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O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as Alterações no Código Civil de 2002

2 CAPACIDADE CIVIL

A capacidade foi abordada no art. 2º do antigo Código Civil de 1916. Seu dispositivo não a definia, mas preconizava que todo homem era capaz de direitos e obrigações na ordem civil. Com a vigência do CC/2002, o termo recebeu outra roupagem, mas ainda ficou sem con-ceito. Esse é o teor do art. 1º: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

A presente legislação acertadamente abandonou a palavra homem por pessoa, vez que a CF/1988, art. 5º, I, não faz distinção de gênero; ao contrário, estimula a igualdade entre homens e mulheres. Ademais, o

art. 1º menciona deveres e não obrigações, haja vista existirem deveres que não são obrigacionais, como o de boa-fé.

Analisando a previsão normativa acima reportada, depreende-se que a regra é a capacidade civil plena. Para compreendê-la, a doutrina costuma repartir em duas partes: capacidade de direito ou de gozo e ca-pacidade de fato ou de exercício. Aquela é irrestrita e afirma que todos são sujeitos de direitos e deveres. Esta compreende o ato de exercer o direito e nem todos possuem tal aptidão (Tartuce, 2011, p. 65-66).

Logo, ou se é capaz ou se é incapaz e a incapacidade poderá ser absoluta, cabendo, nesse caso, a representação, ou relativa, cabendo a assistência. O CC/2002, no livro I, que dispõe acerca das pessoas, apre-senta um rol taxativo e separa um grupo do outro da seguinte maneira:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de dezesseis anos;

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o ne-cessário discernimento para a prática desses atos;

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV – os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Da simples leitura, percebe-se que os deficientes foram classifi-cados como incapazes. Todavia, esse raciocínio mudou com a recente aprovação do EPD, ao assegurar, em seu art. 6º, que o fato de uma pes-soa apresentar uma deficiência não afeta sua plena capacidade civil.

O EPD, ao declarar a capacidade do deficiente, redefiniu a tradi-cional teoria civilista de incapacidade, tanto que alguns dos dispositivos

do CC/2002 serão revogados e outros terão seus textos modificados com o término da vacatio legis. Os três incisos do art. 3º serão revogados e o absolutamente incapaz será unicamente o menor de dezesseis anos. Já o art. 4º, que diz respeito aos relativamente incapazes, será composto por dois incisos e nele constarão os ébrios habituais, os viciados em tóxico, além daqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.

Quanto ao parágrafo único, foi feita uma retificação, permutando o vocábulo índio por indígena, dado que o primeiro consiste em uma nomenclatura que alude à época em que os colonizadores chegaram ao Brasil e pensavam estar na Índia, nomeando os nativos de índios, ou seja, aqueles que são naturais da Índia. Ocorre que a terminologia cor-reta é a segunda, cujo significado refere-se aos habitantes oriundos de um país (Instituto, 2015).

No tocante aos negócios jurídicos, apesar de seus artigos não te-rem sofrido nenhuma modificação morfológica, alguns efeitos práticos decorrem da capacidade dos deficientes. Primeiro, não serão mais repre-sentados, nem assistidos e o prazo prescricional e decadencial correrá normalmente contra eles, porque essa proteção, segundo a inteligência dos arts. 198, I, e 208 do CC/2002, dirige-se especificadamente aos ab-solutamente incapazes.

Outrossim, outro efeito da plena capacidade das pessoas com defi-ciência recaiu sobre a responsabilidade, pois, para esses indivíduos, não será mais subsidiária. Assim, a regra do art. 928 do CC/2002, ao afirmar que o patrimônio do incapaz só será atingido se as pessoas por ele res-ponsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes, permanece intocada quanto ao incapaz. Porém, o deficiente, por não fazer mais parte desse grupo, perderá essa importante proteção e, ao ser deslocado dessa regra, passa a responder com seus bens pelos seus atos.

Quanto às provas, o EPD extinguiu os incisos II e III e adicionou o § 2º ao art. 228 do CC/2002. Essa alteração permitirá aos enfermos, a quem tiver retardamento mental, aos cegos e aos surdos depor como testemunhas em um processo em condições de igualdade com as outras pessoas.

3 CASAMENTO

O Livro IV do CC/2002, que cuida do direito de família, também foi alcançado pelo EPD. O art. 6º do Estatuto elencou uma série de di-reitos inovadores que garantem uma maior integração dos deficientes na sociedade, entre eles a oportunidade de casar, constituir união estável, exercer direitos sexuais e reprodutivos, decidir o número de filhos, con-servar a fertilidade.

No que concerne à capacidade para o casamento, o CC/2002 pre-vê a idade núbil de dezesseis anos. Entretanto, essa liberalidade legis-lativa se contrapõe com a exigência de uma autorização a ser concedi-da pelos representantes legais do nubente. Essa restrição é tanta que o art. 1.518 faculta aos pais, curadores e tutores revogarem até a cele-bração do enlace matrimonial a permissão outrora outorgada. Acontece que o EPD retirou dessa relação a curatela por um motivo simples; ela se destina à proteção específica dos direitos de natureza patrimonial e negocial; logo, não pode o curador, como assegura o § 1º do art. 85, dispor acerca de direitos como ao corpo, à sexualidade, ao matrimônio do curatelado.

Prosseguindo a esse entendimento é que o EPD, no capítulo da invalidade do casamento, aboliu o inciso I do art. 1.548 do CC/2002, pois não assiste razão à alegação de nulidade do casamento do enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil, tendo em vista que ele não será reputado absolutamente incapaz.

O EPD acrescentou o § 2º ao art. 1.550 do CC/2002. O texto é o seguinte: “A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade nú-bia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador”. Prefacialmente, vale dizer que o correto é núbil e não núbia (Michaelis, 2015); igualmente cumpre destacar que, sendo direito pessoal e consistindo em um ato volitivo, não deveria estar sujeito a manifestação de curador.

A última reforma do capítulo da invalidade do casamento no CC/2002 incidiu no art. 1.557. O EPD modificou o inciso III para não consentir a anulação decorrente de erro essencial sobre a pessoa do ou-tro cônjuge a quem ignorava, antes do casamento, uma deficiência ou moléstia grave e transmissível. O inciso IV teve seu conteúdo cancelado, pois ninguém pode alegar erro quanto ao outro consorte por doença mental, já que este agora é capaz.

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