na busca das origens ét nicas e, conseqüentemente, lingüíst icas das co munidades, reivindicando, cada qual, uma “pureza” étnica. Há alguns adeptos que se (re)inic iaram2 com babalaôs iorubanos; uns foram

até os países iorubas, nas regiões da Nigéria e do Benim; outros, os trouxera m ao Brasil, especia lmente, para a realiz ação dos rituais. Trata-se de um processo que tem uma ocorrência maior entre os adeptos dos Cando mblés de

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Nação Queto, mas adeptos de outras nações, de forma menos propagada tê m buscado um retorno às origens africanas.

A (re)africanização coloca em co nfro nto dois mundos: o afro-brasileiro, co m toda a sua história de luta para a preservação do culto às divindades, as (re)significações e (re)int erpretações desde a época da escravidão, e o africano, de regiões do minadas pelo s europeus, cujos cultos, lá mesmo, na África, passaram por transformações e adaptações várias, co mo o fato de muitos africanos do ant igo reino do Congo, terem entrado em contato com os valores cristãos, no século XVII, antes de serem trazidos ao Brasil. Assim, a pergunta que cabe é: será que existe pureza ét nica na África atual? (se é que algum dia ela exist iu); ou ainda, será que existe pureza ét nica e m algum lugar do mundo?

Assim, será essa diversidade histórica que poderá explicar o fato de os adeptos dos Cando mblés reivindicarem pertencer a u ma nação, cujo termo adquiriu seu sent ido atual de região africana de origem. O seu significado permit e dist inguir algumas modalidades rituais, em relação a cada co munidade de culto, sua história de fundação e de estruturação de acordo co m sua raiz africana cultural e lingüíst ica.

O termo nação, de acordo com os meus informantes, é sinô nimo de raiz. Pertencer a uma nação significa ter uma raiz na qual se apo iar para poder transmit ir aos inic iados o que eles denomina m co mo fundamentos-da-nação

que, mesmo distante no tempo e no espaço, estão ligados a uma visão de mundo africana.

1.3.2 Características gerais das naçõe s de candomblé

Embora essas nações de candomblé possuam aspectos que as diferenciem, sobretudo em sua língua ritual, cujas palavras estão ligadas a uma língua negro-africana, observam-se muit as correspondências e se melhanças entre as várias nações, tais co mo:

1. caracterizam-se pelo transe de possessão de divindades ou ent idades e m seus adeptos, mesmo havendo algumas pessoas que não vivem a experiência da incorporação;

2. as divindades são deno minadas de santo;

3. são espaços, cujas deno minações variam entre: barracão, roça,

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4. realização de festas públicas, também denominadas toques; 5. danças no sent ido ant i-horário ;

6. o uso de roupas próprias para as festas;

7. instrumentos musicais, so bretudo, os de percussão aco mpanham as cant igas ded icadas às divindades e às ent idades;

8. na entrada, há assentamentos da divindade ou divindades protetoras da co munidade;

9. seus adeptos passam por um processo de inic iação para uma divindade pessoal, durante o qual vive m um período de recolhimento, cumprindo determinados preceitos, dando iníc io à sua formação religio sa;

10.após a iniciação, periodicamente, renovam as forças divinas e as suas próprias através de novos reco lhimentos e cumprimento de preceitos, ao qual se dá o nome de obrigação;

11.as d ivindades ou ent idades são ho menageadas através de o ferendas de sacrifício anima l e de alimentos à base de cereais, tubérculo s e vegetais;

12.o salão principal, lo cal o nde se realizam as festas, cujo no me mais co mum é barracão, possui uma ligação, vis ível ou não, entre o chão e o teto. No alto há um recipiente de barro, de louça ou de outro material que contém certos ele mentos rituais; no chão, embaixo da terra, são também co locados certos elementos rit uais. Esses do is espaços são revest idos pelo sagrado, têm diferentes simbo logias e se co nst ituem e m um dos fundamentos da casa;

13.os fundamentos se configuram em elementos utilizados nos rituais, mas também significam os co nhecimentos adquiridos ao lo ngo das experiências sacerdotais e que remetem à iniciação da mãe ou do pai-de-santo;

14.os membros de uma co munidade são ligados pelos laços iniciát icos e se const ituem na família-de-santo, co m avós, pais, t ios, primo s, so brinho s, irmãos etc.;

15.seus textos se caracterizam pela transmissão oral;

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a) O aprendi zado

O aprendizado acontece no dia-a-dia, na vivência socioreligio sa, co m base na oralidade, através da repet ição sistemática de seus textos. Entretanto, pude constatar a existência de textos organizados em apost ilas para a facilit ação do aprendizado; essa prát ica já exist ia nas comunidades co m os seus ant igo s

cadernos-de-fundamento a que só tinham acesso os “mais velhos”.

A elaboração de apost ilas por parte de algumas co munidades está apo iada em bibliografias de referência em que algumas pessoas das co munidades de Cando mblé, sobretudo, os seus dirigentes adquirem: dicio nário s, gramát icas e outros tipos de textos escritos por soció logos, antropólogos, etnólogos, historiadores, lingüistas, referentes às suas origens mít icas. Um dos autores mais conhecidos pe lo povo-de-santo é, sem dúvida, Pierre Verger.

No Inzó Dandaluna, por exemplo, o tateto Roxitalamim possui os dicio nário s de quimbundo e quico ngo, além de outras obras.

A esse respeito, Lima (1984:18) apresenta o seu testemunho:

Em São Paulo mesmo, r ecen temen te, en con trei, n um terr eir o que eu costumava fr eqü en tar , quan do estava lá, uma bibliogr afia in vejá vel sobr e os can domblés da Bah ia.

A organização dos textos orais, alé m dos livros e textos publicados, está apo iada também no int ercâmbio, so bretudo comercial, co m africanos de diversas procedências: vendedores de objetos ritualíst icos, obras de arte, roupas etc. e que costumam freqüentar as rodas-de-candomblé.

As formas de aprendizado, então, fazem parte de um sistema da modernidade e algumas adaptações são realizadas, nas diferentes co munidades, a part ir dos conhecimentos adquiridos através dessas fo ntes. Apesar disso, prevalece, ainda, no seio de cada casa, a forma de aprendizado ant iga, baseada na prát ica do cotidiano.

b) Os rituai s público s

No Cando mblé, os rituais ou cerimô nias possuem, pelo menos, duas designações populares: festa ou toque.

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co munidade. E, somente após fazer as oferendas a essa divindade é que se farão as o ferendas às dema is que serão homenageadas na festa.

Assim co mo as o ferendas, as saudações e cant igas sempre se inic iam pela divindade guardiã e são encerradas pela divindade conhecida co mo “o pai de todas as cabeças” (Lemba, nos Cando mblés de Nação Ango la; Oxalá, nos Cando mblés de Nação Queto).

Essas o ferendas caracterizam-se pelo sacrifíc io de anima is ded icados às divindades e co midas preparadas para cada uma delas à base de cereais, tubérculo s, farinhas, frutas, legumes etc. Durante os sacrifício s ritua is e oferendas são proferidas palavras, executam-se cânt icos e preces, há possessão das divindades.

De modo geral, as casas de cando mblé possuem um calendário anual de

festas. As ma is populares são aquelas dedicadas às divindades cult uadas e conhecidas em âmbito nacio nal: festa de Ogum; festa do Congoluandê3, nos cando mblés de nação ango la, do Olubajé4, nos cando mblés de nação queto;

festa de Erê, mais conhecida co mo festa de Cosme e Damião5; festa de

Iemanjá; bala io de Oxum; festa de Oxosse; festa de Exu6, dentre outras.

Há outras festas relacio nadas à organização própria de cada co munidade, co mo por exemplo, aquelas dedicadas à d ivindade patrona da casa ou ent idades especiais, geralmente, da mãe ou pai-de-santo.

Alguns t ipos de rituais são realizados conforme a necessidade dos filhos-de-santo. São dois t ipos de rito: iniciação e obrigação.

c) Iniciaç ão

Uma iniciação imp lica mu itos dias de reco lhimento da pessoa que será inic iada. Durante esse período, acontecem os rituais propiciatórios. Uma pessoa pode ser iniciada sozinha ou junto com outras pessoas; quando esse últ imo fato ocorre, dá-se o no me de barco: barco-de-muzenza, nos Cando mblés Ango la e barco-de-iaô, nos Cando mblés Queto.

A inic iação de algué m, numa dada co munidade, envo lve a todos por sua importância, po is representa o aumento da família-de-santo. Geralmente, o inic iando terá, além da mãe ou pai-de-santo, também ligações mais próxima s co m outras pessoas, tais co mo:

3 As festas dedicadas a Ogum e a do Congoluandê estão descritas no cap.2. 4 Olubajé: banquete do rei. Festa dedicada a Omolu (ver cap.4).

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- a mãe-criadeira ou o pai-criador: pessoa designada para cuidar do inic iando ;

- a mãe-pequena ou o pai-pequeno: pessoa que pode auxiliar o iniciando, durante todo o seu período sacerdotal, na ausência da mãe ou pai-de-santo; - a madrinha ou o padrinho-de-santo: pessoa que pode ou não ter uma ligação co m a casa.

No dia da festa pública, para apresentação da noviça (ou noviço) à co munidade, a mãe ou pai-de-santo esco lhe uma pessoa pertencente ao alto clero dos Cando mblés, via de regra, uma outra mãe ou pai-de-santo de outra co munidade e lhe o ferece a noviça co mo afilhada.

A madrinha ou padrinho-de-santo, então, tomará a noviça, incorporada de sua divindade, pelo braço e passeará com ela pelo barracão, so licit ando-lhe que revele o seu no me à co munidade.

Trata-se de um mo mento de suspense, po is tudo pode acontecer, como, por exemplo, a divindade recusar-se a revelar o seu no me; o que será mu ito ruim para a mãe ou o pai-de-santo que será bastante crit icado pelo povo-de-santo.

A int erpelação à divindade obedece a uma seqüênc ia, justamente, para aumentar esse suspense, que consiste em se fazer o pedido por três vezes; na primeira e segunda vez, a divindade diz o seu no me no ouvido da madrinha ou

padrinho que, ainda no contexto do suspense, pergunta ao público:

–Vocês escutaram? – todos gritam: –Não! – então, diz be m alto:

–O povo não lavou o ouvido, hoje, meu pai... – e todos riem e faze m co mentários descontraídos, embora haja certa tensão. E pede que a divindade grite o seu no me para que todos ouçam7.

E a divindade, na terceira vez, dá três vo ltas sobre si mesma, co m as mãos erguidas para o alto e grita o seu no me, desencadeando vários transes de possessão em muzenzas e iaôs.

d) Obrigaç ão

Dá-se o no me de obrigação aos rituais realizados ao lo ngo da carreira sacerdotal dos adeptos do cando mblé após terem passado pela iniciação.

7 Em várias comunidades de candomblé em que presenciei esse momento, escutei da madrinha ou padrinho, a seguinte expressão: “Em nome

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A obrigação implica reco lhimento da pessoa, porém leva menos dias do que a inic iação e tanto o tempo entre uma obrigação e outra quanto o número de dias de reco lhimento dependem dos fundamentos da casa. As obrigações

fazem parte do processo de formação sacerdotal, pois cada uma significa uma etapa que se caracteriza por intensific ar a aprendizagem e aquis ição de conhecimentos e, sobretudo renovar as forças da pessoa e de suas divindades.

e) O sagra do e o profano: tênu e fio divisório

Nos cando mblés, os espaços sagrado e profano não podem ser tratados com muit a rigidez, po is trata-se de um universo religio so diferenciado de outras religiões, sobretudo do crist ianis mo, cujos espaços são, visive lmente, dist intos, pois tem, via de regra, o sagrado como um espaço fechado.

Numa igreja católica tradicio nal, por exemplo, até a voz tem que ser utilizada em tom bem baixo, po is pressupõe-se que falar um pouco mais alto perturbará a paz reinante no ambiente. As religiõ es de origem africana não têm essa mesma visão do espaço sagrado; ele é um espaço, antes de ma is nada, aberto e não tão formal. Em sua liturgia são empregados cânt icos aco mpanhados por instrumentos de percussão e outros instrumentos metálico s (agogô, adjá) e t ipos diferentes de chocalhos (xequerê, maracás)8.

Os cânt icos desencade iam transes de po ssessão, havendo a co municação das divindades através de seu grito característ ico, chamado ilá que ocorre no iníc io, durante e no final das incorporações.

As cant igas são entoadas ao mesmo tempo em que se dança numa roda que gira em sent ido ant i-horário. Nos Candomblés Ango la, essa roda possui o no me de cassambe e nos Cando mblés Queto, xirê. Os cânt icos e danças co mpõem uma construção da história mít ica de deuses e deusas, ora chamando-as a descerem à terra, ora reverenciando a sua chegada, ora prestando-lhes ho menagens, ora se despedindo.

Assim, acontece uma relação temporal entre os espaços do sagrado e do profano, perfeitamente mutável, co nforme o rito e os fundamentos das casas. Em alguns mo mentos, a mudança de um espaço para o outro pode ser bastante sut il, quase impercept ível; em outros, bastante vis ível. E, algumas vezes, os dois espaços podem aparecer mesclados, co mo por exemplo, nas festas de caboclo que se caracterizam pela existência de mo mentos sagrados e pro fano s

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a um só tempo: sagrados porque se trata de ent idades invest idas pelo sagrado, que “descem na terra” através do transe de possessão imbuídas pelo divino ; mas, profano, pois essas mesmas ent idades sagradas bebem bebidas alcoó licas e fumam charutos. Isso não as torna menos divinas, apenas co m outra característ ica divina, diferente do orixá ou do inquice.

1.4 Candomblés Angola e Queto: uma história de co-relação

Os Cando mblés de Nação Ango la e os Cando mblés de Nação Queto têm uma história de ident idade, de co-relação, embora seja notória a influência da segunda nação nas co munidades afro-brasile iras de mo do geral.

A questão do predomínio dos Cando mblés Queto sobre outras nações é discut ível e se podem constatar elementos dos Cando mblés Ango la e m Cando mblés Queto, como, a própria designação de Candomblé para definir as práticas religio sas de ambo s os ritos. Há, pelo menos, do is outros aspectos importantes dos Cando mblés Ango la adotados pelos Cando mblés Queto: o culto aos caboclos, co mo ancestral e dono das terras brasileiras e o sincret ismo católico.

O culto aos caboclos fo i incorporado à lit urgia de muitos Cando mblés Queto, mesmo os mais ortodoxos e, somente na atualidade, co m o processo de (re)africanização é que algumas co munidades deixaram de prat icá-lo, mas não todas.

O sincret ismo católico é um outro aspecto bastante evidente em muitas Casas de Queto. O emprego do termo santo co mo sinô nimo de orixá e a lavagem das escadarias do Senhor do Bonfim, em Salvador, atestam essas afirmações.

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Assim, farei um breve estudo histórico, para levantar alguns pontos e verificar co mo se dá a co-relação entre os Cando mblés Ango la e Queto e quais são as suas origens.

1.4.1 Origens

Do século XVI ao XIX, vieram para o Brasil, co mo escravos, cerca de 4 milhõ es de africanos. Alguns autores, como Edison Carneiro (1991:29-30),

dividem os povos vindos da África para o Brasil, generica mente, em do is grandes grupos: sudaneses e bantos.

Os povos do grupo lingüíst ico banto foram trazidos através do tráfico de escravos de uma vasta extensão territorial, conhecida e citada pelo s historiadores, co mo sendo os ant igos reinos de Ango la e do Congo, e també m de Moçambique. Esses povos foram levados, princ ipalmente, para o Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro.

Os sudaneses foram trazidos das regiões mais conhecidas co mo Costa do Ouro e Costa dos Escravos, no Golfo da Guiné. Genericamente, essas regiões ficaram conhecidas co mo Costa da Mina.

A Costa do Ouro compreende as regiões onde ho je se situam os países Togo e Benim. Dessa área foram trazidos os fant is, moradores do litoral e axant is, do interior. Esses povos foram levados para os Estados de Minas Gerais e da Bahia, recebendo, a deno mina ção genérica de minas.

A Costa dos Escravos co mpreende as regiões também do Benim e da Nigéria. Dessa área foram traz idos os iorubas (chamados de nagôs). Os iorubas foram levados para a Bahia; os fo ns (chamados de jejes) e eves fora m levados para a Bahia, Recife e São Luís (cf.Carneiro, 1964:44).

Esses povos sudaneses foram trazidos, maciça mente, já ao fina l do tráfico de escravos em 1850. Por essa época, os iorubas eram ma joritário s na cidade de São Salvador, na Bahia, conforme atesta Mattoso (1988:104):

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Então, conforme as afirmações da autora, é provável que, devido à chegada mais recente e por serem mais numerosos, em Salvador/BA, os africanos oriundos da África Ocidental tenham conservado mais as suas característ icas ancestrais e lingüíst icas, além do fato de não haver, por essa época, uma separação dos núc leos familiares tão acentuada co mo no iníc io da escravidão.

A esse respeito, Pierre Verger (2000:23) argumenta:

O r itual cer imonial nago (e, em men or gr au, o dos djèjè) é aquele qu e, n a Bah ia, melh or con ser vou seu car áter afr ican o e in fluen ciou for temen te o de outr as “n ações”.

Historicamente, a divulgação dessas característ icas ancestrais e lingüíst icas pode ser observada em relação a alguns fatores relevantes.

A primeira casa de cando mblé fo i fundada no século XIX por três mulheres nagôs: Iadetá, Iacalá e Ianassô, na cidade de Salvador/BA; trata-se da Casa Branca do Engenho Velho, que existe até ho je co m o no me de Ilê Axé Ianassô

(cf. Bast ide, 1961, Gonçalves Silva, 1994).

A estrutura das casas de cando mblé seguiu, desde essa primeira, o modelo ioruba de organização e se co nst ituem em co munidades hierarquizadas em que a liderança religio sa está centrada na figura da mãe ou pai-de-santo.

A sucessão, nessas casas, só acontece após a morte de seu dirigente. E ne m sempre acontece co m tranqüilidade, podendo ocorrer desacordos quanto ao esco lhido para dir igir o terreiro. Por ocasião da sucessão no Ilê Axé Ianassô, houve diss idências que culminaram co m a abertura de do is outros terreiros

em Salvador: o terreiro do Gantois e o Ilê Axé do Opô Afonjá.

Antes mesmo da fundação ofic ial da Casa Branca do Engenho Velho, há informações, através dos relatos de velho s iorubas, sobre a presença de africanos vindos da África, por vo lta de 1830, especialmente, para a realização de cerimô nias em Salvador/BA (cf.Mattoso,1982:150).

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Em meados da década de 60, houve um processo cultural e social muito int enso em todo o país, cujo s valores se vo ltaram para a cult ura popular: o bo m e o belo era prest igiar a nossa cultura, a cultura negra.

Nessa época, o cando mblé encontra prest ígio através da divu lgação de obras literárias, so bretudo os livros de Jorge Amado e as músicas dos cantores baianos, ho menageando as casas de cando mblés mais ant igas da Bahia, tornando-as conhecidas de norte a sul do Brasil. Caetano Veloso, compositor brasileiro, co mpõe a música "Oração a Mãe Menininha", em ho menagem à

ialorixá do terreiro do Gantois, dando a Maria Esco lást ica da Co nceição Nazaré uma popularidade até ho je não superada por outra mãe-de-santo.

Assim, devido aos fatores históricos abordados, a part ir da década de 60, é possível atestar muitos termos do ioruba se tornarem de do mínio público, principalmente, através das cant igas que revelavam a mito logia dos orixás nos Cando mblés Queto, como por exemplo, a seguinte cant iga:

Nes sa cidade t od o mun do é d e Oxum / Hom em, men in o, men ina, mulh er / ... / Pr esen tes n a água doce, pr esen tes n a água salgada e toda a cidade é d'Oxum /.../

(Calazan s, discos Ar iola)

Essa cant iga fala do mito de Oxum e de seu do mínio em um dos elementos da natureza: a água. Assim co mo essa cant iga, há outras, abordando os mito s dos orixás, focalizando seus do mínio s na natureza, suas característ icas e suas relações co m os seres humano s.

Co m isso, o Cando mblé Queto ganhou prest ígio e visibilidade de norte a sul do país e, conseqüentemente, acabou por influenciar outras nações de cando mblé; uma delas é o Cando mblé Ango la que assumiu o seu panteão, tendo muitos terreiros adquirido a no menclatura de Candomblé Angola-Queto.

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A própria palavra que designa os ritos: candomblé é de ét imo qu imbundo e significa "reza, louvação, pedir pela intercessão dos deuses e local onde se realiza o culto" (cf.Pessoa de Castro, 2001:196).

O Cando mblé Queto recebe influências lingü íst icas também da língua fo m, conforme atesta Lima (1984:16):

Nas casas-n agôs, p or exemplo, quan do s e dá o n ome da in iciação, os n omes dof ona, dof onitinha, ga mo, gamutinha, essas palavr as n ão sã o n agôs, mas são palavr as gen uin amen te fõ, de uma outr a lín gua, são palavr as de n ação-jeje qu e os n agôs empr estaram e assimilar am n o seu corpus r itual.

O culto ao inquice, no Brasil, é mais ant igo do que o culto ao orixá e, por isso, algum léxico de línguas do grupo banto permaneceu no interior dos cultos afro-brasile iros de modo geral.

Há algum tempo, teve iníc io um processo de “reafricanização” nas co munidades de Cando mblé Queto, e muit as casas subst ituíram palavras importantes de sua ritualíst ica, cuja origem era do quimbundo ou do quico ngo pelo ioruba. É o caso de quizila (interdito) do quimbundo, subst ituída por euó

(interdito) do ioruba (cf.Póvoas, 1989:27).

A influência do Cando mblé de Nação Queto se torna mais presente em São Paulo e Rio de Jane iro. Em São Luís, no Maranhão, onde vis itei três das casas mais ant igas: a Casa das Minas, a Casa de Nagô e a Casa Fant i- Axant i, há uma predo minância do tambor-de-mina.

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1.4.2 Candomblé de Nação Angola

As co munidades religio sas de Cando mblé de Nação Ango la são também conhecidas co mo angola-congo ou congo-angola (doravante, Cando mblé Ango la). Esse cando mblé chegou ao Brasil através dos primeiros povos oriundos de algumas regiõ es da África Austral, os ant igos reino s de Ango la (Ndongo), do Congo, de Loango, de Matamba, de Kakongo, dentre outros.

Para se co mpreender a formação dos Cando mblés Ango la, é preciso considerar os grupos étnicos, lingüíst icos e as prát icas rit uais que fora m trazidas por esses povos da área banto. Segundo Mattoso, (apud Bo nvini & Petter, 1998:72-73) esses povos pertencem ao "ciclo do Congo e de Ango la, no sécu lo XVII". Ela registra os grupos étnicos e as línguas transplantadas:

a) quicongo: falada pelos bacongo, numa zona correspondente ao antigo reino do Congo;

b) quimbundo: falada pelos ambundo, na região central de Angola, correspondendo ao antigo reino de ;

c) umbundo: falada pelos ovimbundo, na região de Benguela, em Angola.

Essas línguas africanas eram, provavelmente, faladas nos rituais dos primeiros tempos, ainda nos espaços contíguos às senzalas. Elas se const ituíram, naqueles tempos, em u m dos elementos estruturadores da recriação africana, co mo fator de reco nstrução do modus vivendi de povos que vivia m uma situação de apagamento de sua ident idade através do processo escravista.

a) Com plexo banto

Embora se considere, conforme atesta Mattoso, a predominância, entre os povos trazidos, ao Brasil, da área banto: os ambundos, do reino de Ndongo; os bacongos, do reino do Congo e os ovimbundos, do reino de Benguela, é possível constatar a presença de outras etnias, po is muit as pessoas eram capturadas mais para o int erior e levadas para a costa e para a principal região do tráfico de escravos: Calumbo, no rio Cuanza.

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Os império s Luba e Lunda são estreitamente ligados, visto ter sido o império Lunda fundado, no século XVI, por um grupo Luba exilado, sob a liderança de Ilunga Tshibinda, um dos filhos do rei Luba, Kalala Ilunga.

O reino Kuba expand ia seus limites através da co nquista de territórios viz inho s e possuía uma fronteira co mum, ao sul, co m os Lunda. E suas relações nem sempre foram pacíficas, havendo muitas guerras entre os do is reinos.

O reino do Co ngo do minava uma vasta região, formada por outros reinos:

Ndongo, Loango, Matamba, Mpemba, Kakongo, Mpanzu, Soyo, Dembos,

Quissama, dentre outros; alguns desses reinos eram seus vassa los e lhe pagavam tributos.

Ao sul do reino do Congo se situavam os reinos de Ndongo e de Matamba, sendo esse últ imo fundido ao primeiro através da sua conquista pela ra inha Jinga no final do século XVI.

Todos esses império s e reino s possuía m diversas pro víncias e inúmeros grupos étnicos. Os ambundos, por exemplo, const ituíam um grande e ant igo grupo étnico, que se subdividia em outros grupos: Ndongo, Songo, Lenge,

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No século XVI, os portugueses encontraram esses reino s bem estruturados, cujas fronteiras, observadas no mapa, na verdade, eram bastante elást icas. O reino de Ndongo, por exemp lo, se loca lizava entre o reino do Congo e o império Luba9, favorecendo as suas relações po lít icas e co mercia is, em alguns mo mentos, e, em outros, provocando os conflitos interétnico s. As guerras entre os reinos se sucediam, algumas vezes, buscando a expansão de seus territórios, e, em outras, lutando pela ema ncipação.

Alguns desses reino s possuíam inst it uições governamentais bastante avançadas e seus reis eram invest idos pe lo poder real através de um processo elet ivo. A base da eco no mia era, so bretudo, a agricu ltura, havendo também a caça, a pesca, a confecção de objetos de arte.

Os povos de línguas do grupo banto possuíam um co mplexo cult ural, religioso e lingüíst ico aparentado e uma cosmogonia bastante similar. Do is aspectos são considerados co mo elementos maiores do seu sistema religio so: o culto aos ancestrais e a divindades ligadas à natureza.

Pode-se constatar, no Brasil, em diversas co munidades de Cando mblé Ango la, termos e ele mentos mito lógicos oriundos não so mente dos povos trazidos dos reinos de Ndongo e do Congo, mas também de outros povos, co mo por exemplo, o mito do herói fundador do império Luba.

Esse império era um vasto território, cujas origens se referem ao mito de

Nkongolo, divindade cultuada nos Candomblés Ango la so b a deno minação de

Angorô.

b) Nkongolo: O m ito do herói civili zado r

Esse mito é uma epopéia das origens do Estado Luba e é narrado pelos depositário s da palavra, sendo reproduzido e publicado por alguns pesqu isadores.

Heusch (1972:19-39), acena para uma dezena de versões sobre o mito do heró i civilizador Nkongolo, a part ir de narrativas co lhidas por pesquisadores. Ele diz que, embora haja várias versões, elas concordam em mu itos pontos e se co mplementam. A mais ant iga delas data de 1913, co lhida por Père Co lle e as mais atuais datam de 1954, 1962 e 1964, recolhidas por Theeuws. E apresenta a versão de 1950, reco lhida por Orjo de Marchovelette: A Epopéia Nacional Luba co mo a mais detalhada. Segundo o autor, essa versão tem o

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mérito de ter sido narrada por um depositário qualificado das tradições orais da chefia de Kabongo, Inabanza Kataba.

De acordo com essa narrat iva Nkongolo é o primeiro rei sagrado dos Luba ; ele possuía o [bulopwe] ‘poder sagrado’. Seus ancestrais são kiubaka-Ubaka

‘aquele que co nstrói inú meras casas’ e Kibumba-Bumba ‘aquela que faz mu ita cerâmica’. De sua união, nasce um casal de gêmeos de sexos diferentes que se unem incestuosamente. A part ir dessa união, vão acontecendo outras da mesma forma incestuosas. Nkongolo é originário de uma dessas uniões incestuosas e, ele próprio, une-se em inc esto com suas duas irmãs: Mabela e

Bulanda. Ele submete sua autoridade por todas as terras do Oeste, porém sem herdeiros. Um dia, em seus do mínio s, aparece um estrangeiro, um caçador de no me Ilunga Mbidi Kilu we que vem a desposar as duas irmãs de Nkongolo. Após algum tempo de convívio, os dois se desentendem. O caçador desaprova o comportamento primit ivo de seu cunhado, principalmente, sua maneira de se alimentar, e seu riso aberto, mostrando os dentes, o que cons idera indigno de um re i sagrado. O caçador parte dos domínio s de Nkongolo, deixando as duas mulheres grávidas. Antes de partir, porém, encarrega o adivinho Mijibu de olhar pelas mulheres e, conseqüentemente, pelas crianças. Elas deram à luz dois meninos: o filho de Mabela se chamou Kisula e o de Bulanda, Kalala Ilunga. Algumas tramas engendradas pelo adivinho, logo colocam Nkongolo e

Kalala Ilunga co mo inimigos. Kalala Ilunga, ajudado pelas tropas de seu pai, invade a cidade e Nkongolo, vendo-se sem saída, refugia-se numa caverna úmida, de onde sai, todas as manhãs, para tomar so l; por isso, é descoberto, capturado e decapitado. Sua cabeça e as partes genit ais foram co locadas dentro de um cesto em cima de um pequeno monte; na manhã seguinte, a cabeça havia desaparecido sob a terra e seu corpo fo i lançado nu ma cova oca no leito de um rio.

Baseando-se nas diferentes versões, Heusch analisa o mito da seguint e forma:

1. Nkongolo funda seu império entre do is cursos d’água: o lago Lwembe a Oeste e o rio Luabala a Leste. Assim, o trajeto percorrido entre o lago e o rio remete, imediatamente, à imagem do arco-íris reunindo dois cursos d’água;

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3. A decapitação de Nkongolo separa o ele mento seco, o arco-íris (na crença popular representa o fogo celeste) e o elemento úmido, associado às águas terrestres. O arco-íris apresenta as oposições: ele é, ao mesmo tempo, macho e fêmea; e une o fogo e a água;

4. A separação da cabeça do corpo de Nkongolo, o arco-íris, separa o fogo e a água; o céu e a terra. Isso inaugura a dialét ica das estações, a alt ernância das estações (estação das chuvas/estação das secas);

5. O arco-íris é associado também a uma enorme serpente de duas cabeças. Segundo uma crença Luba-Hemba, o arco-íris não é outro senão o vapor, a fumaça que sai da garganta de uma enorme serpente vermelha chamada

kongolo.

O autor analisa o mito também em relação às diferenças entre o prime iro rei sagrado Nkongolo e o segundo, Kalala Ilunga da seguinte forma:

- Nkongolo: incesto / riso / maneiras alimentares primit ivas;

Kalala Ilunga: casamento hiperexogâmico / uso discreto da boca / maneiras alimentares refinadas.

Assim, Heusch faz uma reco nstrução, através da narrat iva dos depositário s da palavra, do passado histórico do império Luba. E as aventuras de

Nkongolo, Mbidi e Kalala Ilunga remetem ao ciclo das estações, à oposição lua/so l/arco-íris, à cozinha ritual, ao incesto, cujos símbo los mít icos estão associados ao mundo da natureza, de onde tiram seus temíveis poderes.

c) Angorô: a divind ade do a rco-í ris no B rasi l

A (re)int erpretação desse mito, dentro das co munidades de Cando mblé Ango la, pode ser observada pelas transformações e associações que lhe são atribuídas.

As transformações ocorrem sob do is pontos de vista:

• do ponto de vista lingüíst ico, ocorrem mudanças na sua designação de origem: nkongolo > kongolo > > hongolô > angolô > angorô;

e adquire uma designação secundária, aparece na figura de angoromea, a fêmea.

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